A Petrobras usou o dono de um escritório de contabilidade, com remuneração mensal de R$ 1,5 mil acertada em contrato, para presidir a empresa que construiu a rede de gasodutos Gasene, entre o Estado do Rio de Janeiro e a Bahia, passando pelo Espírito Santo. Antônio Carlos Pinto de Azeredo exerceu o cargo de presidente da Transportadora Gasene, empresa estruturada pela estatal para a construção dos gasodutos, e que passou a ser investigada pelo Tribunal de Contas da União por suspeita de superfaturamento, dispensa de licitação e pagamentos sem prestação dos serviços. Antonio Carlos Pinto de Azeredo também usou o escritório de sua empresa — a Domínio Assessores — como sede oficial da Gasene. Ele disse ter funcionado como um preposto da Petrobras, numa função “puramente simbólica”, em que só assinava os contratos a partir de autorizações da estatal. Azeredo diz que não se considera um "laranja": "Laranja pressupõe um benefício em troca. Não tive benefícios. Fomos convidados para apresentar propostas de serviço de contabilidade e, no pacote, precisava assumir a condição de presidente da empresa. Só assinava os contratos. Não negociava com os fornecedores. Confiava na Petrobras. Achava que era uma empresa séria". Documentos sigilosos do Tribunal de Contas da União, com base em uma auditoria no trecho do Gasene entre Cacimbas (ES) e Catu (BA), foram enviados à força-tarefa do Ministério Público Federal e da Polícia Federal responsável pelas investigações da Operação Lava-Jato. O trecho tem 946,5 quilômetros e recebeu investimentos de R$ 3,78 bilhões. Em sessão reservada no último dia 9, ministros do Tribunal de Contas da União levantaram a suspeita de lavagem de dinheiro na complexa engenharia operacional da Petrobras que transformou as obras dos gasodutos em um empreendimento privado. Conforme a auditoria, a estatal é a verdadeira responsável pelo projeto, que contou com dinheiro público. O ex-presidente da Petrobras, o petista José Sérgio Gabrielli, e o ex-presidente da Gasene, são apontados como responsáveis pelas irregularidades. Agora, Azeredo diz que não tinha qualquer poder de decisão e faz as afirmações com base em diversos documentos. Uma cláusula do contrato de compra e venda de ações assinado entre a Transportadora Gasene e a Petrobras, em 2005, estabelece que o empresário nomeado como presidente da companhia privada deveria se abster de “efetuar ou aprovar quaisquer alterações do estatuto social, deliberações de assembléias gerais e outorga de mandato sem o consentimento prévio e por escrito da Petrobras”. Além disso, projetos só poderiam ser implementados se instruídos “por escrito, detalhada e tempestivamente” pela estatal. A cláusula, para o ex-presidente da Gasene, mostra que ele não tinha poder de decisão: "Só assinava cada implementação de projeto, cada contratação de empresa, quando era instruído pela Petrobras. Sei que isso parece ser surreal. Para mim, era mais uma obra. Só vi que era grande depois". Entre as empresas contratadas para as obras do trecho do gasoduto auditado pelo Tribunal de Contas da União estão empreiteiras suspeitas de participação no esquema de pagamento de propina investigado na Lava-Jato. Um instrumento comum na gestão da Gasene, segundo outros documentos apresentados por Azeredo, era o recebimento de cartas de orientação escritas por gestores da Petrobras. Por meio desses ofícios, gerentes da estatal orientavam como o presidente da Gasene deveria proceder sobre diversos assuntos. Em um desses ofícios, uma gerente orienta sobre a assinatura de “carta endereçada ao BNDES solicitando o consentimento para fins de aumento de endividamento da Transportadora Gasene em US$ 760 milhões”. O BNDES financiou 80% do empreendimento de gasodutos. Conforme Azeredo, entre 2005 e 2011 a Petrobras enviou “centenas” de cartas. Em janeiro de 2012, a Transportadora Associada de Gás (TAG), empresa do sistema Petrobras, incorporou a Transportadora Gasene, por R$ 6,3 bilhões. A parceria com Azeredo se encerrou no mês anterior, segundo Azeredo. O contrato com a Domínio Assessores previa a indicação de um outro sócio como diretor da Gasene, também com remuneração mensal de R$ 1,5 mil, o que de fato ocorreu. Esse diretor, no entanto, não é citado pelos técnicos do Tribunal de Contas da União como responsável pelas irregularidades.
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