quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Polícia Federal investiga 164 suicídios de colonos gaúchos após fraude petista em financiamentos rurais

Da jornalista Adriana Irion, em Zero Hora
A suposta fraude envolvendo recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar ( Pronaf ) na região de Santa Cruz do Sul pode ter atingido mais do que apenas os bolsos das vítimas. A Polícia Federal ( PF) listou os 134 suicídios ocorridos entre 2010 e 2013 em nove cidades naquela área do Estado e descobriu que 10 dos mortos fizeram transações financeiras com a Associação Santacruzense dos Agricultores Camponeses ( Aspac), entidade suspeita de liderar o esquema. A investigação teve início em 2012 e a fraude teria prejudicado 6,3 mil agricultores e envolvido recursos na ordem de R$ 79 milhões, segundo as conclusões. Um dos investigados é o deputado federal Elvino Bohn Gass ( PT). Por isso, o caso tramita no Supremo Tribunal Federal. O esquema, segundo a investigação, seria o seguinte: a Aspac, ligada ao Movimento dos Pequenos Agricultores ( MPA), pediria aos filiados que assinassem procurações em branco. Por meio delas, contrairia empréstimos pelo Pronaf, no Banco do Brasil. O dinheiro, liberado, iria parar nas contas da Aspac e, parte dele, seria repassado a contas particulares de dirigentes da entidade – sem que os agricultores soubessem. A Polícia Federal rastreou casos de suicídio que poderiam ter ligação com dívidas decorrentes da fraude. Nos relatórios oficiais, constam as transações bancárias que cada uma das vítimas fez com a associação, além de data e detalhes da ocorrência policial de morte.  A Polícia Federal solicitou dados sobre financiamentos do Pronaf feitos por essas pessoas. Em um trecho de documento que consta do processo no Supremo Tribunal Federal, ao qual Zero Hora teve acesso, está registrado: “As consequências desse esquema criminoso, que utilizou os nomes e as contas bancárias daqueles pequenos agricultores, começam pela negativa de crédito para os colonos, em razão da dívida feita em seus nomes e não quitadas pelos criminosos, o que leva ao agravamento de suas situações econômicas – que já eram precárias – e a prejuízos psíquicos, a ponto de ser cogitado como fator motivador da prática de suicídios de alguns, conforme estudo feito com base nas estatísticas, nas pesquisas com fundamento em estudos sociológicos e nas informações bancárias, tudo já juntado aos
autos. Vale lembrar que a região em que os fatos investigados aconteceram contém as maiores taxas
mundiais de suicídios”. A Aspac informaria a muitos agricultores que o financiamento não fora concedido e eles só ficariam sabendo que tinha sido feito empréstimo em seu nome quando fossem cobrados pelo Banco do Brasil. A Polícia Federal aponta que parte do dinheiro contraído em financiamentos pode ter sido usada para pagar contas de campanha de políticos simpatizantes do MPA nos anos de 2008, 2010 e 2012. Entre os investigados estão, além de Bohn Gass, Perci Schuster, que presidia a Aspac, e o vereador do PT e coordenador do MPA em Santa Cruz do Sul, Wilson Rabuske. Schuster trabalhou como assessor parlamentar de Bohn Gass em Brasília. A transferência de um total de R$ 400 mil da Aspac para a Cooperativa Mista de Fumicultores do Brasil Ltda ( Cooperfumos) chamou a atenção da Polícia Federal durante a apuração. “Há um elo entre os envolvidos no esquema que justificaria essa remessa de capitais à Cooperfumos. Perci Schuster, presidente apenas pro forma da Aspac, também faz parte do conselho fiscal da Cooperfumos e seria servidor comissionado do gabinete de Elvino ( Bohn Gass)”, diz trecho de documento da Polícia Federal. Schuster teve ligações telefônicas interceptadas e os sigilos bancário e fiscal quebrados com autorização judicial. A juíza federal Karine da Silva Cordeiro, ao remeter o caso para o Supremo Tribunal Federal, considerou que os telefonemas interceptados indicam, “de forma clara e consistente”, suposto envolvimento de Bohn Gass. O diálogo entre Evandro de Oliveira Lucas (dirigente rural na região de Santa Cruz do Sul) e um agricultor foi divulgado na última terça-feira pelo jornal Folha de São Paulo. As gravações foram autorizadas pela Justiça. Confira:
Evandro de Oliveira Lucas – Eu também, eu não sei muita coisa, mas eu sei que quem tá trabalhando
pra resolver isso é o Elvino Bohn Gass.
Agricultor – Ah, mas é outro sem vergonha.
Evandro – Sim. É o cara que eu acho que vai largar dinheiro pra pagar essa conta... Eu não sei como.
Agricultor – E vai ter que largar mesmo.
Evandro – Vai ser uma espécie de caixa 2, mas é o cara que vai ajudar a resolver isso. Teve rolo. Porque teve muito dinheiro dos (...) inclusive.
Agricultor – Elvino? Evandro – Que foi para... Elvino Bohn Gass...
Agricultor – Ahm...
Evandro – É que muito dinheiro foi pra campanha do Wilson e pra campanha do Bohn Gass...
Agricultor – Claro, claro, mas lógico.
Evandro – Pra campanha do Wilson... E essa dívida que existe tá muito ligada a isso. Só para você ter uma idéia, em Sinimbu a dívida com os agricultores passa de R$ 200 mil. Em Santa Cruz, a gente nem tem idéia, mas deve tá perto da casa de R$ 1 milhão. Aí os caras tão tentando pagar um pouco pra ver o que fazem. O Gilberto (não idenficado) é um que tá louco porque ficou sabendo disso que de última hora e ele sozinho, ele sabia mais ou menos como funcionava lá. Se tu fazia Pronaf de R$ 10 mil, a Aspac ficava com 20% ou 30%. Essas coisas assim eles sabiam, e depois era devolvido pro agricultor, só que já faz um ano que eles não tão devolvendo. E agora, uns dois meses, que isso tá estourando né, tá estourando.
(Evandro x Agricultor, ligação efetuada em 19.11.2013, às 12h26m54s, 280- verso1281 da Ação Cautelar n° 3.601)
Diálogo entre Wilson Luiz Rabuske ( vereador do PT em Santa Cruz do Sul) e Elvino Bohn Gass
(deputado federal do PT)
Elvino Bohn Gass - Rabuske!
Wilson Luiz Rabuske -Tudo bom, deputado?
Bohn Gass -Tudo bem, tudo bem.
Rabuske - Deputado, tava lendo hoje as notícias dos decretos que saíram ontem. O que o senhor acha, é bom?
Bohn Gass -Eu acho, eu acho que os decretos para o pessoal dos assentamentos tá boa, o problema é dia 8, não tá ainda, não veio ainda o do agricultor familiar, né.
Wilson - Mas o jornal de hoje tá dizendo que saiu ontem dois decretos, com selo monetário.
Bohn Gass - Não, não, saiu, mas é... Na verdade, é o Pronaf A, pega ‘pronafianos’, e é pra ter uma nova medida, uma nova reunião, que o Pepe ( ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Pepe Vargas) me disse esses dias, que até pelo dia 8, ele queria fazer essa nova reunião, então saiu parte, eu acho que hoje o assentado da reforma agrária tá bem, mas não tá, a outra parte que saiu dos assentados da
reforma agrária é do Pronaf A que é dos assentamentos... então vai ter novidade na agenda sobre isso
no início do ano, tá, vai ter reunião do ministro com os movimentos dia 8 provavelmente. Eu vou pra
Brasília dia 7, já na segunda- feira, pra gente olhar isso aí, tá.
Rabuske - Então tu acha que vai ser positivo.
Bohn Gass - Vai ser, eu acho que vai ser, vai ter, não tudo que a gente deseja, né, mas sempre vai ter
uma... A gente tá conversando muito com o banco, pro banco ser parceiro nisso e eu acho que pelo dia 8 nós vamos saber melhor, tá. Eu vou ficar lá dia 6 e 7, pra acompanhar isso aí, as negociações em Brasília.
Rabuske - Então tá bom. Tá bom, deputado.
Bohn Gass - Wilson, uma boa passada de ano, mas nós nos falamos. Tamo acompanhando direto,
empenho e outras coisas em Brasília, no dia de hoje, tá.
Rabuske - Eu te liguei mais pra desejar um feliz 2014 pro senhor.
Bohn Gass - E que tenhamos todo êxito e obrigado pela parceria, bom 2014, tá bom, Rabuske.
(Wilson x Bohn Gass, ligação efetuada em 31.12.2013, às 13h12m23s, fl.
391 da Ação Cautelar n º 3.601)
Agricultor em Sinimbu, Milton Staub relata que seu pai, Arno, pediu em 2010 um empréstimo de R$ 5 mil para custeio de pastagens de inverno. Fez o pedido no escritório do MPA daquele município.
Passadas três semanas sem receber o dinheiro, foram avisados que o nome de Milton (avalista do pai) estava no Serasa e desistiram do financiamento. Para surpresa dos dois, em 2011 foram cobrados pelo Banco do Brasil por R$ 1,5 mil referentes ao empréstimo que jamais chegaram a receber. Fizeram uma reclamação ao escritório do MPA e, dias depois, o Banco do Brasil afirmou que a dívida tinha sido quitada. Neldor Freese diz que sua esposa contraiu empréstimo no valor de R$ 4,6 mil e, desse total, R$ 3 mil foram parar na conta de Wilson Rabuske, diretor do MPA em Santa Cruz do Sul. A Polícia Federal investigou e descobriu que foram feitos em nome de Freese e sua mulher empréstimos de R$ 29 mil, R$ 16 mil, R$ 6,9 mil e R$ 9,8 mil. Tudo isso após dar autorização ao MPA, via procuração, para obter financiamentos do Pronaf. “Não é possível eu e minha mulher estarmos devendo tanto, pois tudo que temos vale menos que o valor desses empréstimos”, reclamou Freese, em depoimento. No final do mês de setembro, 60 agentes da Polícia Federal chegaram a ser deslocados para Santa Cruz do Sul para cumprir mandados de busca e apreensão na casa de suspeitos de envolvimento na fraude, mas a operação foi abortada por decisão do Supremo Tribunal Federal. O STF atendeu a um pedido da Procuradoria- Geral da República para que os mandados só fossem cumpridos após o dia 6 de outubro – ou seja, depois da eleição. A intenção era não contaminar o clima eleitoral com a investigação já que um parlamentar estaria envolvido. Até agora, os mandados não foram cumpridos.
Como seria o esquema
1 - A Associação Santa- cruzense dos Agricultores Camponeses (Aspac), integrante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), pediria aos filiados que assinassem procurações em branco. Por meio delas, foram contraídos 6.309 empréstimos em nome dos agricultores, entre 2007 e 2011.
2 - O Banco do Brasil liberou financiamentos que variavam de R$ 10 mil a R$ 100 mil por agricultor. O dinheiro iria parar nas contas da Aspac e, parte dele, seria repassado a contas particulares de dirigentes da entidade ligados ao MPA. Um dos beneficiados, vereador, recebeu R$ 700 mil.
3 - A Aspac informaria a muitos agricultores que o financiamento não fora concedido.
Em outros casos, as vítimas tinham Crédito Direto ao Consumidor (CDC) feitos em seu nome, sem
saberem. Eles ficaram sabendo que tinha sido feito empréstimo em nome deles quando foram procurados pelo Banco do Brasil para quitar a dívida. Em depoimentos à Polícia Federal, vários
lesados garantem que jamais receberam financiamento, mas tiveram de arcar com o débito feito pela
Aspac em seu nome.
4 - O inquérito da Policia Federal aponta, alicerçado em telefonemas gravados dos suspeitos, que parte do dinheiro contraído em financiamentos seria desviado para pagar contas de campanha de políticos simpatizantes do MPA. Em troca, esses políticos se comprometiam a batalhar para que as dívidas fossem renegociadas ou anistiadas, com a desculpa de perdas na lavoura causadas pelo mau tempo.

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