Sempre desconfiei — e vocês podem achar esta observação no arquivo deste blog — que haveria o momento em que alguns políticos brasileiros teriam a ideia de trocar de povo, tornando-o, vamos dizer, mais à altura de suas respectivas grandezas. Dois episódios que vieram a público nesta sexta são mesmo do balacobaco. Segundo informa a Folha, a trabalhadora rural Marinalva Gomes Filha, 46, da zona rural de Paulo Afonso, na Bahia, ganhou uma prótese dentária um dia antes de gravar imagens para o horário eleitoral gratuito da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, que vem a ser, sim, a presidente Dilma. No programa, Dona Nalvinha diz: “Tudo o que tenho aqui foi Dilma que deu”. E isso incluía a prótese com os dois dentes da frente.
Não foi só isso. Uma semana antes da chegada da presidente, o fogão a lenha de Dona Nalvinha foi ampliado pela ONG Agendha, que tem convênio com o governo da Bahia, também do PT. Por enquanto, ela é a única que recebeu o benefício. O ex-presidente Lula acompanhava a atual presidente à visita. Emocionada, a mulher afirmou que ele era um “pai” dos pobres, e Dilma, a “mãe”.
Eis aí: é preciso dar uma maquiada no povo para que ele não apareça como é. Um país que cresce menos de 1% ao ano, que tem uma inflação de 6,5%, juros de 11% e que deve crescer pouco mais de 1% em 2015 tem mesmo é de distribuir suas migalhas para que os humildes caiam de joelhos diante dos poderosos, gratos pela prótese dentária, por um fogãozinho a lenha, por uma cisterna. “Melhor fazer isso do que não fazer”, diria alguém. Sem dúvida. O nefasto populismo sempre se alimentou dessa frase. Não ocorre a essa gente que melhor é um país que se desenvolve, que cresce, para que as pessoas provejam o próprio sustento e não dependam da caridade de políticos que querem o seu voto.
Longe de Paulo Afonso, na Bahia, numa região bem mais desenvolvida, Eduardo Suplicy, que concorre ao quarto mandato ao Senado — ele já está lá há 24 anos e quer ficar 32 —, gravava o seu programa da propaganda eleitoral gratuita. Segundo informa o Estadão, supostos eleitores da rua dão depoimentos exaltando suas qualidades e o muito que ele teria feito por São Paulo — até agora, de verdade, ninguém conseguiu descobrir o quê. Nesse caso, a piada já vem pronta. Na era do povo maquiado, uma das que aparecem no vídeo dizendo como ele é um cara batuta é a própria maquiadora do estúdio. A mulher mandou ver: “Quando você pensa num político honesto, qual é o primeiro nome que vem na cabeça? É o Suplicy”. Não bastou: também foi convidado a falar o operador de áudio, que se fingiu de “povo popular”, como dizia o Casseta&Planeta. Resume: “Senador Eduardo Suplicy. Nele eu confio”.
Num caso, o povo de verdade passa antes por uma arrumada para ir à televisão despejar suas lágrimas de humilde agradecimento aos “nhonhôs”. No outro, funcionários da campanha fingem o que não são para que Suplicy possa passar por aquilo que não é. Ah, sim: a campanha de Suplicy também roubou o slogan usado por Serra em 2010: “Esse cara é do bem”. O ainda senador diz ter consciência da apropriação, mas afirma que seu marqueteiro diz que o lema tem mais a ver com ele. Entendi: Suplicy fundou o “MSS”, o Movimento dos Sem-Slogan. Então ele toma o alheio.
Uma reforma política séria passaria pelo fim do horário eleitoral gratuito, um absurdo que custa aos cofres públicos quase R$ 1 bilhão em ano eleitoral e que não passa de uma pantomima ridícula, destinada a enganar os desinformados e os pobres. Por Reinaldo Azevedo
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