terça-feira, 29 de julho de 2014

RISCOS JURÍDICOS SOMAM R$ 2,6 TRILHÕES POR PROVISIONAMENTOS INADEQUADOS

As empresas brasileiras precisam provisionar atualmente um total de R$ 2,6 trilhões para pagamentos na fase de execução das sentenças. O montante representa quase metade do PIB brasileiro. Especialistas apontam que esse valor poderia ser bem menor caso houvesse um acompanhamento rigoroso das empresas sobre sua situação processual. Segundo levantamento da empresa de tecnologia para gestão jurídica e-Xyon, existem cerca de 65 milhões de processos não criminais no Brasil, de acordo com a base de dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Com base nesses dados, a companhia identificou os processos existentes em cada uma das áreas do Judiciário (Cível, Juizado Especial Cível, Trabalhista e Tributário). Para cada uma delas foi estimado um valor médio provisionado, com base em pesquisas e análise de mercado. A área tributária é a que leva A maior média de provisionamento: R$ 40 mil. Na área cível de primeiro e segundo grau, a média provisionada é de R$ 20 mil — no Juizado Especial Cível é de R$ 1 mil. Para processos na Justiça do Trabalho, as empresas reservam cerca de R$ 10 mil. Os valores médios foram estabelecidos com base na alternativa mais otimista de uma análise de cenários. O grau do risco determina quanto a empresa vai imobilizar em recursos para atender as demandas judiciais. Segundo Mauro Sampaio, sócio-diretor da e-Xyon, por falta de informações confiáveis a respeito do andamento dos processos, é comum as empresas destinarem mais dinheiro do que o necessário para cobrir os custos das ações. Segundo ele, o acompanhamento correto liberaria de 10% a 15% dos recursos destinados ao provisionamento. “Isso significa trocar o dinheiro de coluna no balanço saindo da parte de perdas, liberando recursos para o crescimento do negócio, valorizando ainda mais as empresas”, afirma. Segundo José Ricardo de Bastos Martins, sócio do escritório Peixoto & Cury Advogados, quem define os provisionamentos não são advogados, mas auditores e contadores. “A provisão é uma atitude que está dentro da disciplina da contabilidade. Quem toma a decisão é o contador, com base nos preceitos contábeis do país”, explica. Dentre os vários princípios contábeis existe aquele que prevê, quando uma determinada ação judicial é apresentada, é necessário avaliar seu risco para que o valor máximo possível dessa materialização seja separado dos resultados da empresa para pagar essa possível demanda. Para Martins, o papel do advogado nesse tema é contribuir para o processo de decisão com o fornecimento de informações. “É feita uma avaliação dos processos, sobre sua chance de materialização, seja alta, média ou remota”, conta. Isso tem importância porque influencia na qualidade do balanço patrimonial das companhias. O balanço é um retrato da companhia naquele momento. Ele tem a obrigação de dizer a verdade porque é assinado por um contador que aplica princípios contábeis. “Se uma provisão não é feita da maneira correta a foto da empresa não fica correta. Ou seja, os resultados da empresa ficam maquiados”, comenta. Para as sociedades abertas, com ações pulverizadas e sócios anônimos, há uma obrigação de transparência. Se as demonstrações financeiras não estão corretas, o acionista está sendo ludibriado. Por consequência, um provisionamento inadequado pode ser considerado também uma violação das regras de mercados de capitais. Nas empresas fechadas, um balanço incorreto pode prejudicar a gestão de uma companhia e caso as instituições bancárias tomem conhecimento desses erros as linhas de crédito podem ser suspensas e multas aplicadas. “Em casos mais graves, em que fica caracterizada a gestão fraudulenta o caso sai do âmbito cível e vai para o penal”, aponta. Para que os advogados contribuam para um provisionamento adequado são feitos relatórios com base na experiência profissional, conhecimento da lei e jurisprudência. “Em um caso hipotético de acidente de trânsito sobre um carro que bate atrás de outro parado, por exemplo, numa pesquisa é verificado que 97% dos juízes do estado de São Paulo julgaram que é uma prova irrefutável de culpa bater por trás de carro parado. Então eu passo essa grande probabilidade para o contador, que decide provisionar ou não, dependendo qual parte ele representa”, comenta. A demanda pelo mapeamento correto dos riscos jurídicos criou empresas no Brasil com um perfil multidisciplinar, que reúnem advogados e contadores, apenas para quantificar os passivos e liquidação de processos. Na visão de Luiz Carlos Bernhoeft, contador e sócio da Bernhoeft Contadores, existem muitos equívocos na hora de quantificar o passivo do provisionamento. “O caso mais extremo que encontrei foi um processo que estava registrado por R$ 3 milhões, mas a causa era só de R$ 100 mil. Esse dinheiro estava preso, sem uso”, exemplifica. Ele relata que também já encontrou muitas companhias que provisionam menos do que o necessário. Nesses casos ele explica que normalmente os gestores fazem isso para bater metas dentro das empresas. Outros casos são processos cotados indevidamente— isto é, ações que já foram encerradas, mas como as empresas ainda não deram baixa, permanecem provisionados. “Um caso que eu tenho é de uma empresa em que fiz um levantamento para validar sua contingência. Recebi 150 processos para avaliar e descobri que 23% deles estavam encerrados. Aí as razões podem ser várias, como simples desorganização ou até advogados que ganham por processo e não querem retirá-los para não diminuir os honorários”, explica. Bernhoef conta que recebe relatórios de advogados com análises do processo, das teses, do entendimento do Judiciário, a jurisprudência, a tendência do Judiciário de determinada cidade ou Estado, o que permite quantificar em porcentagem o risco de um processo. Ele defende a participação de contadores porque, muitas vezes, os advogados propõem acordos aos reclamantes baseados em números que eles mesmos calculam. “O recomendado é que isso seja calculado por um terceiro, com embasamento jurídico, mas com formação de contador para ser mais isento e aplicar os princípios contábeis”, explica. Ele relata que firmas de auditoria também aceitam outras metodologias para o cálculo do provisionamento, como um critério de média de condenações do ano anterior. “Na minha opinião essa forma é mais sujeita ao erro porque podem existir alguns processos fora da curva. Eu defendo a análise jurídica ampla e os princípios contábeis com método mais confiável”, opina. Outro foco de atuação também é a prevenção das companhias para não precisarem de grandes provisionamentos. “Por exemplo, é muito comum que o passivo trabalhista das empresas seja formado não por funcionários próprios, mas por terceirizados. Um trabalho preventivo importante é prevenir e fiscalizar os passivos dos terceirizados porque hoje há inúmeras decisões de responsabilização solidária das companhias”, comenta. Ele orienta também a necessidade de um conhecimento mais amplo dos diversos públicos, como os clientes, contrapartes, intermediários, fornecedores, órgãos reguladores e autoridades fiscais, além de criação de boas políticas de RH. (Consultor Juridico)

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