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José Fernandes |
Os
acidentes de trânsito no Rio Grande do Sul estão matando como nunca. Mas, não é
para ninguém estranhar. Isso tem uma explicação. De julho de 2003 a outubro de
2007, quando as fundações de apoio à universidade de Santa Maria (Fatec e
Fundae) prestaram serviço ao Detran, foram feitos cerca de 3 milhões de exames
para emissões de carteiras de habilitação para motoristas (nesse número estão
incluídos os exames teóricos e práticos, e também as reprovações e as
renovações de carteiras). Em todo esse período nunca houve qualquer denúncia de
fraude na emissão das carteiras de habilitação de motorista no Rio Grande do
Sul.
A
realidade mudou radicalmente a partir de novembro de 2007, quando foi detonada
a gigantesca e rocambolesca operação político-policial chefiada pelo
peremptório petista Tarso Genro, então comandante da Polícia Federal, e grande
beneficiário da Operação Rodin, que intimidou toda a classe política gaúcha e o
levou a ganhar as eleições para o governo do Rio Grande do Sul sem qualquer
oposição.
Ao
aceitar a denúncia do inquérito da Operação Rodin e tornar réus os indiciados,
a juíza que atuava no caso, Simone Barbisan Fortes, na época titular da 1ª Vara
Federal Criminal de Santa Maria, determinou que o governo do Estado e o Detran
cancelassem o contrato da Pensant e outros prestadores de serviços com a
Fundae. A partir desse momento todas as carteiras de habilitação do Detran
começaram a ser emitidas sem sofrer qualquer fiscalização. Portanto, advogados
do Rio Grande do Sul poderiam processar o Estado em milhares de situações em
benefício de vítimas do trânsito. O governo gaúcho está, em todo esse período,
concedendo licença para matar para motoristas do Rio Grande do Sul, porque o
carro é uma arma.
O
principal prejudicado com essa decisão da juíza Simone Barbisan Fortes foi o professor
José Fernandes, sócio-diretor da Pensant, que fazia o serviço de fiscalização
do processo de aplicação de exames das carteiras de motorista. Sua empresa
perdeu o contrato e foi impedida de funcionar. A juíza ainda bloqueou 30% dos
valores que eram destinados ao pagamento dos serviços de fiscalização e
supervisão da aplicação dos exames. Após a determinação da juíza Simone
Barbisan Fortes, a Fundae ainda ficou mais 24 meses na execução do contrato com
o Detran, e realizou 1 milhão e meio de exames sem qualquer fiscalização.
O
professor José Fernandes critica esta situação: “São carteiras de motorista de
caráter precário, emitidas sem qualquer controle de qualidade e anti-fraude,
que possam ser cometidas nos exames e pelos aplicadores dos mesmos. Diz ele: “Com
a retirada da fiscalização os CFCs (centros de formação de condutores) ficaram
de donos do campinho, com exames sendo feitos dentro de suas instalações, com o
uso dos terminais eletrônicos dos CFCs”. José Fernandes diz que a Pensant tinha
ido para dentro da TecnoPUC e estava desenvolvendo um software que integrava os
vários sistemas, e que o examinador teria acesso remoto aos exames no próprio “palm”.
Ele afirma enfático: “O Detran é o órgão que mais precisa da informática para
que o exame seja feito com a maior segurança. Hoje, um candidato pode estar
fazendo um exame em uma sala vigiada por câmera e mesmo assim receber as
respostas por meio de um ponto eletrônico. Dessa forma ele pode garantir a
aprovação com o mínimo de 70% de acertos, que é o exigido em cada exame. Com
uma fraude simples assim ele garante o direito de usar uma arma de grande poder
letal, que é o carro. E uma arma legalizada. Por isso insisto tanto que o exame
para habilitação de motorista exige cuidados mais do que especiais, cuidados
muito maiores do que aqueles adotados contra fraude no Enem, que distribui
vagas em uma universidade, ou outros concursos que dão vagas no serviço
público. Se não houver uma vigilância muito severa, uma fiscalização muito
intensa e especializada, serão anulados concursos, como já tem acontecido, e
muitas carteiras de motoristas serão obtidas por meio de fraude.
Conforme
José Fernandes, o sistema de exames do Detran tem um banco de 2.000 questões,
que devem ser auditadas. Desse banco saem as 30 questões obtidas de forma
aleatória para cada exame. Porém, cada questão precisa ser auditada com relação
a uma série de aspectos, inclusive o da linguagem utilizada. Por exemplo: no
Sul do País, diz-se “mandioca”; já no Nordeste fala-se “macaxeira”. Diz José
Fernandes: “A auditoria legal deve estar de acordo com o que determina o Código
de Trânsito Brasileiro. E mais, por uma auditoria técnica, para impedir conformações
que facilitem a fraude. Um exemplo disso é o recente exame do Enem, em que
concorrentes colocaram receitas de bolo e coisas do gênero na prova de redação.
E obtiveram nomes superiores a de outros candidatos”. Nesse aspecto, José
Fernandes diz que a prova do Detran para obtenção de carteira de motorista
deveria ser por escrito: “Esse exame é revestido de maior gravidade do que
disputar uma vaga na univewrsidade. No Brasil discute-se de tudo, menos o que é
fundamental. Nós temos uma autêntica guerra no trânsito urbano, nas estradas. É
uma verdadeira tragédia por dia. É como se, todos os dias, caísse um Boeing 780
carregado de passageiros. Mesmo assim não se aborda com seriedade a questão dos
exames que concedem as carteiras de motorista”.
Até
aqui isso diz respeito à prova teórica do exame de concessão de carteira de
motorista. Mas, há outro exame, o prático. E esse também é um grande problema,
passível de grandes fraudes. José Fernandes diz que esse exame tem cinco
trajetos alternativos, sendo sorteado de maneira aleatória o percurso. Ele
aponta que, sem uma fiscalização eficiente, esse exame é um convite à fraude.
Os interesses envolvidos são tão grandes que uma carteira de motorista pode
custar em propina mais de um caminhão carregado com carga de soja. Afirma José
Fernandes: “Uma carteira facilmente vale mais de 5 mil reais em propina. Ou
seja, é preciso se auditar permanentemente a atividade de um examinador, o que
era feito antes pela Pensant. Hoje ninguém faz isso, nada acontece. Dá para
propinar para todo lado. Os interesses são monstruosos. Só no Rio Grande do
Sul, os centros de formação de condutores faturam mais de 70 milhões de reais
por mês. Isso significa um bilhão de reais por ano”.
José
Fernandes está convencido que esse tipo de combate aos desvios só pode ser
feito por universidades, que detêm a tecnologia dos exames vestibulares, usando
o que há de mais moderno e avançado para evitar as fraudes: “O Enem está
trabalhando com a Cesp e Cesganrio, que são especializadas na feitura de
vestibulares e concursos, mas adotam uma solução que não tem logística que
aguente em um País continental como o Brasil. E olhe que o Enem custa 400
milhões de reais ao ano em segurança. Mesmo assim, não houve um só exame do
Enem que não tenha tido denúncia de fraude”. José Fernandes aponta que, para o
primeiro exame do Enem, foi feita uma licitação. Mas, diz ele, é impossível
licitar neste campo, porque conhecimento e domínio de logística de segurança
são fatores intangíveis: “Veja só, com dispensa de licitação, com gasto de 400
milhões em segurança, mesmo assim eles não conseguem evitar todas as fraudes. É
para se ver como é complicado este assunto”.
José
Fernandes aponta ainda outra grave situação atual no sistema imposto pela juíza
do processo em Santa Maria: “Dos 200 examinadores do Detran, tem cerca de 60
que foram selecionados por regras corretas, o resto é composto por
companheirada. Imagina o que podem fazer....”. Ele vai além: “O Denatran, órgão
do Ministério das Cidades, tem uma série de câmaras temáticas, todas dominadas
por pessoal do PT. Os CFCs também estão representados nessas câmaras, e o que
eles pedem, levam.... Imagine, se só no Rio Grande do Sul faturam um bilhão de
reais, então qual é o faturamento anual no Brasil inteiro? Isso dá para fazer a
alegria de muita companheirada, a felicidade geral de muito político”.
José
Fernandes vai além: “Enquanto acontecia a CPI do Detran na Assembléia Legislativa
do Rio Grande do Sul, no governo de Yeda Crusius (PSDB), para discutir, entre
outras coisas, a diminuição de 20 reais no pagamento de taxas dos exames, os
centros de formação de condutores ganharam R$ 225,00 com a exigência de mais 15
horas aula, como se isso fosse resolver o problema dos acidentes”. José
Fernandes também aponta que essa é outra deformação do sistema mantida até
hoje, sem que qualquer promotor ou juiz tenha agido: “Como é que os centros de formação
de condutores receberam esses negócios? Isso aconteceu lá no governo de Antonio
Britto, na gestão de Nereida Tolentino no Detran. Foram concessões em caráter
precário, que permanecem até hoje sem que tenha sido feito um processo
licitatório”. José Fernandes faz mais uma crítica: “Quando o Detran estava na
Polícia Civil, a carteira de motorista era chancelada por um delegado, por um
servidor estável do Estado, com título universitário. Hoje, ninguém é
responsável”. E José Fernandes termina por criticar o concurso do Detran para
contratação de funcionários: “É como licitação do lixo, de ônibus, é para não
sair nunca, ficar só na emergencialidade. Isso acontece porque rola muito
dinheiro, são 70 milhões de reais por mês apenas nos CFCs no Rio Grande do Sul.
É por aí que se explica”.
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