domingo, 2 de dezembro de 2012
O enriquecimento meteórico do chefe da quadrilha que tinha seu QG dentro do gabinete do Lula
Um salário de R$ 6,9 mil mensais como analista da Controladoria Geral da República (CGU), órgão de combate à corrupção vinculado à Presidência da República, e um patrimônio de R$ 135 mil (dos quais R$ 39 mil ainda precisavam ser pagos) era o que tinha o baiano Paulo Rodrigues Vieira em 2004, quando se candidatou a vereador de Gavião Peixoto, município de quatro mil habitantes, em São Paulo. Na época, reforçar os vínculos com o PT, partido ao qual se filiou no ano anterior, parecia-lhe mais interessante do que passar os quatro anos seguintes cuidando da pequena cidade; não à toa, Paulo Vieira obteve apenas 55 votos. Tinha, na época, 31 anos de idade. Era uma época em que ele era destacado para inspecionar, em nome do governo brasileiro, a gestão da Companhia Docas de São Paulo (Codesp), vinculada ao Ministério dos Transportes. Era também encarregado de procurar desvios éticos, como assessor especial de controle interno do Ministério da Educação. Ele discutiu, em seminário, a importância da atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) no setor portuário. E até representou o país em congresso internacional de ouvidores, no Canadá. “Eu vou escrever minha tese de mestrado de Filosofia sobre esse caso do Demóstenes. Tava pensando aqui, vou discutir essa questão do conceito de ética, como é que a sociedade tá (sic) enfrentando isso no momento contemporâneo. Esse caso dele é simbólico demais, parece que ele criou uma dupla personalidade, né?”, comentou Vieira com o irmão Rubens, em ligação interceptação telefônica interceptada pela PF em maio deste ano, citando o caso do senador de Goiás que era conhecido como defensor da ética e foi cassado pelo Senado quando foi descoberta sua relação com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Pois quando Paulo Vieira recebeu a visita de agentes da Polícia Federal destacados para prendê-lo, há nove dias, foi como se a incoerência na história de Demóstenes se repetisse em novo contexto. Na busca pelos desvios do poder, os agentes acreditam que ele encontrou caminhos que lhe permitiram alcançar um patrimônio bem diferente do que tinha em 2004, incompatível com os órgãos que viria a assumir nos anos seguintes, como a Ouvidoria da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e a diretoria da Agência Nacional das Águas (ANA). O carro que dirige nos dias de hoje não é mais o Renault Scenic de R$ 35 mil que declarou à Justiça eleitoral à época, mas uma caminhonete Range Rover, avaliada em R$ 300 mil, registrada em nome da faculdade que ele abriu em Cruzeiro, no interior de São Paulo, que dentro de pouco tempo seria expandida para Pindamonhangaba (SP). Ao apartamento de R$ 70 mil no Butatã, em São Paulo, o único que ele possuía em 2004, somaram-se pelo menos outros sete imóveis, de acordo com a PF. Entre eles está um imóvel em Brasília comprado por R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo; um apartamento em Perdizes, na Zona Oeste de São Paulo, adquirido por R$ 515 mil; e um flat nos Jardins, área mais cara da capital paulista. Em mensagem captada pela polícia, Vieira, que foi solto na noite da última sexta-feira, discutia a compra de terrenos por R$ 1,8 milhão e uma casa de R$ 650 mil, tudo na Bahia, seu estado de origem. A filial de uma escola de inglês em São José dos Campos, em São Paulo, estava em seus planos também. Se em 2004 ele tinha R$ 30 mil da cota de um consórcio imobiliário, agora a Polícia Federal encontrou em suas contas R$ 1,2 milhão. “Eu não pretendo ficar mais no serviço público não, viu?”, disse Paulo Vieira à mãe, em telefonema no início de maio captado pela investigação. “Pretendo não, ganho muito pouco!”, comentou, fazendo referência ao salário de R$ 23,8 mil como diretor da Agência Nacional das Águas (ANA) e ao jeton de R$ 2,7 mil pago pelo cargo na Codesp. “Para o meu padrão, para o meu patrimônio... eu já tenho um patrimônio bom que eu posso me manter”, disse Vieira. Segundo ele, a diversificação de negócios era o segredo para o sucesso. “Tudo dá uma coisinha, se trabalhar direito”, comentou com a mãe, mencionando o restaurante japonês que estava prestes a abrir e os planos de ser sócio em uma franquia dos correios. Para a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, Vieira ficou rico como cabeça de uma organização criminosa infiltrada em órgãos públicos para vender pareceres que interessavam a particulares. A relação de proximidade construída com uma funcionária do governo, em especial, caiu como luva para seus interesses de riqueza e influência no poder: a amiga Rosemary Noronha era mais do que chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo, mas uma figura próxima do então presidente Lula. Com a intermediação de Rose, apelido da então chefe do gabinete da Presidência em São Paulo, Vieira obteve seu cargo na ANA e também um posto para o irmão, Rubens Vieira, na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), entre outros favores. O canal com o poder lhe permitia agir em nome de seus interesses e de seus clientes em órgãos como Ministério da Educação, Advocacia-Geral da União, Secretaria dos Portos e Correios. Entre os beneficiários da ação de Vieira estão, segundo a Polícia Federal, os donos da Tecondi, empresa que atua na área do Porto de Santos, e o ex-senador Gilberto Miranda, que desejava regularizar seus negócios em ilhas. Em conversa com uma funcionária da Secretaria do Patrimônio da União em abril deste ano, Vieira chega a reclamar da maneira como era tratado e relembra sua origem humide. “Não vou ficar sendo babá de rico, não. Eu nunca fui, nasci pobre, toquei a minha vida inteira sozinho e não vou fazer mais”, desabafou, lembrando que naquela ocasião estava “cheio de rico” querendo paparicá-lo. “Mais ou menos não vai fazer diferença”, afirmou. Suas relações com o poder se estendiam ao Legislativo, em especial ao círculo de influência do ex-deputado federal Valdemar da Costa Neto (PR), flagrado ao telefone centenas de vezes com ele. A proximidade era tal que Vieira trabalhou até na definição das estratégias de defesa do parlamentar no julgamento do mensalão, concluído na última semana pelo Supremo Tribunal Federal. A três meses do julgamento, ele discutiu com o irmão Rubens detalhes da defesa de Valdemar, e se disse preocupado com o risco de condenação por lavagem de dinheiro. “Esse da lavagem me assustou, viu?”, disse ao irmão, que respondeu: “Esse tem que ser derrubado o crime, viu?”. “A prescrição dele é um século”, continuou Paulo, que planejava centrar o aconselhamento ao político na hipótese de prescrição dos crimes pelos quais responderia. A ajuda foi inócua. Valdemar foi condenado a sete anos e dez meses de prisão por lavagem e corrupção passiva.
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