Marcio Thomas Bastos, o mais onipresente personagem do Mensalão do PT, que tramita no Supremo Tribunal Federal, estreou como advogado neste caso na maior moita, no último dia 1º de setembro. E estreou preparando uma peça que pode causar o maior rebulico no processo do Mensalão do PT. Ele representa o banqueiro mineiro José Roberto Salgado, do BMG, e protocolou uma petição em seu favor (e também da grande maioria dos réus do processo), solicitando uma coisa bem simples: que o banqueiro e todos os réus, sem privilégio de cargo ou função pública, sejam processados no primeiro grau. Marcio Thomas Bastos apresentou uma questão de ordem, alegando inconstitucionalidade no julgamento do seu cliente (e da maioria dos réus) direto pelo Supremo Tribunal Federal. A inconstitucionalidade residiria no fato de que os réus, sem prerrogativa de cargo ou função, sendo julgados direto no Supremo, teriam suprimido o direito constitucional ao recurso para um tribunal de segundo grau. Diz a petição de Marcio Thomas Bastos: "À leitura dos presentes e incomparavelmente extensos - autos, empreendida para deles se inteirar, haja vista ter sido recentemente contratado para assumir o patrocínio da defesa do supracitado acusado, divisou o advogado signatário matéria que, por guardar natureza essencialmente constitucional, revestindo-se, ademais e por conseguinte, de transcendental relevo jurídico-processual, máxime no que concerne à prejudicialidade sobre o julgamento do mérito, impõe pronta e autônoma arguição.
1.1. Sobretudo, para que Vossa Excelência, no compasso do disposto no artigo 21, IH, do RISTF, submeta-a, antes daquele e como questão de ordem, ao colendo Plenário, poupando-se - e aos demais Ministros - do trabalho, por conta dela eventualmente desnecessário, a despeito de vultosamente árduo e arduamente vultoso, de analisar e julgar, no tocante ao ora peticionário e, eventualmente, também a muitos dos demais denunciados, o objeto material do processo e seu vastíssimo conteúdo. 2. Cuida-se, com efeito, da INCONSTITUCIONALIDADE da ampliação da competência por prerrogativa de função do STF para "processar e julgar, originariamente", quem não exerça, como o ora peticionário, nenhum dos cargos ou funções relacionados nas alíneas b e c do inciso I do artigo 102 da Constituição, precipuamente em face da inexistência da impreterível previsão normativa, necessariamente, quanto mais não fosse, explícita e de matriz constitucional e da decorrente supressão do direito fundamental - e, como tal, presentemente às expressas incorporado ao ordenamento jurídico pátrio - ao duplo grau de jurisdição. 3. Dadas a densidade e a espessura do tema e a correlatamente inafastável injunção de esquadrinhá-lo com o quanto possível de clareza, precisão e rigor técnico, cumpre fazê-lo ponto por ponto, a saber: 1. Prefacialmente: 1.1. Matéria não debatida no julgamento, pelo Plenário, da questão de ordem alusiva ao desmembramento do processo. Manutenção da unidade processual por razões de conveniência e oportunidade prática e sob a ótica, apenas, de preceitos infraconstitucionais. 1.2. Inocorrência, portanto, de preclusão relativamente à inconstitucionalidade da extensão da competência especial por prerrogativa de função ao processo e julgamento de quem não a titularize. 2. Ratio essendi, natureza e caráter da competência especial por prerrogativa de função instituída pelo art. 102, 11, b, da Constituição. Cancelamento do enunciado 394 da Súmula do STF.
3. Decorrente necessidade de norma constitucional expressa para a válida ampliação dessa competência especial. Declaração de inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do artigo 84 do CPP, acrescentados pela Lei nº 10.628/2002. 4. CPP - Conexão e continência: inidoneidade jurídiconormativa dos preceitos comuns que as definem e regulam para alargar competência de natureza constitucional e caráter excepcional, sobretudo no que tange ao processo e julgamento de quem seja estranho à sua ratio iuris. Inexistência, no tocante à especialíssima competência penal originária do STF por prerrogativa de função, de espaço para, à base da teoria das "competências implícitas complementares", estendê-Ia, por conexão ou continência, a quem não a detenha. 6. O enunciado nº 704 da Súmula do STF: nenhum dos precedentes que inspiraram sua edição versava sobre competência originária do STF e, por tanto, sobre julgamento em única instância. Decorrente impertinência à espécie. Máxime e definitivamente, ante sua incompatibilidade com o regramento constitucional da matéria: formalmente, pela imprescindibilidade, para dilatar a competência originária do STF, de norma expressa e de estatura constitucional; substancialmente, pelo antagonismo com a leitura constitucional determinante do cancelamento da Súmula 394 e, ademais, por suprimir direitos e garantias processuais fundamentais, notadamente o juiz natural e o duplo grau de jurisdição (artigo 8, nº 2, h, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica). 7. Pacto de São José. Status normativo quando menos "supralegal". Suficiência para tornar inaplicáveis, por conflitarem com a "garantia mínima", por ele estabelecida, de "recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior", os dispositivos infraconstitucionais (conexão e continência) determinantes do deslocamento da competência penal originária para o STF. A condição de fator determinante da derrogação implícita, pela Súmula Vinculante 25, de norma genuinamente constitucional (art. 5º, LXVIII, última parte: admissibilidade da prisão civil por depósito infiel), confere-lhe, todavia, força constitucional.
8. Plena compatibilidade inconstitucionalidade ora entre o reconhecimento da apontada e finalisticamente atrelada apenas à asseguração do direito fundamental ao juiz natural e ao duplo grau de jurisdição - e o aproveitamento de todos os atos processuais. Conclusão e pedido.
1.1. Matéria não debatida no julgamento da questão de ordem alusiva ao desmembramento do processo. Manutenção da unidade processual por razões de conveniência e oportunidade e sob o influxo, apenas, de institutos e preceitos infraconstitucionais". A petição é longa, com mais de 80 páginas, e ainda contém um também longo parecer constitucional. Marcio Thomas Bastos alega que, embora a questão do desmembramento do processo já tenha sido decidida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em questões de ordem, as mesmas decidiram com base no conceito de extensão da competência da Suprema Corte, a partir da interpretação das previsões do Código de Processo Penal. Ele sustenta, portanto, que esta decisão se baseou em legislação infraconstitucional. Por consequência, o tema não está precluso (encerrado), já que a questão constitucional dos direitos dos réus não foi discutida na questão de ordem pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em que este afirmou a sua competência com base na conexão. Se vingar a questão levantada pelo advogado Marcio Thomas Bastos, todos os réus seriam excluídos da Ação Penal nº 470, e seriam julgados por juízes de primeiro grau. Só permaneceriam sendo julgados no Supremo Tribunal Federal os réus João Paulo Cunha e Waldemar da Costa Neto, ambos deputados federais. E estes dois ainda levariam mais um prejuízo: não poderiam sequer renunciar aos seus mandatos para que fossem também julgados no primeiro grau. Recentemente, em caso de Rondonia, o Plenário do STF afirmou que era impossível driblar o seu julgamento por meio da renúncia (questão de ordem na Ação Penal 393). O tema terá, obrigatoriamente, que ir a Plenário, até porque essa foi uma decisão adotada pelo Presidente do Supremo, ministro Cesar Peluso, quando do julgamento dos agravos apresentados pelo advogado gaúcho Luiz Francisco Correa Barbosa, que defende Roberto Jefferson. Qual é o significado dessa iniciativa processual de Márcio Thomas Bastos a esta altura do processo do Mensalão do PT? Em primeiro lugar, Márcio Thomas Bastos era ministro da Justiça quando os fatos constantes do processo do Mensalão do PT foram denunciados. Como tal, ele era o chefe da Polícia Federal, que ficou incumbida de investigar os fatos. Ele declarou, durante o processo do Mensalão do PT, que recebera ordens formais do presidente Lula para investigar as denúncias de corrupção. Isso também foi confirmado por outra testemunha, Aldo Rebelo, na época também ministro de Lula. Só que Rebelo disse que a ordem de Lula tinha sido informal (ou seja, não escrita, não documentada). E agora surge Márcio Thomas Bastos como advogado no processo do Mensalão. Mas, como ele poderia atuar como advogado de uma parte ré no processo, se já foi antes autoridade responsável pela condução das investigações, e também testemunha no mesmo processo? Isso fere diretamente a Lei Federal que instituiu o Estatuto da Ordem dos Advogados. E aínda com outro agravante: Marcio Thomas Bastos foi presidente nacional da OAB. O que a OAB fará agora diante dessa agressão ao seu código de ética no mais momentoso processo crime da história do Brasil? Fundamentalmente, a petição de Mário Thomas Bastos procura abrir a porta para a salvação do ex-presidente Lula, no caso de uma eventual inclusão dele no rol dos réus do processo do Mensalão do PT. Isso é o que está sendo pedido, há anos, pelo advogado Luis Francisco Correa Barbosa, que defende Roberto Jefferson, e que ele voltou a reiterar nas alegações finais que ele apresentou em defesa de seu cliente. Mais, também o publicitário mineiro Marcos Valério também agora aderiu a esse pedido, incluindo em suas alegações finais de defesa a inclusão de Lula no rol dos réus do Mensalão do PT. O advogado de Jefferson, Luiz Francisco Correa Barbosa, incluiu junto com as alegações finais (bem suscintas, não mais do que 10 laudas) a cópia integral (seis volumes) do processo de improbidade administrativa ajuizado por procuradores da República em Brasília, no qual Lula é réu. E nesse processo está a íntegra do inquérito do escândalo do Mensalão do PT realizado pela Polícia Federal. Uma das razões apresentadas pelo relator do processo do Mensalão, ministro Joaquim Barbosa, no julgamento dos recursos de Luiz Francisco Correa Barbosa, foi que não podia acolher o pedido de inclusão de Lula na ação penal, como réu, porque não tinha como dispor de cópia do inquérito da Polícia Federal. Agora ele não precisará fazer esse esforço. Se for acolhida a petição de Marcos Thomas Bastos, o grande interessado oculto nessa história, Lula, estará protegido porque, se vier a se tornar réu no processo do Mensalão do PT, por não ser mais Presidente da República, seria processado no 1º grau da Justiça. E, um processo que começa lá no primeiro grau, especialmenente dessa importância, não transitaria em julgado em menos de 15 anos, com toda certeza. Lula, o grande beneficiário, ficaria protegido contra os efeitos da Lei da Ficha Limpa, e não correria risco de decretação de sua inelegibilidade. É o xadrez da Justiça brasileira em ação.
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