Prioridade da presidente Dilma, a eliminação da pobreza extrema pode ocorrer só estatisticamente se os beneficiários dos programas sociais não tiverem acesso a trabalho, educação, saúde e previdência social. A avaliação é de Evilásio Salvador, professor do programa de pós-graduação em política social da Universidade de Brasília. Salvador defende a tese de que o sistema tributário faz com que os pobres paguem mais pelos programas sociais direcionados a eles próprios, o que limita seus efeitos na diminuição da desigualdade. Ao assumir, Dilma anunciou a criação de plano de erradicação da pobreza, mas a meta e a abrangência ainda não foram definidas. Leia a seguir trechos da entrevista de Salvador.
Folha - O que podemos esperar do projeto do governo de eliminar a pobreza extrema em quatro anos? É possível?
Evilásio Salvador - Se considerarmos como pobreza extrema a linha de corte do Bolsa Família [renda per capita até R$ 70], sim. Ou ainda, focalizada para quem ganha menos de um quarto do salário mínimo.
A questão é que a política social não deve se limitar a transferir renda focalizada e com condicionalidades, sem a perspectiva de emancipação das pessoas da condição de pobreza absoluta, para a inserção no mercado e em uma vida autônoma.
Corre-se o risco de vermos uma eliminação estatística, mas não real, da pobreza?
Com certeza. Tudo depende da ótica que se analisa a questão. Se consideramos que aumentar a renda das pessoas de um quarto do salário mínimo para meio salário é suficiente para acabarmos com a pobreza extrema, teríamos resultado estático limitado a uma visão míope de economia e política social.
Que alternativa há para se definir miséria que não a renda?
Os indicadores tradicionalmente utilizados tendem a desconsiderar a questão distributiva, a distância que separa os ricos dos pobres. Os métodos estatísticos e as referências teóricas não são neutros. Revelam critérios, julgamento de valor e ideologia para legitimar determinado padrão de intervenção do Estado. Essa intervenção ocorre não para a superação da pobreza, mas com medida de produção de assistencialismo. Os indicadores de pobreza precisariam mensurar a evolução da redistribuição de renda, que passa pela desigualdade na estrutura do mercado de trabalho e pela elevada concentração de renda por duas óticas. A primeira, por meio da análise da distribuição funcional da renda, a elevada apropriação da renda pelos proprietários capitalistas. A segunda, o regressivo sistema tributário, que onera proporcionalmente os mais pobres e os trabalhadores. Por fim, pelo acesso a políticas universais, como educação e saúde.
Apesar de não ser o maior programa de transferência de renda no país, atribui-se ao Bolsa Família os maiores méritos. Até que ponto isso é verdade?
O Bolsa Família tem seu mérito. Mas ele não é a principal transferência de renda na área social. Os benefícios da seguridade social, como a Previdência Rural e o Benefício de Prestação Continuada, são responsáveis de tirar milhões da linha da pobreza. Mais de 75% dos benefícios da seguridade social equivalem ao salário mínimo, valor, portanto, bem superior ao Bolsa Família.
Segundo sua tese, os mais pobres bancam dois terços do que o governo gasta com programas que beneficiam eles próprios. Como isso se dá?
O principal sistema de proteção social no Brasil é o da seguridade social, que engloba programas, benefícios e serviços no âmbito das políticas de previdência, assistência e saúde. Os tributos que financiam a seguridade social incidem, em grande parte, sobre o faturamento e as receitas das empresas, que acabam repassando para o consumo. Com isso, 62% das fontes de financiamento da seguridade são tributos indiretos, que oneram os mais pobres, que são os beneficiários dos programas sociais. (FSP)
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