A presidente eleita Dilma Rousseff tem feito afirmações que “não se coadunam com a realidade política à sua volta nem com a idéia de continuidade do governo”, adverte o cientista político Amaury de Souza. Ela promete critérios rigorosos para indicar ministros, “mas sabe que chegou ao poder apoiada por uma ampla coalizão de partidos e interesses, que terá de atender". Trata-se de grupos formados, em sua maioria, “numa cultura de partilha de cargos”. Dilma também chegará ao Planalto cercada de lideranças derrotadas que terá de abrigar, de antigos amigos e auxiliares que pretende preservar. Tudo junto com uma base de apoio heterogênea, “que dificultará a formação de uma equipe unida, como pretende”. Por fim, dividirá espaço “com um PMDB que sabe a força que tem”. Ou seja, a tarefa é mais difícil do que as palavras sugerem. Amaury de Souza, cientista político sócio-diretor da Techne e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Idesp), em São Paulo, ressalta ainda que, na área de direitos humanos, Dilma diz que acha “bárbaro” o costume iraniano de apedrejar condenados até a morte, referência ao episódio da condenada Sakineh Ashtiani, mas ao mesmo tempo avisa que as relações entre governos as negociações comerciais podem ser preservadas. Ou seja, a indignação dela “parece apenas uma forma de bom-mocismo”. Amaury de Souza estranha, ainda, que a presidente eleita defenda a elaboração de novo critério de produtividade para definir a desapropriação de propriedades rurais. “Por que só para a agricultura?”, pergunta. “Por que não fazer o mesmo, então, para outros setores da economia? Para o próprio governo? Além disso, como avaliar áreas onde quem determina o resultado é o mercado?”
P - A presidente eleita Dilma Rousseff afirmou que escolherá ministros com base em competência técnica e histórico limpo. Vai conseguir?
R - Ela tem assumido compromissos públicos que não se coadunam com a noção de continuidade. E não falo apenas do critério de escolha de ministros, que seguia a regra dos acordos políticos, mas também sobre ajuste fiscal, agências reguladoras e outros temas.
P - Se ela se empenhar, terá chance de montar uma equipe assim?
R - Nesse caso ela não terá como manter muitos nomes do atual ministério. Teria de fazer uma mudança profunda, pois tem um enorme arco de aliados. Há casos já citados na mídia, como Antonio Palocci, José Eduardo Martins Cardozo, Fernando Pimentel. Ela sofrerá pressão para acomodar derrotados importantes nas eleições. E certamente quererá manter por perto o seu pessoal, gente que a acompanha há muito tempo. Um exemplo é Maria da Graça Foster, na área de energia.
P - Dilma disse também que “não vai se pautar pela partilha de cargos, mas pela construção de uma equipe una. Terá força para isso?
R - Existe aí mais um dilema. Para começar, ela estaria rejeitando o que tem sido uma longa tradição no País, e que o PT assimilou muito bem, que é o espírito de partilha de cargos. Se o PMDB tiver uma participação proporcional no governo, disporá de um poder muito grande. Não devemos nos iludir. As idéias, prioridades e modos de atuar do PT e do PMDB não se coadunam. Quanto à equipe unificada, o arco de partidos se traduz numa grande heterogeneidade. A coalizão em torno de sua candidatura é enorme.
P - A nova presidente parece mais rigorosa na avaliação do episódio de punição da iraniana Sakineh Ashtiani. Definiu como “bárbaro” o castigo de apedrejamento. Pode haver mudança nas relações Brasil-Irã?
R - Ela fez, de fato, uma condenação mais dura, o Lula não chegou a isso. Mas também deu a entender que, na prática, business is business, as relações comerciais não deveriam ser afetadas pela posição adotada em matéria de direitos humanos.
P - Ela promete ao MST um tratamento político duplo. Diz que não vai permitir abusos à lei, mas também não verá a luta agrária como um caso de polícia. Na prática o sr. espera mudanças?
R - Ela diz que em seu governo não acontecerá um novo ‘Eldorado de Carajás”, e que está a favor de uma revisão dos critérios de produtividade no campo, para definir áreas que podem ser desapropriadas. Cabe perguntar: por que só para a agricultura? Por que não fazer o mesmo, então, para outros setores da economia? Para o próprio governo? Além disso, como avaliar áreas onde quem determina o resultado é o mercado?”
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