Nelson Ascher
Mente Cativa (tradução de Dante Nery; Novo Século; 248 páginas; 39,90 reais), do polonês Czeslaw Milosz, prêmio Nobel de Literatura de 1980, é um dos livros indispensáveis do século XX. Disseca um tipo moderno de política – o totalitarismo – que pretende se sobrepor à vida individual, conquistando-a e ocupando-lhe todas as esferas. O livro pertence à estirpe de 1984, de George Orwell, e O Zero e o Infinito, de Arthur Koestler. Mas, ao contrário destes, é uma obra de não ficção. E Milosz, ao contrário dos outros dois autores, viveu mesmo sob um sistema totalitário – a Polônia comunista. Considerado por muitos o melhor poeta polonês moderno, Milosz, em seus 93 anos de vida (morreu em 2004), foi testemunha dos horrores do século passado. Nascido em território que hoje pertence à Lituânia, então parte do império russo dos czares, ele começou a escrever na época do renascimento nacional da Polônia, que estivera desde o fim do século XVIII sob ocupação estrangeira. Foi a invasão alemã de seu país em 1939 que levou sua poe-sia a amadurecer, conforme buscava uma forma capaz de incorporar as tragédias de sua era. Vendo, de início, a chegada das tropas soviéticas como uma libertação, ele se aliou ao regime comunista, trabalhando como diplomata. Incapaz, porém, de se calar diante de tudo o que havia presenciado, em 1951 o poeta pediu asilo na França. Livre, enfim, para dizer o que queria, pôs-se imediatamente a redigir o livro que o tornaria famoso no estrangeiro, Mente Cativa. A obra foi atacada tanto pela esquerda, que via o autor como um traidor, quanto pela direita, que o acusava de tentar entender o comunismo em vez de apenas estigmatizá-lo. Mente Cativa compõe-se de uma série de ensaios encadeados nos quais Milosz analisa o que leva intelectuais a abrir mão da liberdade para se render a um regime que pensa por eles. O autor estuda o caso de quatro escritores que conhecera – e que acabaram se tornando servos voluntários da ditadura absoluta. Escrevendo antes da morte de Stalin, ele fala do totalitarismo ainda em seu esplendor, antes que o contraste entre as promessas megalomaníacas do governo e a miséria cotidiana de seus prisioneiros tivesse reduzido o bloco soviético a uma farsa habitada por cínicos profissionais. Se isso poderia aparentemente tornar obsoleta a obra, o fato é que, em dias como os nossos, nos quais intelectuais defendem acordos com teocracias islâmicas e tentam impor a unanimidade de uma pretensa linha justa, sua análise da atração que estes sentem pelas piores tiranias continua atual e necessária.
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