O juiz Rinaldo Kennedy Silva, da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal, de Belo Horizonte, assinou no dia 18 de abril de 2018 a sentença condenando a prefeitura da capital mineira, o ex-prefeito petista Fernando Pimentel (atual governador do Estado) e a empresa Vital Engenharia, da empreiteira propineira Queiroz Galvão, a anulação da licitação e do contrato para coleta, transporte e destinação final do lixo de Belo Horizonte. A decisão foi proferida em ação popular movida pelo administrador de empresas Enio Noronha Raffin, ajuizada lá no ano de 2007 (ou seja, 11 anos atrás). .
Leia a íntegra da sentença a seguir:
Processo:0024.08.151.440-8
Requerente: Ênio Noronha Raffin
Requeridos: Município de Belo Horizonte e outros
Ação Popular
2ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Municipal
Ênio Noronha Raffin ajuizou Ação Popular contra o Município de Belo Horizonte e o Prefeito de Belo Horizonte, o Secretário de Políticas Urbanas do Município de Belo Horizonte, e o Presidente da Comissão de Licitação da Secretaria Municipal de Políticas Urbanas do Município de Belo Horizonte e Vital Engenharia Ambiental S/A, do Grupo Queiroz Galvão.
Alegou que em agosto de 2007 adquiriu o edital da licitação pública – Processo de Credenciamento n° 001/2007, que tinha por objeto a “contratação de Parceria Público-Privada, na modalidade concessão administrativa, tendo por objeto a prestação de serviço público de disposição final em aterro sanitário e tratamento de resíduos sólidos provenientes da limpeza urbana do Município de Belo Horizonte.
Sustentou que ingressou com uma representação no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, onde apontou existirem fortes indícios de direcionamento da concorrência para beneficiar a contratação da empresa privada VITAL ENGENHARIA AMBIENTAL S/A, pertencente ao GRUPO QUEIROZ GALVÃO.
Aduziu que a referida representação foi autuada sob n° 739.342 e contribuiu para que o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, após uma auditoria técnica no Edital do Processo de Credenciamento n°001/2007, determinasse a suspensão da abertura do certame, que estava previsto para ocorrer me 03/10/2007.
Afirmou que após as supostas correções das irregularidades que maculavam o referido Edital, foi dada continuidade ao certame em questão, sendo publicado novamente o edital da concorrência.
Sustentou que ingressou mais uma vez com uma representação no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, onde apontou novas irregularidades que direcionavam a licitação para a empresa privada Vital Engenharia Ambiental S/A, pertencente ao Grupo Queiroz Galvão.
Aduziu que a Prefeitura de Belo Horizonte tomou conhecimento público dessa segunda representação e determinou nova suspensão do Edital.
Arguiu que foi publicado novo instrumento, Edital de Concorrência, e que novamente adquiriu o Edital de concorrência, e que identificou novas irregularidades e ingressou com uma terceira representação no Tribunal de Contas, apontando as ilegalidades e irregularidades que macularam o certame.
Aduziu que uma das proponentes do certame, Heleno & Fonseca Construtécnica S.A. Impetrou mandado de segurança, o qual culminou em nova suspensão da abertura da licitação em questão, e que a Prefeitura de Belo Horizonte, não interpôs recurso contra essa medida, e que todavia, o ente municipal, de alguma forma, teria suspendido os efeitos dessa decisão.
Sustentou que o Município de Belo Horizonte republicou o edital que foi suspenso e determinou a data de abertura das propostas, o que caracterizou a ilegalidade do ato administrativo.
Requereu que fosse declarado nulo o edital, e subsidiariamente, que fossem apuradas as responsabilidades, e subsequentemente condenados os requeridos, sem prejuízo de eventual devolução de numerário ao Erário de Belo Horizonte, além da apuração de responsabilidade criminal, e pugnou pela concessão de liminar e juntou documentos (fls. 02/308).
O pedido de liminar foi apreciado e indeferido (fls. 310/311).
O autor popular interpôs agravo de instrumento contra a decisão que indeferiu seu pedido de liminar (fls. 314/365).
Foi juntada cópia da decisão do relator do agravo que tramitou no Egrégio Tribunal de Justiça, que afirmou não vislumbrar a presença de fumus boni iuris e do periculum in mora para ensejar o deferimento da liminar, e que manteve o seu indeferimento e requisitou informações ao juízo (fls. 370/371), que prestou as informações (fl. 376).
O Presidente da Comissão de Licitação n°001/2007, o Secretário Municipal de Políticas Urbanas – SMURBE e o Prefeito Municipal de Belo Horizonte à época apresentaram contestação, onde apresentaram preliminar de inexistência de lesividade ao patrimônio público, assim como preliminar de ausência de interesse difuso a ser protegido, uma vez que entenderam que haveria ocorrido a utilização da ação popular para persecução de interesses individuais.
Sustentaram que várias empresas foram habilitadas e passaram à próxima fase da licitação, e que o Município de Belo Horizonte apenas procurou alternativas para a destinação final de seus resíduos sólidos.
Afirmaram que após a decisão do Tribunal de Contas do Estado, o Município impetrou Mandado de segurança com pedido liminar de suspensão da decisão, que foi deferida pelo Desembargador Fernando Bráulio.
Explanaram sobre a legalidade do ato administrativo e impugnaram os demais argumentos do autor popular (377/386).
O Município de Belo Horizonte apresentou contestação, onde também apresentou preliminar de inexistência de lesividade ao patrimônio público, assim como preliminar de ausência de interesse difuso a ser protegido, uma vez que entendeu que haveria ocorrido a utilização da ação popular para a persecução de interesses individuais.
Sustentou que o Município de Belo Horizonte apenas procurou alternativas para a destinação final de seus resíduos sólidos, e impugnou os demais argumentos do requerente e juntou documentos (fls. 394/440).
O autor popular apresentou impugnação às contestações, onde impugnou as matérias preliminares, e alegou que existiria lesão ao Erário, e que os requeridos não teriam contestado todos os argumentos apresentados na inicial.
Afirmou o objeto da licitação n° 001/2007 foi dirigido para que a vitoriosa fosse a empresa Vital Engenharia Ambiental, pertencente ao Grupo Queiroz Galvão, e que a lesividade ao Erário foi tratada pelo Tribunal de Contas.
Impugnou o argumento dos requeridos sobre a ausência de interesse difuso, reiterou as ilicitudes existentes no referido edital e juntou documentos (fls. 442/458).
O Ministério Público pugnou pela intimação das partes para a especificação de provas (fl. 460).
O autor popular afirmou que não pretendia produzir mais provas (fl. 464).
Foi facultada às partes a apresentação de memoriais (fl. 466) e foi juntada cópia do acórdão que deu provimento ao recurso e deferiu a liminar, e determinou a suspensão da contratação (fls. 468/481).
O Município de Belo Horizonte apresentou memoriais (fls. 482/488).
O Ministério Público requereu a citação da Empresa vencedora Vital Engenharia Ambiental, do Grupo Queiroz Galvão, uma vez que a possível decisão favorável ao requerente incidiria em sua esfera jurídica e econômica (fls. 494/495).
O requerimento do Ministério Público sobre a citação da empresa vencedora da licitação foi deferido (fl. 499).
Vital Engenharia Ambiental S/A apresentou contestação, e apresentou preliminar da perda do objeto, uma vez que tendo em vista que o objeto da presente ação era a anulação do certame licitatório, não haveria dúvida de que o encerramento da licitação implicava na perda do objeto da demanda.
Arguiu a inexistência de direito difuso a ser defendido pelo autor popular, e no mérito a legalidade quanto ao prazo concedido para a obtenção das licenças ambientais, e a legalidade dos demais atos administrativos (fls. 504/519).
Vital Engenharia Ambiental afirmou que não possuía mais provas a serem produzidas (fl. 522).
O Município de Belo Horizonte afirmou que o requerente ajuizou a ação pleiteando a anulação do edital da Concorrência Pública n°001/2007, e que todavia houve a homologação e a adjudicação do objeto à empresa que se sagrou vencedora, ocorrendo a perda do interesse de agir do requerente, devendo a ação ser extinta, sem resolução do seu mérito (fls. 523/524).
O Ministério Público apresentou parecer onde sustentou a necessidade de expedir carta com aviso de recebimento, na modalidade “mão própria”, para intimação do autor popular e para a regularização do mandato de seu advogado (fls. 546/548).
O Ministério Público apresentou novo parecer, onde afirmou a necessidade de se intimar o Município de Belo Horizonte para que informasse e esclarecesse se a empresa vencedora do processo licitatório vinha prestando os serviços objeto da licitação de forma regular, ininterrupta e a data que se iniciou essa prestação, considerando o provimento do Agravo de Instrumento, que determinou a suspensão do edital impugnado (fls. 555/560).
O Município de Belo Horizonte afirmou que antes da decisão publicada em 21/08/2009, que julgou o agravo de instrumento, o contrato já havia sido assinado e a ordem de início dos serviços datada em 24/11/2008, e que vinha sendo prestado o serviço ininterruptamente desde então (fl. 563).
Foi facultada às partes a apresentação de memoriais (fl. 565), e Vital Engenharia Ambiental S/A apresentou memoriais (fls. 566/574), assim como o Município de Belo Horizonte (fl. 575).
O julgamento foi convertido em diligência para que o Ministério Público apresentasse parecer final (fl. 577).
O Ministério Público apresentou parecer final, requerendo a procedência do pedido do autor popular (fls. 578/585).
O julgamento foi convertido em diligência para que o Tribunal de Contas do Estado prestasse informações se a representação 747024 foi julgada e em caso positivo, que fossem juntadas cópias do julgamento (fl. 590).
O Tribunal de Contas do Estado informou que a representação 747024 foi apreciada pelo Tribunal Pleno na data de 05/07/2017 e juntou cópia do acórdão e relatórios técnicos (fls. 593/660).
A empresa Vital Engenharia Ambiental se manifestou sobre os documentos juntados (fls. 661/664).
O Município de Belo Horizonte apresentou memoriais, onde apresentou memoriais (fls. 665/679), e o Ministério Público se manifestou sobre os documentos juntados aos autos (fls. 680/680v).
Foi juntado parecer do Ministério Público de contas sobre a Representação n° 747024 (fls. 684/688).
Relatei.
Decido.
Trata-se de Ação Popular com pedido de liminar proposta por Ênio Noronha Raffin contra o Município de Belo Horizonte, o Prefeito de Belo Horizonte, o Secretário de Políticas Urbanas do Município de Belo Horizonte, e o Presidente da Comissão de Licitação da Secretaria Municipal de Políticas Urbanas do Município de Belo Horizonte.
Discute-se nos autos a nulidade do edital em 001/2007, e subsidiariamente, há pedido no sentido de que fossem apuradas as responsabilidades e condenados os requeridos, sem prejuízo de eventual devolução do numerário ao Erário de Belo Horizonte, bem como a apuração de responsabilidade criminal dos requeridos.
Preliminar de inexistência de lesividade ao Patrimônio Público.
Os requeridos apontaram que ultrapassada a fase de habilitação no processo de licitação, constatou-se que somente uma empresa foi inabilitada do certame licitatório, e que assim, três empresas provaram ser idôneas para o cumprimento do objeto da questão administrativa em questão, não havendo que se falar em direcionamento da licitação.
Deixo de analisar a preliminar, uma vez que a lesividade ao erário se confunde com o mérito do pedido.
Preliminar de ausência de interesse difuso a ser protegido.
Os requeridos alegaram que o autor popular procurou promover sua própria imagem, e que inexiste interesse público de sua parte.
Sustentaram que os dois primeiros parágrafos do item I da petição inicial são dirigidos à propaganda da pessoa Ênio Raffin, que juntou seu próprio livro aos documentos da inicial.
Verifico que a licitação envolve interesse público, sendo interesse de todos os munícipes a coleta de lixo do Município de Belo Horizonte. Assim, o processo trata da anulação de edital que envolve o interesse de todos os munícipes, sendo patente o interesse difuso.
Rejeito a preliminar.
Preliminar de perda do objeto.
A empresa Vital Engenharia Ambiental S/A alegou que antes da decisão publicada em 21/08/2009, que julgou o agravo de instrumento n°1.0024.08.151440-8/001, o contrato já havia sido assinado e a ordem de início datada em 24/11/2008, quando ocorreu o início aos serviços, que vinham sendo prestados ininterruptamente desde então, o que caracterizaria perda do objeto, uma vez que o objeto da presente ação seria a anulação do certame licitatório, não havendo dúvidas de que o encerramento da licitação implicaria na perda do objeto da demanda.
Entretanto, da leitura das Notas Taquigráficas do julgamento no TCE da representação n°747024, que data de 14/05/08, alude à cientificação do Prefeito e do Secretário de Políticas Públicas sobre a obrigatoriedade da suspensão do certame, havendo a informação de que o procedimento licitatório já estaria suspenso por ter sido acatada a decisão judicial, podendo ser indevida a ordem de início datada em 24/11/2008.
O entendimento de que o pedido ficou prejudicado é superficial e vai de encontro à doutrina e à jurisprudência.
O Contrato administrativo oriundo de um certame viciado não pode deixar de recepcionar os vícios que lhe antecedem. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do TRF5. Vejamos:
“Orgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Publicação DJe 10/09/2010 Julgamento 10 de Agosto de 2010 Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. LICITAÇÃO. AÇÃO POPULAR. IMPUGNAÇÃO DE EDITAL. ILEGALIDADES. ADJUDICAÇÃO SUPERVENIENTE. EXECUÇÃO CONTRATUAL. PERDA DE OBJETO. NÃO-CARACTERIZAÇÃO.
1. Inicialmente, não se pode conhecer da violação ao art. 535 do CPC, pois as alegações que fundamentaram a pretensa ofensa são genéricas, sem discriminação dos pontos efetivamente omissos, contraditórios ou obscuros. Incide, no caso, a Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal, por analogia.
2. A ação popular voltou-se contra ilegalidades que viciavam o edital do certame, motivo pelo qual as supervenientes adjudicação e execução contratual não dão ensejo à perda de objeto - pois é evidente que, se o procedimento licitatório é eivado de nulidades de pleno direito desde seu início, a adjudicação e a posterior celebração do contrato também o são (art. 49, § 2º, da Lei n. 8.666/93).
3. Entendimento diverso equivaleria a dizer que a própria Administração Pública, mesmo tendo dado causa às ilegalidades, pode convalidar administrativamente o procedimento, afastando-se a possibilidade de controle de arbitrariedades pelo Judiciário (malversação do art. 5º, inc. XXXV, da Constituição da República vigente).
4. Em sentido idêntico, v. REsp 1.059.501/MG, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 10.9.2009.
5. Recurso especial não provido.”
Urge salientar que o pedido realizado na inicial perpassa a declaração de nulidade do edital, uma vez que o requerente pleiteou subsidiariamente que fossem apuradas as responsabilidades dos requeridos, sem prejuízo de eventual devolução de numerário ao erário do Município de Belo Horizonte, além da apuração de responsabilidade criminal dos envolvidos.
Rejeito a preliminar.
Mérito.
A Ação Popular é cabível contra toda ação ou omissão lesiva ao patrimônio público brasileiro. Além dos bens materiais estatais, cabível será a Ação Popular na proteção da moralidade administrativa, do meio ambiente e dos bens históricos e culturais.
Ela é cabível contra ato lesivo ao patrimônio público praticado por pessoas físicas, autoridades públicas, órgãos públicos, pessoas jurídicas de direito público ou privado.
Nos termos do artigo 2º, da Lei da Ação Popular, podem ser atacados judicialmente os atos lesivos ao patrimônio público nos casos de incompetência, vício de forma, ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos e desvio de finalidade.
O autor popular alegou que 24/07/2008, o Município de Belo Horizonte publicou o edital - SMURBE, n° 001/2007, objetivando a contratação de parceria público-privada, na modalidade concorrência, para a prestação de serviço de disposição final em aterro sanitário e tratamento de resíduos sólidos provenientes de limpeza urbana do Município de Belo Horizonte.
Ele afirmou que a concorrência estaria viciada, uma vez que estaria evidente seu direcionamento para a empresa Vital Engenharia Ambiental S/A, do Grupo Queiroz Galvão, que inclusive já prestava o mesmo serviço para a Prefeitura, através de contratação de emergência.
Esclareço que o cumprimento das exigências previstas no instrumento convocatório deve ser observado por todos aqueles interessados em participar do certame, sob pena de inabilitação.
Hely Lopes Meirelles, tratando da natureza vinculante dos editais, preleciona:
“A vinculação ao edital é princípio básico de toda licitação. Nem se compreenderia que a Administração fixasse no edital a forma e o modo de participação dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realização do julgamento se afastasse do estabelecido, ou admitisse documentação e propostas em desacordo com o solicitado. O edital é a lei interna da licitação, e, como tal, vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administração que o expediu (Direito Administrativo Brasileiro. 28 ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 410) (grifos).”
A licitação é um ato estritamente vinculado aos termos da lei e às previsões editalícias, e deve estar estritamente vinculada aos princípios da vinculação ao instrumento convocatório, da legalidade, da isonomia, da impessoalidade, da moralidade e da probidade administrativa, dentre outros.
No caso em análise, verifico que o Município de Belo Horizonte publicou edital de credenciamento, e o autor popular alegou que o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE/MG) apontou diversas irregularidades sobre esse edital de credenciamento (fls. 64/66 e 77/113).
Os referidos pareceres técnicos afirmaram as falhas que violaram o princípio da igualdade entre os licitantes, uma vez que Tribunal de Contas do Estado analisou todos os termos dos editais publicados, consignando inúmeras irregularidades, que se mantiveram no edital, segundo o Conselheiro Antônio Carlos Andrada. Vejamos:
“Logo após o recebimento da presente representação, chegou, às minhas mãos, cópia de novo edital publicado pela Prefeitura, alterando diversos itens do edital anterior (…). Ato contínuo, encaminhei os autos ao órgão técnico para análise do novo edital, tendo sido emitido o relatório técnico (…), o qual apontou diversas falhas que comprometem a regularidade da licitação.” (fls. 64/66).
O referido trecho do parecer emitido pelo Tribunal de Contas faz referência ao edital n°001/2007-SMURBE, publicado no dia 24/07/2008.
Sendo assim, o Município de Belo Horizonte teria editado cláusulas editalícias que atingiam e desnaturavam não só aspectos técnicos da prestação de serviço licitado, mas também, o direcionamento para o tipo de contratação, qual seja, uma parceria público-privada, chamando atenção para a alteração utilizada para a contratação, que passou de credenciamento para concorrência, sem qualquer fundamentação. Ainda verifico que o relatório dos técnicos do Tribunal de Contas do Estado, acostado às fls. 81/113, concluiu que:
“Os apontamentos aqui registrados permitem concluir que os estudos apresentados para a licitação não demonstram ser conscientes e suficientes para embasar uma contratação de interesse público relevante, envolvendo valores vultosos, longo prazo contratual e expressivo impacto ambiental. Além das inconsistências na própria elaboração do edital e anexos, a modelagem utilizada não atende aos requisitos necessários para contratação de uma parceria público privada, conforme previsto na legislação específica, principalmente no que concerne às diretrizes de eficiência no cumprimento das missões do Estado e no emprego dos recursos da sociedade, transparência dos procedimentos, repartição objetiva de riscos entre as partes e a sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas do projeto. Apesar de se tratar de contratação de serviço essencial, que atualmente está amparada por contrato emergencial (…) a alteração pontual dos itens editalícios não será suficiente para que a administração firme contrato que irá atender ao interesse público, uma vez que as falhas verificadas estão relacionadas com a modelagem da contratação proposta.”
O Ministério Público argumentou que não restou claro como o Município de Belo Horizonte deixou de suspender e paralisar o curso do referido certame, uma vez que teria sido determinado que tanto o Prefeito, quanto seu Secretário de Políticas Urbanas deveriam comprovar a suspensão de todo o certame, e que eles foram advertidos de que o não cumprimento dessa determinação importaria em aplicação de multa, havendo informações de que o processo licitatório estaria suspenso desde o acatamento da decisão judicial, conforme Notas Taquigráficas do julgamento no TCE da representação n°747024, com data de 14/05/08, acostadas à fls. 583/585, e que a assinatura do contrato em 24/11/2008 seria ilegal.
Em outro norte, verifico que a Representação n° 747024, que gerou o supracitado o parecer exarado pelo TCE, foi apreciada pelo Tribunal Pleno na Sessão do dia 05/07/2017, que concluiu pela ausência de irregularidades passíveis de danos ao Erário do Município de Belo Horizonte, bem como reconheceu a prejudicial de prescrição da pretensão punitiva para julgar extinto o processo, com resolução do mérito. Vejamos:
“(…) Verifico ainda, a ausência de indícios de irregularidades passíveis de dano ao erário, conforme relatório técnico a fl. 854/856 dos autos 747024.
Mesmo sentido, consta no parecer do Parquet a fl. 847/850, pela aplicação da prescrição do poder punitivo do tribunal de contas (…).” (fl. 596-v).
Esclareço que o TCE apenas reconheceu a prejudicial de prescrição da pretensão punitiva para julgar o mérito do processo n° 747024, em virtude da demora para a análise da referida representação, que foi autuada em 31/01/2008 e apreciada apenas em 05/07/2017, limitando-se a afirmar, em uma linha, que não havia irregularidades passíveis de dano ao erário.
O Parecer do Ministério Público de Contas, ao qual o Tribunal Pleno do TCE fez referência (fls. 685/688), se limitou a manifestar sobre a prescritibilidade do poder punitivo do TCE, não rebatendo, ponto a ponto, as irregularidades apontadas pelo próprio Tribunal de Contas nos relatórios da Representação n° 747024.
O Relatório Técnico também utilizado pelo Tribunal Pleno do TCE para fundamentar sua decisão (fls. 657/659), se limitou a fazer referência ao próprio Parecer do Ministério Público de Contas, e afirmou que o Relatório da Análise Formal de Contas, não apontou indícios de dano material ao erário (fls. 598/656).
Entretanto, o Relatório da Análise Formal de Contas, o qual, supostamente, não apontou indícios de dano material ao erário, alegou que o referido edital apresentou ausência de definição do prazo suficiente para apresentação da Licença Ambiental de Operação (fls. 603/610). Tal irregularidade ocorreu porque os itens XV.1 e XV.3 do edital do certame, ao preverem que a "Licença de Operação" fosse apresentada no exíguo prazo de 90 (noventa dias), a contar do resultado final da licitação, alijou da concorrência todos aqueles interessados que não dispunham do documento, em especial porque o prazo legal para sua obtenção, segundo o decreto n.º 44.844/2008, que fixou as normas de licenciamento ambiental no Estado de Minas Gerais, é de 6 (seis) a 12 (doze) meses.
Inúmeras outras irregularidades foram apontadas ao longo do mesmo Relatório da Análise Formal de Contas, tais como a ausência de motivação para a alteração da modalidade da licitação a ser utilizada na contratação da Parceria Público-Privada (fls. 610/614); a ausência de consulta pública (fls. 615/617); a ausência do valor considerado como valor da proposta, se foi apenas o referente ao aterramento dos serviços ou o valor de aterramento acrescido do custo do transporte (fls. 617/621); a inconsistência dos cálculos da tarifa e da quantidade aterrada entre o corpo do Edital e o Estudo de Viabilidade Econômico-Financeiro da Concessão e o Contrato (fls. 621/623); a utilização do aterro sanitário por outros Municípios e a contrapartida por parte do Município de Belo Horizonte (fls. 632/635); a ausência de repartição de riscos e reequilíbrio econômico-financeiro do contrato (fls. 636/637); a ausência de estimativa de custos operacionais sobre a destinação final dos resíduos (fls. 638/640); a ausência de determinação de critérios e procedimentos a serem adotados para a promoção da manutenção do mesmo local de disposição ao longo da concessão (fls. 641/644); o favorecimento da contratada com a não exclusividade de seu empreendimento à execução do escopo do contrato (fls. 653/655).
Essas irregularidades, ao contrário do que alegou o último Relatório Técnico do Tribunal de Constas do Estado de Minas Gerais que embasou o arquivamento do procedimento, caracterizaram o dano material ao erário, posto que a igualdade de condições a todos os concorrentes, permite a competitividade entre os interessados, e é imprescindível na licitação, e abarca os princípios da impessoalidade e moralidade, a serem observados de forma cogente pelo administrador público.
Sob esse prisma, não há dúvida de que o processo de licitação levado a efeito pela Prefeitura de Belo Horizonte implicou em discriminação injustificada dos interessados, e não por acaso a empresa Vital Engenharia Ambiental S/A, do Grupo Queiroz Galvão, que já prestava os serviços para o Município através de contratação emergencial, sagrou-se a vencedora do certame.
Ademais, o Relatório da Análise Formal de Contas ainda apresentou a seguinte conclusão:
“(…) Além de irregularidades pontuais, este Órgão Técnico verificou que os estudos apresentados para a licitação não demonstram ser consistentes e suficientes para embasar uma constatação de interesse público relevante, envolvendo valores vultuosos, longo prazo contratual e expressivo impacto ambiental.
Destaca-se que os estudos de viabilidade realizados para contratação na forma de credenciamento não podem ser aproveitados na íntegra para uma contratação que será feita na modalidade de concorrência.
Assim, entende-se que o certame deve continuar suspenso, sob pena de não serem atendidos os princípios da Ampla participação e competição no certame, podendo ocorrer inclusive direcionamento no mesmo, que pode ensejar um contrato que não atenda ao interesse público.” (fls. 655/656).
Com isso, entendo que as irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas no seu primeiro relatório técnico não foram sanadas ou esclarecidas pelos membros da Comissão Licitante e ou pelas Autoridades Municipais responsáveis por sua publicação, no último Parecer Técnico do TCE que embasou o arquivamento pelo Plenário do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, que reconheceu a prescrição da pretensão punitiva, motivo pelo qual, ao meu sentir, a declaração do referido Tribunal de que inexistem indícios de irregularidades passíveis de dano ao erário careceu de fundamentação, posto que foi fundamentado em um relatório que, por sua vez, foi fundamentado em outro relatório, o qual elencou inúmeras irregularidades e concluiu pela suspensão do certame. Essas irregularidades sugerem, de fato, o direcionamento do certame, e como prevê o artigo 4°, da lei n.º 4.717/65, em tais casos, a nulidade do certame é medida que se impõe:
“Art. 4º São também nulos os seguintes atos ou contratos, praticados ou celebrados por quaisquer das pessoas ou entidades referidas no art. 1º.
(…)
b) no edital de concorrência forem incluídas cláusulas ou condições, que comprometam o seu caráter competitivo;”
Inobstante, não desconheço a ordem do Tribunal de Contas que determinou a suspensão do certame ter sido suspensa pelo Desembargador Fernando Bráulio nos autos 1.0000.08.477460-3/000, em 28/06/2008 (fls. 297/298), e tal mandado de segurança foi declarado prejudicado em 09/07/2009, cuja decisão transitou em julgado em 15/07/2009, conforme consulta efetuada no Siscon.
No voto que determinou a suspensão do certame e da contratação, a Eminente Relatora Desembargadora Albergaria Costa foi clara no sentido de que o processo de licitação efetuado pela prefeitura implicou discriminação injustificada dos interessados, e que a empresa Vital Engenharia Ambiental já havia sido declarada vencedora do certame, o que demonstra que a liminar deferida suspendeu a contratação e eventual contrato firmado (fls. 468/481).
Na mencionada decisão, ela foi clara no sentido de que não haveria danos à coletividade, uma vez que o serviço poderia ser prestado em caráter emergencial, até que sanadas as irregularidades.
Desse modo, a anulação resultará, pois, de haver a constatação de ilegalidade, sendo ela imposta à Administração sempre que detectar-se vício que impeça os efeitos do ato praticado. Não se confere à Administração, como visto, mera faculdade ou qualquer poder para deliberar acerca da oportunidade e conveniência da anulação; a ela se impõe o dever de declarar nulo o ato praticado em desconformidade com a norma, desconstituindo, em seguida, os efeitos que então foram gerados.
Sendo assim, entendo que o edital SMURBE 001/2007 está manifestamente eivado de ilegalidades que não foram sanadas ou esclarecidas, restando incontroversa a desobediência da decisão unânime do Tribunal de Contas do Estado, que determinou que tanto o Prefeito, quanto seu Secretário de Políticas Urbanas comprovassem a suspensão de todo o certame, o que maculou os princípios basilares existentes no direito administrativo, dentre os quais, o princípio da obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos, uma vez que não há discricionariedade para escolher obedecer ou não uma decisão, fundamentando seu ato à posteriori. No tocante a esse princípio, vejamos a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“A motivação deve ser prévia ou contemporânea à expedição do ato. Em algumas hipóteses de atos vinculados, isto é, naqueles em que há aplicação quase automática da lei, por não existir campo para interferência de juízos subjetivos do administrador, a simples menção do fato e da regra de Direito aplicada pode ser suficiente, por estar implícita a motivação. Naqueloutros, todavia, em que existe discricionariedade administrativa ou em que a prática do ato vinculado depende de aturada apreciação e sopesamento dos fatos e das regras jurídicas em causa, é imprescindível motivação detalhada. [...]
[...] em se tratando de atos vinculados (nos quais, portanto, já está predefinida na lei, perante situação objetivamente identificável, a única providência qualificada como hábil e necessária para o atendimento do interesse público), o que mais importa é haver ocorrido o motivo perante o qual o comportamento era obrigatório, passando para segundo plano a questão da motivação.”
Ademais, esclareço que não há prejuízo da anulação do referido contrato administrativo aos Munícipes, que será enorme com a manutenção do ato ilegal, uma vez que o contrato foi firmado por extenso período.
Entendo ser necessária a apuração das responsabilidades e a consequente condenação do então Prefeito de Belo Horizonte, sr. Fernando Damata Pimentel; do Secretário de Políticas Urbanas do Município de Belo Horizonte, sr. Murilo de Campos Valadares; do Presidente da Comissão de Licitação da Secretaria Municipal de Políticas Urbanas do Município de Belo Horizonte, sr. Gustavo Alexandre Magalhães; e da Empresa Vital Engenharia Ambiental S/A – do Grupo Queiroz Galvão, ao pagamento de perdas e danos, que será apurada na fase de execução, com o valor a ser restituído aos cofres públicos, nos termos dos artigos 11 e 14 da lei 4.717/65.
Diante do exposto, julgo procedente o pedido da presente Ação Popular proposta por Ênio Noronha Raffin, e anulo a licitação SMURB-001/2007 e o contrato administrativo que foi firmado para a coleta de lixo do Município de Belo Horizonte com a empresa Vital Engenharia Ambiental S/A, do Grupo Queiroz Galvão - e condeno o ex-prefeito de Belo Horizonte, sr. Fernando Damata Pimentel; o ex-Secretário de Políticas Urbanas do Município de Belo Horizonte, sr. Murilo de Campos Valadares; o Presidente da Comissão de Licitação da Secretaria Municipal de Políticas Urbanas do Município de Belo Horizonte, sr. Gustavo Alexandre Magalhães; e a Empresa Vital Engenharia Ambiental S/A, do Grupo Queiroz Galvão, ao pagamento de perdas e danos, apurando-se, na fase de execução, o valor a ser restituído aos cofres públicos, nos termos dos artigos 11 e 14 da lei 4.717/65.
Nos termos do artigo 12 da lei 4717/65 c
Sentença sujeita à remessa necessária, nos termos do artigo 496, do Código de Processo Civil.
Decorrido o prazo para processamento dos recursos voluntários, remeter os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, com nossas homenagens.
A conduta dos responsáveis pelo descumprimento da liminar concedida pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais pode configurar o “crime em tese” de improbidade administrativa pelo descumprimento de decisão judicial.
Remeter cópias dos autos para o Ministério Público, para apuração dos fatos.
Publique-se. Registre-se.
Intimem-se. Cumpra-se.
Belo Horizonte, 18 de abril de 2018.
Rinaldo Kennedy Silva
Juiz de Direito
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