quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Tucano de MG quer modelo de financiamento de campanha que parece elaborado para salvar o PT

Texto de Marcos Pestana encerra um notável conjunto de aberrações; entre outras coisas, salva com dinheiro público aquele que o eleitor puniu com seu voto

Por Reinaldo Azevedo - Li um título no Estadão e logo fiquei curioso: “Projeto do PSDB prevê financiamento de campanha com recurso do Imposto de Renda”. Huuummm… Se a legenda que, no fim das contas, obteve o melhor resultado nas urnas em 2016 faz uma proposta sobre esse tema, cumpre ficar atento. Bem, logo de cara, li que o tal texto é de UM tucano, não DOS tucanos. Melhor assim. Até porque é de um absurdo tal que só não é sem-par porque se parece muito com o que queria o PT. Aliás, se fosse aprovado e já implementado em 2018, o principal beneficiário seria justamente o partido de Lula… Quem sabe o partido do candidato Lula! O texto é de autoria do deputado Marcus Pestana, de Minas Gerais. Ele é, até onde sei, um parlamentar sério. Mas o que propõe é uma aberração. E não porque beneficiaria o PT. A relação é invertida. Justamente por ser uma aberração, ele acabaria enchendo os cofres do partido que o eleitor quase baniu do País em 2016. Está tudo errado com o texto: concepção, desdobramento, leitura da realidade política. Vamos ver. Pestana já começa errando quando veta a doação de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. Ora, era o que estava na proposta do petista Henrique Fontana, lembram-se? Agora, é um tucano que está defendendo o financiamento exclusivamente público. E de onde sairia a grana? Do Imposto de Renda! Dois por cento do total anual da receita dessa tributação comporiam o FFD (Fundo de Financiamento da Democracia). Este se dividiria em FFD de Preferência Partidária e FFD Geral. Como dizia Paulo Francis, acho o nome “pseudo”, mas deixo pra outra hora. Arrecadar-se-iam, calcula-se, uns R$ 3 bilhões — no Orçamento deste ano, estão reservados R$ 816 milhões para os partidos. Tá…Nem que o doutor tivesse combinado a coisa com Lula, sairia tão ao gosto dos companheiros. Na sua engenhosidade, ele pretende que o contribuinte, já na declaração, tenha a chance de dizer o partido de sua preferência. Se o fizer, 70% daqueles 2% irão para o FFD de Preferência Partidária, e 30% para o FFD Geral. Se o declarante não especificar por quem bate seu coração, vai tudo para o geral. A coisa já começa a ficar com cara de “decifra-me ou te devoro”… Vai piorar. E como seria distribuída a grana do FFD Geral? Assim: 5% iriam para todos os partidos distribuídos fraternalmente, e 95% segundo o desempenho da sigla na disputa anterior para a Câmara. Que é isso, Pestana? Sabem quem tem a segunda bancada na Câmara? O PT. Se o tucano consegue emplacar a sua proposta, um dos maiores beneficiários será o PT, que foi esmagado pelo eleitor em 2016. Pestana quer encher de dinheiro as burras dos companheiros decadentes. Alguém dirá: “Ah, mas isso só será assim na parte do FFD Geral; há o FFD de Preferência Partidária”. Com a rede de sindicatos, ONGs e movimentos sociais que tem o petismo, adivinhem quem se daria bem também nesse caso. Mais: Pestana institui uma espécie de voto em lista a partir do Imposto de Renda. Estamos diante de um conjunto de aberrações como raramente vi. Oh, claro! O texto prevê que o financiamento público será a única fonte de recursos do partido… Depois de todas as outras, não é mesmo? Já afirmei aqui que proibir a doação de pessoa jurídica corresponde, por contraste, a oficializar o caixa dois. Mesmo que se institua o financiamento público, que, como se nota, pode ser apenas uma forma de fraudar a vontade do eleitor.
Moralismo barato
O moralismo é a manifestação viciosa da moral. É claro que uma proposta como essa é um efeito deletério da Lava Jato. Parte-se do princípio mentiroso de que é o financiamento privado que conduz à roubalheira. Empresas não estão proibidas de doar na esmagadora maioria das democracias. Pode ser a partidos; pode ser a um fundo, que, depois, doa a um partido, como se faz nos EUA. Se faltasse evidência maior do absurdo que encerra essa proposta, fiquemos com a seguinte síntese: o PT certamente assinaria embaixo. Era o que a legenda queria quando armava o golpe para ser o partido único. A sigla entrou numa decadência espetacular. Quem mais lucrou com isso, em 2016, foi o PSDB. E é no PSDB que brota aquela mesma tese defendida pelo partido que caiu em desgraça. O texto de Pestana é imprestável. E, confesso, fico curioso: como é que uma estrovenga como essa vem à luz? Lula, João Vaccari e Gilberto Carvalho não conseguiriam pensar em um plano de recuperação do PT melhor do que esse.

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