A Lei Orgânica na Magistratura proposta pelo então presidente do Supremo é dessas coisas típicas de país bananeiro; associações de magistrados deveriam refletir a respeito
Por Reinaldo Azevedo - Ai, ai… A Lei Orgânica da Magistratura (Lomam) que saiu da cabeça divinal de Ricardo Lewandowski, em 2015, é uma daquelas mágicas só possíveis em país bananeiro. Lewandowski é aquele ministro do Supremo que foi a um evento de juízes em Porto Seguro e declarou, como se fosse membro da CUT de toga, que magistrado não tem de ter medo de pedir aumento de salário… Bem, e ele, ora vejam, não tinha medo nenhum de… dar o aumento. Quem paga é o distinto público mesmo! Não por acaso, a Loman que ele deu à luz transforma um salário que, em 2015, era de R$ 31.542,16 em algo que passa longe do dobro. Trata-se da matemática, como num poema, dos “Cavalcantes” contra os cavalgados. A coisa está parada no Supremo. É de estarrecer. Já chego lá. A Comissão do Senado que estuda os supersalários pagos nos Três Poderes da República quer concluir o seu trabalho até o dia 25 de novembro. A relatora é Kátia Abreu (PMDB-TO); o presidente é Otto Alencar (PSD-AM), e o vice, o tucano Antonio Anastasia (MG). O grupo foi instituído pelo presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), e houve um movimento inicial, oriundo das áreas sindicais ligadas ao Judiciário para acusar a iniciativa de ser uma retaliação. É mesmo? Os supersalários, não importa o pretexto, são inconstitucionais. O Inciso XI do Artigo 37 da Constituição é explícito:
“A remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos”.
Atenção! Não há leitura possível que possibilite, pois, a qualquer servidor, receber, em valores atuais, mais do que R$ 33,7 mil. E, como se sabe, contam-se aos milhares os que ganham muito mais do que isso. Mas voltemos à Lomam. Na maravilha parida sob os auspícios de Lewandowski, o corporativismo faz com que R$ 31 mil se transformem em R$ 77 mil antes que você tenha tempo, leitor, de trocar a alcatra pelo coxão-duro. Quer saber como? Preste atenção!
– Salário : R$ 31.542,16;
– mais R$ 1.577,10 a cada cinco anos de magistratura;
– mais R$ 1.577,10 de auxílio-transporte;
– mais R$ 1.577,10 de auxílio-alimentação;
– mais R$ 6.308,43 de auxílio-moradia;
– mais R$ 3.154,21 de auxílio-plano de saúde.
Pronto, já estamos em R$ 45.736,10. Mas dá para avançar bastante. Se o magistrado tiver um filho, vai receber mais R$ 1.577,10 de auxílio-creche e outros R$ 1.577,10 para o plano de saúde para o dependente. Pronto! Chegou-se fácil a R$ 48.890.30. Na hipótese de um segundo filho que estude em escola privada, mais R$ 1.577,10 para auxílio-educação e outro tanto para o plano de saúde. O valor já subiu para R$ 52.044,40. Convenham, não estamos aqui a falar de situações de exceção, certo? Mas que tal pagar mais R$ 1.577,10 para o caso de o magistrado ter feito um curso de pós-graduação? O salário salta para R$ 53.621,50. Com título de mestre, vai a R$ 53.773,76; com doutorado, salta para R$ 61.505,08. Com esse currículo, pode ser que acumule alguma função administrativa no tribunal. Aí vê o contracheque engordar: R$ 72.019.13. Caso ele julgue mais processos no ano do que recebeu, deve-se premiar a sua produtividade com dois salários adicionais. Dividido esse valor por 12, chega-se a R$ 77.276,15. Se for um profissional operoso, que participe de mutirões, lá vão mais R$ 1.051,40 por dia de ação. Chegando ao topo da carreira, alcançando o tempo para se aposentar, mas decidindo ficar no trabalho, mais um adicional de R$ 1.577,10. Ah, sim: também existe o auxílio-capacitação, entre R$ 3.154,21 e R$ 6.308,43; há ainda o adicional para locais de difícil acesso (R$ 10.514,05) e a ajuda para mudança: até R$ 94.626,48, pagos numa única vez. Ah, sim: a Loman de Lewandowski prevê também que o juiz possa “vender” metade dos seus 60 dias de férias… Sim, são 60 dias! O CNJ, sob o comando do ministro, decidiu ainda que o magistrado não é obrigado a revelar o valor das palestras que confere. Agora entendi o que ele quis dizer naquele evento de caráter sindical, quando se comportou como líder da CUT. Aplaudo, sim, esse momento em que os senhores magistrados se mostram dispostos a passar a República a limpo. Certamente tal disposição não pode exclui o Poder Judiciário, não é mesmo? Ah, sim: eu sou favorável a que os juízes ganhem muito bem! Dentro daquilo que o Brasil pode pagar. E os que estiverem convictos de que seus talentos e dotes intelectuais merecem muito acima daquilo com que o povo tem condições de arcar, bem…, estes têm todo o direito de disputar o mercado privado de trabalho. É um direito, certo?
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