As coisas estão da pá virada, não é? Então Janot pretende que Léo Pinheiro guarde segredos sobre a bandidagem que tomou conta do Estado e é tratado como mocinho!
Por Reinaldo Azevedo - Ai, ai… Os tempos realmente não andam dos mais simples. Em Kakânia, o país imaginário de Musil no livro “O Homem Sem Qualidades”, “tomava-se um gênio por patife; nunca se tomava um patife por gênio”. E olhem que Kakânia respirava, assim, um certo ar de desalento, de lenta decadência, de desencanto “magro e severo”. Temos tido menos sorte no Brasil. Há muito tempo já, realizam-se por aqui as duas operações: gênios podem ser tratados como patifes, o que não deixa de ser raro porque raros são os gênios. Mas com que frequência a patifaria assume o ar da genialidade! Dei uma rápida passada pelas redes sociais e até por algumas páginas da Internet que se querem contra a impunidade. Jesus Cristo! Como a burrice e a ignorância são satisfeitas de si e sentenciosas! Eis que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, que decidiu pôr os pingos nos is, está sendo tratado como inimigo da investigação e da apuração da Lava-Jato. E a Rodrigo Janot, que pôs um ponto final à delação de Léo Pinheiro, sem nem dizer por quê, dispensa-se o tratamento de herói. Mais: os petralhas e os “burralhas”, que não sabem ler, dizem que estou criticando a apuração de VEJA. Em primeiro lugar, se e quando acho o caso, critico. Em segundo lugar, eu nem entrei no mérito. Aliás, repudio essa mania de sempre se querer saber quais são as fontes das reportagens da revista, que reiterou a sua apuração. Mais ainda: já escrevi umas 800 vezes que a imprensa não é guardiã de sigilo ou confidencialidade. Meu ponto é outro. Aqui e ali, tenta-se sugerir que a decisão de Janot de sepultar a delação de Léo Pinheiro seria um jogo de acomodação com o Poder Judiciário, “agora que apareceu o nome de um ministro do Supremo”. Bem, terei de dizer assim: uma ova! Mais: acusa-se Mendes de ter tido uma reação corporativista, de defesa de um ministro que lhe é próximo. Bem, então testemos as hipóteses. Ora, fosse assim, por que o suposto “corporativista” Mendes estaria criticando com dureza inédita o ponto final à delação de Léo Pinheiro? Se o empreiteiro sabe de alguma coisa que compromete o seu amigo e sendo um corporativista, parece que o razoável seria fazer o contrário ou calar-se, não é? Insisto no ponto: quem está cobrando que se criem as condições para que Léo Pinheiro conte tudo é Mendes. Quem não quer mais saber o que ele tem a dizer é Janot. E é o primeiro a ser chamado de vilão? Ora, já vimos delatores mentindo abertamente; outros mudaram completamente a versão. Nem por isso se tomou a atitude drástica de agora. E não deve ser para preservar Toffoli, não é mesmo? Ou será que Mendes cobra com tamanha dureza que a delação continue porque sabe que ela implodiria o STF? Deveria haver um limite para o ridículo. Mas, pelo visto, não há. A fala de Janot nesta terça-feira foi a pior possível. Ao afirmar que ele não está procurando proteger ninguém, sobrou a suspeita de que poderia estar se referindo ao ministro Dias Toffoli. É o tipo de afirmação que deixa rastro de suspeita. Ora, é claro que não! O ministro certamente não quer coisa distinta do que quer seu parceiro de tribunal: que a delação seja mantida. Mendes é contra o fim da delação. Toffoli é contra o fim da delação. Por que Janot é a favor? A quem interessa que os segredos de Léo Pinheiro morram com ele? Como lembra VEJA.com, “a revista informou que a proposta de delação da qual faz parte o anexo sobre Dias Toffoli fora ‘apresentada recentemente à Procuradoria Geral da República’ e ainda não fora aprovada ou formalizada. Estava em negociação.” Janot saiu-se com o truque retórico: diz que tal anexo nunca entrou na Procuradoria. Mas esperem: ELE PUNIU LÉO PINHEIRO PELO VAZAMENTO DE UM ANEXO QUE NÃO EXISTE? Eu não quero saber a fonte da revista. Eu acho que cabe aos entes competentes investigar o vazamento. Mas eu quero, sim, a delação de Léo Pinheiro, ora essa! Doa a quem doer. Quem tem de explicar por que não quer mais é Rodrigo Janot.
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