quarta-feira, 6 de abril de 2016

Movimento Brasil Livre pede o impeachment de Marco Aurélio. Faz muito bem!

Que Renan Calheiros ouça o próprio ministro, então, e mande já instalar a comissão, ora essa! O homem passou dos limites e fere dispositivos da Lei 1.079, que o expõem, sim, ao impedimento

Por Reinaldo Azevedo - O Movimento Brasil Livre decidiu entrar nesta quarta-feira com um pedido de impeachment de Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo. Faz muito bem! Acho mesmo que é o caso. Como já escrevi aqui, é evidente que o ministro foi além de seus limites numa série de atitudes, todas elas incompatíveis com o cargo. Vamos ver: o Inciso II do Artigo 52 da Constituição define que cabe ao Senado “processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade”. Assim, a denúncia tem de ser feita ao Senado. E quais são os crimes de responsabilidade de um ministro do Supremo? Eles estão definidos no Artigo 39 da Lei 1.079 — aquela do impeachment —, a saber:
Art. 39. São crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal:
1- alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal;
2 – proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;
3 – exercer atividade político-partidária;
4 – ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo;
5 – proceder de modo incompatível com a honra, a dignidade e o decoro de suas funções.
Mas Marco Aurélio fez uma ou mais dessas coisas? Bem, a meu ver, duas, e o pedido de impeachment é plenamente justificado. Mais: se Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, seguir as regras defendidas pelo próprio Marco Aurélio, só lhe cabe aceitar de pronto a denúncia e mandar instalar uma comissão. Vamos lembrar: contrariando o Regimento Interno da Câmara e clara jurisprudência do Supremo, Marco Aurélio concedeu uma liminar determinando que a Presidência da Câmara instale uma comissão para avaliar uma denúncia com vistas ao impeachment de Michel Temer, vice-presidente da República. Eduardo Cunha (PMDB-RJ) havia negado tal denúncia, apresentada por um advogado mineiro. Este entrou com um mandado de segurança no Supremo, de que Marco Aurélio foi relator. O ministro concedeu uma liminar, atropelando regimento e jurisprudência. Imaginem só: Cunha já negou 39 pedidos de impeachment contra Dilma. E há mais oito pendentes. E se todos decidirem recorrer? Mas essa é só questão, vá lá, que evidencia o absurdo da coisa. O que resta claro é que o ministro está ignorando, de maneira deliberada, diplomas legais — incluo aí a jurisprudência — que o impedem de conceder a liminar. É inquestionável que os itens 4 e 5 do Artigo 39 da Lei 1.079 estão sendo feridos. Marco Aurélio está sendo “patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo” — vale dizer: está investindo na confusão, no confronto, na balbúrdia — e está procedendo “de modo incompatível com a honra, a dignidade e o decoro de suas funções”. E que se note: tal atitude — e a lei está aí justamente para coibi-lo — vem na esteira de uma sequência de provocações que só têm contribuído para tornar mais tenso um ambiente que já anda bastante carregado. Marco Aurélio concedeu entrevistas em que, abertamente, contesta aqueles que apontam que a presidente Dilma cometeu crime de responsabilidade — ele pode ter essa opinião, mas que a reserve para os autos — e acusa, de forma genérica, sem identificar os alvos, a existência de autores que estariam mancomunados numa espécie de complô contra a presidente. Foi além do ridículo. E do aceitável também. Pior: no caso em questão, Marco Aurélio milita contra aquela que tem sido a sua linha mais constante de intervenções e votos no Supremo: a não interferência de um Poder em outro. O homem decidiu, no entanto, ser um “intervencionista” só nesses dias de impeachment. Eu jamais me esquecerei de que ele esteve entre aqueles que, em nome da independência dos Poderes, afirmaram que cabia a Lula decidir se o terrorista Cesare Battisti ficaria ou não no Brasil, embora o próprio Supremo tenha considerado o refúgio ilegal. E o que argumentou o doutor? Que a Corte não poderia cassar uma prerrogativa do presidente da República, independentemente da legalidade ou não do refúgio porque, afinal, decidir era sua (de Lula) competência indeclinável. A liminar concedida determinando a instalação da comissão para avaliar o impeachment de Temer, portanto, além do absurdo em si, caracteriza-se por ser parte de uma ação que parece consciente e que conduz à desídia, não ao entendimento. E isso tem como corolário a quebra do decoro.
Para encerrar
Quando se diz que, nas democracias, há a tripartição do poder em Poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário — e que estes devem ser independentes e harmônicos, quer-se dizer que nenhum deles será soberano. Ou democracia não há. O fato de o Judiciário ser, no mais das vezes, a última palavra não lhe confere a prerrogativa de ser arbitrário nem a seus membros a licença especial para fazer política com a toga nos ombros. Por isso, o Poder Legislativo, por meio do Senado, pode, sim, impichar um ministro do Supremo. É claro que é difícil. Ninguém é ingênuo. É, sim, pouco provável. É quase certo que Renan vá jogar no lixo o voto de Marco Aurélio sobre a Câmara e recusar ele mesmo o pedido. Mas o MBL cumpre uma função importantíssima para a política, para a cidadania e para a sociedade do esclarecimento: põe o dedo na ferida. A atuação deletéria do ministro Marco Aurélio, neste momento, merece o devido registro histórico e o claro repúdio.

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