segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

A França vai à rua porque está cansada de carregar a suposta culpa da vítima. Ou: A culpa é dos terroristas, não da “direita”

A França tem 67 milhões de habitantes. Estima-se que 3,7 milhões — 5,5% da população — foram às ruas neste domingo para protestar contra os atos terroristas e em defesa da liberdade de expressão: é como se toda a Paris tivesse decidido marchar (2,2 milhões), com um acréscimo de 1,5 milhão… No Brasil, seria uma manifestação de 11 milhões — quase toda a cidade de São Paulo. Quarenta líderes mundiais estavam presentes e lideravam simbolicamente a marcha, que mal podia se mover. Nem a Paris de espaços tão amplos esperava por aquilo. De braços dados, caminharam François Hollande, presidente da França; Angela Merkel, a chanceler alemã; o primeiro ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e um de seus adversários no xadrez do Oriente Médio, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas. Em nova evidência — mais uma! — de que nunca esteve nem está à altura do cargo que ocupa, Barack Obama, o presidente dos Estados Unidos, se fez notar pela ausência.

A sociedade francesa dá, assim, um sinal de vigor na defesa de um dos valores essenciais da democracia: a liberdade de expressão. De vigor e de enfaro com a lógica do terror, que vai aos poucos sendo metabolizada e incorporada pela intelectualidade ocidental. As evidências de estupidez estão em toda parte.

Querem um exemplo? Na Folha desta segunda-feira, e historiador Daniel Serwer, professor de Gerenciamento de Conflitos na Escola de Relações Internacionais da Universidade Johns Hopkins, de Washington, concede uma entrevista sobre os atos terroristas na França. Afirma o seguinte, prestem atenção: “Os extremistas querem guerra. Para eles, se Marine Le Pen tiver mais votos, é ótimo, porque comprova a tese de que a França é tão ruim quanto eles pregam. Eles se alimentam da extrema direita. Também é mais fácil recrutar novos militantes com atentados de alto impacto — ainda que esses grupos não estejam tendo a menor dificuldade em recrutar novos radicais. Mas devemos nos perguntar o porquê disso”.

Serwer, que faz questão de deixar claro que é judeu — para que não pese, suponho, suspeita de que alimente alguma simpatia pelos extremistas islâmicos —, também acha, a exemplo do paquistanês Tariq Ali, que a culpa é das vítimas. Aplicando a sua fórmula ao conflito israelo-palestino, por exemplo, teríamos de chegar à conclusão de que o terrorismo do Hamas só existe por causa da direita israelense, e não porque os terroristas não aceitam, afinal, a existência do estado judaico. Se o partido de Marine Le Pen for esmagado nas urnas, o terror sai enfraquecido? Ora… O atentado acontece na França num momento em que a esquerda está no poder.

A verdade insofismável é que a França e a Europa como um todo têm tolerado, em nome da diversidade e dos valores do multiculturalismo, a intolerância das comunidades muçulmanas, que têm a ambição de viver segundo valores que desafiam as regras da democracia. Na entrevista, Serwer investe num mantra que tem servido para tentar “compreender” os atos terroristas: os muçulmanos na França, quase na sua totalidade de origem árabe, não gozariam dos mesmos benefícios dos cidadãos franceses.

É verdade! Mas será assim porque o país é relapso — não é!!! — ou porque a religião dessas comunidades se mostra incompatível com os valores de uma sociedade democrática e leiga? Bingo! Os imigrantes e seus descendentes custam os tubos ao estado de bem-estar social francês. E nunca será demais destacar que os únicos árabes que vivem sob um regime de liberdades públicas plenas ou estão em democracias ocidentais ou, vejam que coisa!, em Israel.

Quase quatro milhões de franceses foram às ruas porque estão cansados de carregar a suposta culpa das vítimas. Por Reinaldo Azevedo

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