sexta-feira, 18 de outubro de 2013

NO PAÍS DO PCC, DO COMANDO VERMELHO E DOS 50 MIL HOMICÍDIOS POR ANO, TENHAM MAIS CUIDADO COM O JUSTO MEDO DA POPULAÇÃO, SENHORES JUÍZES!

A Justiça de São Paulo, por intermédio do desembargador Ivan Marques, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ), negou o recurso que garantia a decretação imediata da prisão preventiva de 175 pessoas denunciadas pelo Ministério Público como membros do PCC. Até que a questão possa ser examinada de novo, podem se passar alguns meses. Nas redes sociais, a Justiça está levando muitas bordoadas. As associações de juízes, todas de caráter sindical, reagiram. Já volto ao ponto. Antes, algumas considerações.

Pode haver gente que repudie tanto quanto repudio a ação populista de juízes; mais do que eu, acho difícil. Nestes dois últimos dias, por exemplo, afirmei que a tentação de ceder ao clamor não exatamente das ruas, mas de minorias organizadas, havia chegado ao STF. Censurei duramente o ministro Luiz Fux por ter concedido uma liminar contra a suspensão do pagamento de professores grevistas da rede estadual do Rio. Também lamentei que uma juíza tivesse declarado sem efeito a sessão da Câmara de Vereadores que aprovou o plano de carreira dos docentes cariocas — liminar já cassada. Reagi com estupefação ao meritíssimo que negou liminar de reintegração de posse da Reitoria da USP, invadida a marretadas por vândalos disfarçados de alunos. Estudante usa caneta. Para escrever, não para furar o olho da legalidade democrática.
São apenas três exemplos de uma série de decisões polêmicas, que me parecem tendentes a ajustar as leis ao berreiro da militância. E, ainda que isso me faça um conservador empedernido (que bom!), acho que, na democracia, o berreiro militante é que tem de se ajustar à lei — se não for boa, que se organizem para mudá-la. Muito bem! Dito isso, faço agora uma distinção fundamental: uma coisa é juiz ceder a pressões, o que não deve fazer; outra, muito distinta, é achar que as pressões, exercidas nos marcos do regime democrático, são inaceitáveis. Aí não! Aí não dá! Aí os senhores juízes hão de me perdoar, mas preciso lhes fazer uma recomendação elementar: acostumem-se a viver numa democracia. Antes de voltar ao ponto inicial, uma segunda consideração que me parece relevante.
Confesso que tenho certa dificuldade de admitir que um juiz possa pertencer a um sindicato — ainda que esse ente venha na forma de uma associação. O Judiciário tem, na prática, a última palavra. Os meritíssimos têm de ancorar as suas decisões em códigos legais, mas sabemos o que pode a largueza interpretativa. Há sempre um quê de necessariamente discricionário no voto ou na decisão de um juiz, não é mesmo? O direito não é uma ciência exata. Quando um juiz integra uma associação, isso me causa um incômodo intelectual, ainda que possa entender seus motivos. Como pode ser um “coletivo” quem, por natureza, deve atender apenas ao apelo da própria consciência — sempre tendo as leis como guia? Mas as associações existem, estão por aí aos montes. Há até uma que se intitula “Juízes pela Democracia” — como se pudesse haver uma pela ditadura…
De volta ao PCC
Leio no Estadão:
“As reiteradas decisões do Judiciário de negar a decretação preventiva dos acusados flagrados na megainvestigação que durou três anos e meio e mapeou o crime organizado em São Paulo abriram uma crise entre os juízes e os promotores paulistas. Cerca de 200 juízes, de diversas comarcas do Estado, assinaram uma nota de apoio ao juiz Thomaz Correia Farqui, da 1ª Vara de Presidente Venceslau. Farqui foi o juiz que rejeitou o pedido de prisão. Após a publicação do caso, o juiz e seus familiares passaram a ser hostilizados nas redes sociais. Promotores de Justiça criticaram a decisão do magistrado.”
Pois bem. A Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) divulgaram notas de protesto em defesa do juiz. Também o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, se manifestou: “A AMB repudia quaisquer atitudes tendentes a causar clamor social para coagir ou constranger um magistrado no seu livre convencimento, com tentativas de desacreditar decisão judicial fundamentada e estritamente técnica, proferida no exercício da independência funcional do Magistrado”.
Pois é…
As notas de repúdio são dirigidas, num primeiro momento, ao Ministério Público Estadual. Alguns de seus membros expressaram inconformismo, mas sem muito alarde. O troço pegou fogo mesmo foi nas redes sociais. Há coisas que as pessoas comuns — as que acordam cedo todos os dias, trabalham, recolhem impostos e pretendem voltar em segurança para as suas respectivas casas — não entendem. Por que se recusa, por exemplo, uma operação de busca e apreensão na casa de alguém flagrado ao telefone operando para o partido do crime? Deve haver alguma razão técnica para isso. Mas sabemos que nessa ciência não exata do direito, pode haver “motivo técnico” tanto para uma coisa como o seu oposto. Assim, contra o crime organizado, entendo que o dever moral é tomar a decisão que proteja a sociedade. O caso dos embargos infringentes deixou isso tudo muito claro.
As manifestações dessa pletora de associações de juízes não se voltam apenas contra o inconformismo de promotores. Elas parecem querer esconjurar também os protestos das pessoas nas redes sociais. Ai não dá! Há 50 mil homicídios por ano no Brasil, senhores juízes. O crime dá mostras de que está sempre muitos passos à frente da polícia e da própria Justiça — que é, sim, lenta. É normal e, mais do que isso, desejável que os brasileiros manifestem o seu inconformismo.
Não endosso, é evidente, pressões e fulanização. Se o juiz foi hostilizado, é lamentável. Ocorre que a organização criminosa está aí, tentando ditar ordens para as autoridade e fazendo ameaças. Ainda que juízes não tenham sido eleitos pelo povo, também têm um caráter representativo, não é? Eles existem para que a gente não tenha de resolver tudo no braço.
Eu lamentei, por exemplo, profundamente o conteúdo do voto de Celso de Mello, decano do Supremo, no caso dos embargos infringentes. Mas aquela é a maneira como ele entende que deva ser exercido o aparato legal, e não há o que fazer a respeito. O que repudiei no seu voto foi menos o conteúdo do que o tom. Celso de Mello chamou de “pressão inaceitável” o que era nada além de direito democrático: discordar da decisão de um juiz. Nas democracias, decisões judiciais têm de ser cumpridas. Mas só as ditaduras proíbem que sejam debatidas. Ou por outra: no regime democrático, decisão judicial se cumpre e se discute.
Em vez de se perderem em bate-bocas infrutíferos, as associações de juízes poderiam ajudar a esclarecer onde exatamente está o defeito da denúncia dos promotores, que impede que se decrete a prisão preventiva dos que foram acusados de pertencer ao PCC. A investigação está malfeita? Houve algum erro formal incontornável? As evidências colhidas impedem que se aplique esse recurso? O mal de entidades de caráter sindical é que a “luta” sempre assume uma perspectiva corporativista, deixando de lado o principal. As evidências que vieram a público contra muitos denunciados parecem bastante fortes. Então não são? Isso tudo é coisa de leigos? Devemos entender de modo diferente aqueles diálogos ao telefone? Qual é o ponto? Não há mal nenhum no fato de a sociedade querer entender. Ou há?
Juiz não tem de ser satanizado, demonizado, fulanizado, pressionado, nada disso… Mas que os juízes sindicalistas tenham em mente que, na democracia, a expressão do inconformismo é só o exercício de um direito. Os meritíssimos são e devem ser livres para julgar. Mas o indivíduo, que paga a conta e em nome do qual eles exercem a sua função, não só pode como tem a obrigação de dizer o que pensa.
Descabido, nesse caso, é censurar uma população acuada por 50 mil homicídios por ano. Por Reinaldo Azevedo

Nenhum comentário: