Um esquema de
empresas de fachada, parte delas registrada no mesmo endereço e controlada por
um grupo de ex-funcionários do Ministério das Cidades, abocanha cada vez mais
contratos para construção de casas populares destinadas às faixas mais pobres
da população. No centro da história está a RCA Assessoria em Controle de Obras
e Serviços, empresa com sede em São Paulo e três sócios: Daniel Vital Nolasco,
ex-diretor de Produção Habitacional do Ministério das Cidades até 2008 e
filiado ao PCdoB; o ex-garçom do ministério, José Iran Alves dos Santos; e
Carlos Roberto de Luna. A RCA funciona em uma sede modesta, mas apresenta
números invejáveis para quem está no setor há tão pouco tempo. Alardeia atuar
em 24 estados e mil municípios, e garante que entregou 80 mil casas. Hoje,
estaria à frente da construção de 24 mil unidades. O faturamento milionário da
RCA virou alvo de disputa judicial, que expõe supostas conexões da empresa com
o PCdoB. Até a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra tem o nome citado. A
RCA dá consultoria a prefeituras e beneficiários, e atua como correspondente bancário
de sete pequenas instituições financeiras autorizadas a repassar verbas
federais nos programas de casas populares para cidades com menos de 50 mil
habitantes. Atuou no Programa Social de Habitação (PSH) e agora opera no seu
sucessor, o Minha Casa. Até aí, tudo dentro da normalidade. Mas a RCA faz mais:
consegue ao mesmo tempo ser representante do agente financeiro, tocar
construções e também medi-las e fiscalizá-las. Para isso, usa uma rede de
empresas que os sócios e os funcionários registraram em seus nomes e cujos
endereços ou são na sede da RCA, em São Paulo, ou na casa de parentes. O site
da empresa dava o exemplo de como a RCA frauda o processo de seleção de
construtoras que vão executar obras financiadas com recursos federais e
encomendadas por prefeituras. Para contratar uma construtora responsável pela
execução de obras no Espírito Santo, lançou um edital de convocação em dezembro
de 2012. O site convocou os interessados e dias depois divulgou os vencedores.
Duas foram selecionadas. Uma delas é a JB Lar. Tudo como manda o figurino. Não
fosse um detalhe: o endereço da JB Lar é o mesmo da RCA, a Avenida Brigadeiro
Luiz Antônio nº 4.553. A JB Lar foi habilitada para construção de 95 casas no
Espírito Santo. Na sexta-feira, a RCA tirou do ar o link “Editais” do seu site.
O esquema de empresas de fachada está narrado em uma ação na Justiça de São
Paulo. Nela, Fernando Lopes Borges — outro ex-servidor do Ministério das
Cidades, que seguiu na Secretaria Nacional de Programas Urbanos até ser
exonerado por abandono do cargo em 2010 — apresenta-se como sócio oculto da
RCA. Ele era representado no negócio pelo irmão Ivo, já falecido. E a disputa
pelo faturamento da empresa começou justamente após a morte de Ivo. Em um
acordo prejudicial, Fernando chegou a receber pouco mais de R$ 1 milhão da RCA.
Mas quer mais e briga na Justiça. Na ação, afirma, sem apresentar provas, que o
desvio de recursos do Minha Casa Minha Vida teria começado com Erenice Guerra.
Ela teria articulado a entrada de bancos privados na operação do programa em
pequenos municípios. Segundo o denunciante, teria direito a R$ 200,00 por casa
construída. Fernando sustenta na ação que o negócio chegaria a render R$ 12
milhões. Ele diz que o PCdoB desde 2005 receberia dinheiro desviado para a construção
de casas populares do Programa de Subsídio Habitacional (PSH), que foi
absorvido pelo Minha Casa Minha Vida. Fernando sustenta que a RCA está
envolvida em irregularidades nos programas federais do Ministério da Cidades,
mas não quis confirmar as denúncias contra Erenice e o PCdoB. No processo,
Fernando mostra uma troca de e-mails entre Carlos Luna, da RCA, e o escritório
Trajano & Silva, que foi fundado por Erenice. Eles tratam da retirada do
sócio Ivo e do valor que deveria ser pago a Fernando. O esquema incluiria a
construtora Souza e Lima Engenharia, que pertence ao ex-engenheiro e ao
ex-gerente-geral da própria RCA. Essa empresa fez casas no Maranhão para o
Minha Casa Minha Vida em contratos geridos pela RCA. Outra empresa de pessoas
próximas prestou o mesmo serviço. A Martins MA Engenharia — que hoje pertence
ao cunhado de Daniel Vital Nolasco — também construiu casa para a RCA. Na ação,
Fernando reclama a sociedade nas empresas de assessoria cadastral Artifício,
Setorial, Sigma e Marketplan. Todas seriam do grupo RCA. As três primeiras têm
Nolasco como sócio. José Iran é um dos donos da última. O grupo tem
participação em outras empresas. Carlos Luna e José Iran são donos da
Superdata. Luna é um dos sócios da LL Engenharia. Fernando relata no processo
que há contratos com a DJC/Naza Engenharia, que seria responsável pela
construção de oito mil casas. Essa empresa seria de Divaildo, irmão de Celma
Casado Silva. Ela foi exonerada em fevereiro deste ano da Secretaria de
Habitação do Ministério das Cidades. Segundo o órgão, ela foi exonerada a
pedido.
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