quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Ministério Público de Contas gaúcho pede auditoria especial no contrato de lixo da prefeitura de Porto Alegre

Durante os últimos meses Videversus vinha avisando que a situação da empresa Qualix, detentora do contrato de coleta de lixo em Porto Alegre, era absolutamente falimentar, em todo o País, e que a qualidade do serviço prestado na capital gaúcha estava abaixo da crítica. Pior do que isso, Videversus alertava que, desde o início do contrato para a execução deste serviço essencial, há três anos, vinham sendo cometidas sucessivas fraudes, com a conivência da alta administração municipal, gerando grandes prejuízos para os contribuintes de Porto Alegre. Pois agora o Ministério Público Especial de Contas do Tribunal de Contas do Estado confirma todas as denúncias de Videversus. A Procuradora-Geral substituta do Ministério Público de Contas,  Daniela Wendt Toniazzo, encaminhou representação ao presidente da Corte, conselheiro Cezar Miola, requerendo a instalação de uma auditoria especial no DMLU, para auditar todo o período de vigência do contrato da prefeitura de Porto Alegre com a empresa Qualix. Trata-se da Representação nº 0001/2011, com o seguinte teor: "O Ministério Público de Contas, por sua Agente firmatária, nos termos do disposto no artigo 25, inciso I, do Regimento Interno, respeitosamente se dirige a essa Douta Presidência para dizer e propor o que segue. I – Este Parquet examinou e encaminha, em anexo, a documentação que trata de contrato firmado entre o Executivo Municipal de Porto Alegre e a empresa Qualix Soluções Ambientais Ltda., tendo por objeto a prestação de serviços de coleta de resíduos sólidos, conforme Edital da Concorrência nº 001/2007, Processo Administrativo nº 001.001941.07.0. II – Após a divulgação de denúncias, por meio de matérias jornalísticas, sobre possíveis irregularidades na execução deste contrato, bem como, de indícios de fragilidade operacional e financeira da empresa, o MPC realizou pesquisa em sites do Poder Judiciário no âmbito dos Estados, a qual evidenciou um farto número de demandas judiciais movidas contra a empresa contratada, nas mais diversas áreas (trabalhistas, cíveis, ações de despejo, etc.), revelando possível instabilidade estrutural, havendo, inclusive, pedido de falência distribuído na 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Capital Paulista, em data de 07/07/2010. A propósito, sinaliza-se que uma das hipóteses de rescisão contratual imputáveis ao Contratado pela Administração Pública, nos termos do artigo 78, inciso IX, da Lei Federal nº 8.666/1993, é a falência. No mesmo sentido, notícias recentemente veiculadas informam a ruptura de contrato, com empresa e objeto idênticos, levado a efeito pela Prefeitura Municipal de Cuiabá/MT, em razão de descumprimento contratual. Mesma situação a ora em exame está sendo questionada pelo Ministério Público do Estado do Piauí. Com efeito, após a instauração de um Procedimento Preliminar Investigatório para apuração de irregularidade na execução de contrato administrativo efetuado entre o Município de Teresina e a empresa Qualix Serviços Ambientais Ltda., visando à realização de serviços de coleta de resíduos sólidos urbanos e outros serviços correlatos, o Parquet local, frente aos fatos, ajuizou Ação Cautelar Preparatória com pedido de liminar contra a Prefeitura da Capital e a referida empresa, requerendo a adoção de providências para o imediato recolhimento e remoção do lixo depositado em ruas e avenidas da cidade, no prazo de 48 horas. O “feito”, autuado sob o nº 211142010 em data de 14/09/2010, com trâmite na 2ª Vara da Fazenda Pública na Comarca de Teresina, teve apreciado o seu pedido liminar pelo Juiz Reinaldo Araújo Magalhães Dantas, que despachou nos seguintes termos: CONCEDO a medida liminar pleiteada para determinar aos requeridos, MUNICÍPIO DE TERESINA e a empresa QUALIX SERVIÇOS AMBIENTAIS LTDA que, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, adotem todas as providências necessárias para o imediato recolhimento e remoção do lixo depositado em ruas e avenidas, galerias, praças e logradouros, nesta Capital, sob pena de multa diária, que arbitro em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em caso de descumprimento desta medida liminar, até o teto máximo de            R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), sem prejuízo das sanções cíveis, penais e administrativas cabíveis. (Em 16/09/2010.) Também a notícia extraída do jornal Folha de São Paulo, edição de 13 de dezembro de 2010, evidencia o temerário estado financeiro da empresa: Receita vê fraude em empresa de lixo de SP - Qualix é multada por saques em dinheiro de R$ 29,8 mi sem justificativas - A empresa que cuida da varrição do lixo na zona sul de São Paulo, a Qualix, foi multada em R$ 59 milhões pela Receita Federal após um relatório apontar suspeita “de fraude, conluio e sonegação” em operações. Auditores acharam 69 saques em dinheiro, sem justificativa, que somam R$ 29,8 milhões entre 2004 e 2006. Nesse período a Qualix prestou serviços para Marta Suplicy (PT), José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (DEM). A Receita diz que há notas frias de empresas de fachada para justificar serviços como manutenção de caminhões. Para os fiscais, os serviços nunca foram prestados – as notas frias seriam para sonegar tributos. A Qualix fatura cerca de R$ 1 bilhão por ano e presta serviços em Porto Alegre, Teresina, Cuiabá e no Distrito Federal. A empresa, que trocou de controladores, diz colaborar com a investigação da Receita. (Págs. 1, C1 e C3). III – À caótica situação enfrentada pela empresa Qualix Soluções Ambientais Ltda. em outros Estados da Federação soma-se às divulgações efetuadas pela imprensa local, afirmativas de que o ajuste firmado entre o Município de Porto Alegre e a mesma não estaria sendo cumprido integralmente. Entre outros destaques, alerta-se para a circunstância de que o número mínimo de garis que acompanham o caminhão coletor do lixo não estaria sendo observado, situação que se confirmada, repercute na qualidade (e quantidade) dos serviços prestados à população. Também há notícia recente de que serão instalados equipamentos “GPS” para monitoramento dos veículos coletores; ocorre que tal exigência – prevista no edital licitatório  e contida no contrato firmado – deveria estar sendo cumprida desde o termo inicial da pactuação, e se não o foi, está-se frente à enriquecimento ilícito da empresa contratada, já que tal item deve ter sido considerado na composição dos custos. A imprensa divulgou, ainda, que alguns bairros da Capital não estão recebendo os serviços de coleta, o que, em tese, configuraria a inexecução parcial dos serviços pactuados. Além disso, as dificuldades na prestação dos serviços enfrentadas no período de final do ano, resultaram em medida emergencial estabelecida pela Autarquia, ao improvisar uma estação de transbordo em local diverso do normalmente utilizado, ou seja, a Estação de Transbordo da Lomba do Pinheiro. Quanto a esta última situação, especificamente, considerando a potencial repercussão quanto ao cumprimento do contrato, inclusive aos custos relacionados, merece verificação o efetivo controle do volume recolhido (pesagem) e ante a previsibilidade do aumento da demanda nessa época do ano, se houve planejamento para enfrentá-la ou se o volume de resíduos gerados realmente foi anormal para o período. A esse contexto de dificuldades operacionais e financeiras, soma-se a mudança de nome da empresa para “Sustentare”. Neste ponto, imprescindível que se examine os termos em que se deu a sucessão contratual. IV – Consigna-se que o objeto contratual ora em exame é serviço de natureza essencial, diretamente relacionado à saúde pública e à qualidade de vida da população, motivo pelo qual não pode sofrer solução de continuidade. Em razão disso, a Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e o Ministério Público de Contas, conjuntamente, oficiaram a Autarquia em 22/07/2010, solicitando informações acerca da situação e eventuais medidas adotadas pela mesma quanto ao efetivo cumprimento do contrato. Considerando o contexto, aquela Promotoria instaurou o Inquérito Civil nº 087/2010, “com o fim de promover diligências investigatórias de possíveis irregularidades no âmbito do DMLU - Departamento Municipal de Limpeza Urbana, consistente na tolerância ao descumprimento contratual (número mínimo de garis e deficiência nos serviços prestados) pela empresa QUALIX SOLUÇÕES AMBIENTAIS, com risco potencial de solução de continuidade dos serviços de coleta domiciliar, a fim de apreciar eventual enriquecimento ilícito, prejuízo ao patrimônio público ou vulneração aos princípios que norteiam a Administração Pública". Em 10/01/2011, o Diretor Geral do DMLU encaminhou ofício acompanhado de planilha onde constam as notificações efetuadas a partir de agosto/2010. Apesar do histórico de providências tomadas pela Administração Pública, foram noticiadas diversas situações indicativas de deficiência na prestação do serviço e possível descumprimento contratual. Diante do esposado, cumpre registrar que o artigo 78 da Lei Federal nº 8.666/1993 refere os motivos para se rescindir os contratos administrativos, todos eles norteados pelo princípio da indisponibilidade dos interesses públicos fundamentais. Este cenário permite vislumbrar eventuais lesões a princípios constitucionais da administração pública, em especial os da eficiência e da legalidade, demandando a adoção de providências imediatas, sob pena de, eventualmente, ocorrerem dispêndios lesivos ao Erário e danos de difícil reparação, por não serem precedidos da devida verificação e controle. V – No contexto cabe colher o magistério de Juarez Freitas  que, ao preconizar a ampla sindicabilidade dos atos, contratos e procedimentos administrativos, aduz: “É à luz dos princípios, pois, que o controle deve ser exercido, em novas bases, evidentemente não mais restrito ao tradicional controle de legalidade, por maior que seja o elastério que se empreste ao termo. Tudo assimilado, atitudes controladoras mais enérgicas acerca do desvio de finalidade ou falta de adequação mostram-se imprescindíveis para transcender o formalismo que nubla ou camufla a ausência de higidez nas relações de administração: precisa-se de um controle que, entre nós, viabilize, na prática e a sério, o direito fundamental à boa administração”.
E é mais uma vez Celso Antônio quem ensina que "Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade...”. Assim, as questões postas devem ser averiguadas pela Corte de Contas que, em cumprimento à elevada missão institucional como Órgão de Controle, atende de um lado ao direito do Cidadão/Contribuinte de ver a adequada aplicação dos tributos (in casu, a Taxa do Lixo), e de outro ao Gestor que, tendo se conduzido dentro dos parâmetros legais pertinentes, poderá ver afastadas as suposições e dúvidas sobre sua atuação, tendo a oportunidade de apresentar suas razões ao abrigo do devido processo legal. Nesse sentido, os elementos ora disponíveis, como indicativos de possíveis impropriedades na utilização de recursos públicos, remetem necessariamente à sua verificação mediante procedimento fiscalizatório destinado a: a) contrastar a efetiva execução dos serviços contratados entre o Município de Porto Alegre e a empresa Qualix Soluções Ambientais Ltda., inclusive, no que diz com a necessidade de atendimento ao interesse público, análise essa que deve abranger as questões evidenciadas na documentação que instrui esta Representação, e outras a serem prospectadas pela Auditoria; b) verificar a adoção de medidas voltadas a evitar a solução de continuidade dos serviços (na hipótese de rescisão contratual); c) examinar a efetiva fiscalização quanto à prestação dos serviços, qualitativa e quantitativamente, assim como a eventual aplicação de sanções decorrentes de contrato e de lei, ou de renúncia de receita por sua omissão. Tudo sob a ótica não só da legalidade, como da legitimidade, da economicidade, da razoabilidade, informados pelo fundamento maior do princípio republicano. VI – Isto posto, o Ministério Público de Contas, considerando que a matéria em tela insere-se no conjunto das competências deste Tribunal, bem assim, a sua gravidade e relevância, requer-se a instauração de Inspeção Especial no âmbito do Departamento Municipal de Limpeza Urbana – DMLU, com vistas ao exame do tema em referência, abrangendo todo o período do contrato. Assim, requer-se o recebimento e processamento da presente, propugnando por seu acolhimento, bem como seja dada ciência ao Parquet das providências adotadas pela Casa em relação à matéria. À sua elevada consideração. MPC, em 18 de janeiro 2011".

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