domingo, 12 de agosto de 2018

Turquia é novo foco de tensão econômica

A Turquia há muito tempo é um foco de tensão geopolítico, mas na sexta-feira, 10, também se tornou um risco para a economia mundial. Uma forte queda da moeda do país – acelerada ainda mais por um tuíte hostil do presidente Donald Trump – abalou os mercados financeiros na Ásia e na Europa e precipitou uma extensa fuga de dinheiro dos mercados emergentes aumentando a instabilidade numa região já bastante instável. A agitação política interna, a inflação subindo e um conflito crescente com Trump envolvendo um pastor americano preso, tudo isso combinado destruiu a confiança na lira turca, que se desvalorizou 20% ante o dólar, com queda recorde de valor. A economia da Turquia é apenas a 17ª maior do mundo – menor do que a da Flórida e quase do tamanho de um pequeno país europeu como a Holanda. Mas seus problemas vêm piorando com a guerra comercial global lançada por Donald Trump, danificando alianças antigas e ameaçando o crescimento econômico em todo o mundo. Existe um temor generalizado entre os investidores estrangeiros de que o governo autoritário e populista do presidente Recep Tayyip Erdogan continue adotando políticas econômicas irresponsáveis e debilitando a independência do banco central do país. Isso impede o país de adotar as medidas necessárias para estabilizar a economia.

Trump agravou a já péssima situação turca ao afirmar que vai dobrar as tarifas sobre aço importado da Turquia para 50% e do alumínio para 20%. A medida seria retaliação ao fato de o governo turco se recusar a libertar o pastor americano Andrew Brunson, detido após a tentativa de golpe de 2016 quando medidas severas foram adotadas contra oponentes de Erdogan. A decisão de Trump encareceu o aço turco no mercado americano, que importa 13% do produto da Turquia. A posição hostil de Trump com relação a um aliado da Organização do Atlântico Norte (Otan), que faz fronteira com Irã e Síria, aumenta o risco de os problemas enfrentados pela Turquia desestabilizarem as economias bem além da região.


O mergulho da lira turca também aumentou a preocupação com os bancos europeus e asiáticos que investiram no país, o que contribuiu para as bolsas fecharem em queda no mundo todo. Do mesmo modo que a crise financeira provocada pela Grécia em 2010, esses recentes desdobramentos são um exemplo de como as dificuldades de um país com uma economia de médio porte, mas com problemas que podem afetar o mundo, ameaçam a estabilidade financeira de um modo geral. “Nos mercados financeiros tudo está interligado”, afirmou Bart Hordijk, analista de mercado da Monex Europe de Amsterdã. “Você não sabe se um banco está muito exposto à lira turca. As pessoas fogem para ativos mais seguros”, acrescentou. Um dólar valia na sexta-feira 6,8 liras, um recorde. No geral, a moeda perdeu mais de 30% do seu valor somente nesta semana. O rendimento de títulos turcos com prazo de 10 anos aumentou para mais de 20%, uma vez que os operadores estão exigindo retornos bem maiores sobre o que consideram um investimento cada vez mais arriscado. A forte queda da lira e as preocupações com maiores consequências dessa turbulência econômica na Turquia provocaram uma queda de mais de 1% dos principais índices das Bolsas em Tóquio, Frankfurt e Paris.

Bancos com grandes negócios na Turquia são alguns dos maiores perdedores. As ações do UniCredit da Itália e do BBVA da Espanha sofreram uma queda de mais de 5% no pregão da tarde de sexta-feira, ao passo que as ações do BNP Paribas, da França caíram 4%. Todos têm grandes participação em instituições de crédito turcas. Erdogan não tranquilizou os investidores ao continuar responsabilizando os estrangeiros pelos problemas do país. Seus comentários feitos em rede de tevê nacional foram considerados um sinal de que ele não pretende mudar as políticas que levaram à desvalorização da lira, a elevada inflação para 16% e tornaram os empréstimos bancários proibitivamente caros. Ele insistiu para os turcos combaterem a desvalorização da moeda vendendo todos os dólares que guardaram – um conselho que poucos turcos devem seguir uma vez que a moeda forte é sua melhor garantia contra a disparada dos preços.

Com a moeda enfraquecida, a Turquia deve pagar mais pelo petróleo e outros produtos importados, o que fará a inflação aumentar novamente e a lira perder mais valor. Sem um aumento drástico dos juros pelo banco central e cortes nos gastos do governo – medidas que Erdogan até agora rejeitou –, o país vai sofrer com uma hiperinflação e um colapso econômico. A Turquia é um exemplo vivo de como os investidores estão retirando dinheiro dos mercados emergentes. Eles podem obter retornos mais seguros nos Estados Unidos porque o Federal Reserve vem elevando os juros no país. Ao mesmo tempo o protecionismo está tornando o resto do mundo mais arriscado. O presidente turco convocou eleições antecipadas este ano, motivadas em parte pelos sinais de que a economia estava cambaleando. A lira desvalorizou mesmo em meio à campanha para sua reeleição. O forte declínio da moeda reflete também as preocupações quantos aos fundamentos do modelo econômico adotado por Erdogan, dependentes de um setor de construção voraz que, segundo os oponentes, vem enriquecendo o círculo mais próximo do presidente e aumentando a dívida do país.

Desde que Erdogan conquistou um poder executivo total ao ser reeleito em junho, a lira caiu ainda mais, uma vez que o presidente não ouve conselhos de ninguém, agindo por conta própria. Como exemplo do seu poder hoje ampliado, ele tem descartado todos os apelos para aumentar os juros de modo a reduzir a inflação e abrandar a pressão sobre a lira.

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