terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Associação da Polícia Federal diz que perícia nos sistemas clandestinos da propineira Odebrecht mostra apenas a "ponta do iceberg"

O laudo realizado pelos peritos criminais federais da Polícia Federal sobre os sistemas Drousys e MyWebday da construtora propineira Odebrecht, divulgado na sexta-feira (23) pela Justiça Federal em Curitiba (PR), “é a ponta do iceberg” e deve dar origem a uma série de outras perícias.



A previsão é do presidente da APCF (Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais), Marcos Camargo, para quem a perícia, que reuniu 54 terabytes de informação, abriu novas áreas de interesse da Operação Lava Jato por ter acessado documentação até aqui desconhecida, como 32,6 mil relatórios financeiros e contábeis da empreiteira. Os peritos do Setec (Setor Técnico-Científico) da Superintendência da Polícia Federal no Paraná conseguiram entrar e copiar a base inteira de dados do MyWebDay, um sistema criado pela Odebrecht para administrar pagamentos do setor de operações estruturadas, a área da empreiteira responsável pelo pagamento de propina e caixa dois a inúmeros políticos e partidos. O acesso ao sistema estava bloqueado porque a Odebrecht afirma não conseguir encontrar a senha. A Polícia Federal não teve acesso ao ambiente que permitiria uma navegação mais amigável do material, mas conseguiu acessar e copiar a base inteira, da qual agora podem ser extraídas informações com a ajuda de uma ferramenta desenvolvida por peritos criminais federais e que ganhou força no decorrer da Operação Lava Jato.

O Iped (Indexador e Processador de Evidências Digitais) processa dados forenses, permitindo “indexação de dados, reconhecimento de caracteres ópticos em imagens (OCR), recuperação de arquivos apagados, categorização de arquivos, detecção de dados cifrados”, assim como “pesquisas por expressões regulares, busca por arquivos semelhantes e reconhecimento de entidades mencionadas”. O laudo divulgado sexta-feira foi realizado por ordem do juiz federal Sergio Moro, que acolheu um pedido da defesa do bandido corrupto, lavador de dinheiro, chefe da organização criminosa petista e ex-presidente Lula. “A partir de então desenrolou-se um novelo gigantesco. É uma caixa de Pandora, dali vai sair de tudo”, disse Marcos Camargo.

Foi um longo caminho entre a entrega do material e a perícia agora concluída. Os dados originalmente estavam arquivados, sob controle da Odebrecht, em servidores na Suécia e na Suíça. No final de 2016, como parte do termo de leniência e do acordo de colaboração premiada fechados com a Procuradoria-Geral da República na gestão de Rodrigo Janot, a empreiteira entregou discos rígidos, mas a PGR não pediu que a Polícia Federal fizesse uma perícia sobre o material. Com o acordo de delação, homologado pelo Supremo Tribunal Federal no último dia de janeiro de 2017, a Odebrecht entregou 11 discos rígidos e dois pen drives. Desde então, o material permanecia guardado na Procuradoria Geral da República, em Brasília. O modelo de delação adotado pelo então procurador-geral Janot não incluía a participação de peritos nas tratativas sobre as provas que delatores devem apresentar como parte do seu acordo de colaboração — não houve mudança nesse modelo na gestão da atual procuradora-geral, Raquel Dodge. Após a decisão de Sergio Moro, o material foi entregue pela Procuradoria Geral da República aos peritos do Setec da Polícia Federal no Paraná.


Para surpresa dos peritos, foram identificados diversos procedimentos realizados pela Procuradoria Geral da República que poderiam ter danificado ou comprometido a integridade dos arquivos, como cópias autorizadas fora dos parâmetros exigidos em perícias do gênero. O trabalho dos peritos, contudo, concluiu que apesar dessa falta de rigor no controle da prova, ela permaneceu íntegra e fiel às primeiras cópias realizadas na Europa.

Para Camargo, essa foi uma das principais conclusões do laudo, pois dá uma segurança jurídica maior sobre a prova. Outros pontos foram a identificação das funcionalidades dos dois sistemas, a localização dos relatórios financeiros e contábeis, a possibilidade de localização, na massa de dados, de informações requisitadas pela Justiça Federal, o que abre espaço para novas perícias sobre casos pontuais, e a conclusão de que pelo menos dois arquivos foram destruídos em 2015, logo após a prisão do empreiteiro Marcelo Odebrecht.

Além disso, a perícia detectou um conjunto de novas evidências que apareceu numa das primeiras cópias dos arquivos, realizada por uma firma contratada pela Odebrecht, mas depois deixou de contar das cópias seguintes. O material foi recuperado e entregue pela Odebrecht em fevereiro. O conteúdo desses arquivos ainda é desconhecido. O laudo 335/2018 foi assinado por sete peritos criminais federais designados pelo chefe do Setec do Paraná, Fábio Augusto da Silva Salvador: Rodrigo Lange, Edmar Edilton da Silva, Roberto Brunori Junior, Ronaldo Rosenau da Costa, Aldemar Maia Neto, Ivan Roberto Ferreira Pinto e Ricardo Reveco Hurtado.

O Iped, a ferramenta que permitiu “ler” em detalhes os arquivos de diversos modelos e formatos e também foi utilizado para a confecção do recente laudo, vinha sendo desenvolvido desde 2012 por peritos criminais federais, em especial Luís Filipe da Cruz Nassif, que buscava criar uma ferramenta que permitisse indexar arquivos digitais apreendidos pela Polícia Federal.

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