quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Carmen Lucia suspende partes do indulto de Natal de Temer, conhecido nas redes sociais como "insulto natalino"


Responsável pelo plantão do Judiciário durante o recesso, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Cármen Lúcia suspendeu nesta quinta-feira (28) os trechos do decreto editado na semana passada pelo presidente Michel Temer que abrandavam as regras para concessão do indulto de Natal. A magistrada concedeu liminar acolhendo os questionamentos da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que, nesta quarta-feira (27), protocolou uma ação na Suprema Corte para suspender os efeitos do decreto natalino que reduziu o tempo de cumprimento das penas a condenados por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça. 

No despacho, a ministra do Supremo ressaltou que a decisão de dar a liminar foi tomada em razão do caráter de urgência do assunto. Segundo ela, ao final do recesso do Judiciário, em fevereiro, o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, ou o plenário da Corte irão voltar a analisar o pedido da Procuradoria Geral da República.

"Pelo exposto, pela qualificada urgência e neste juízo provisório, próprio das medidas cautelares, defiro a medida cautelar (art. 10 da Lei n. 9.868/1999), para suspender os efeitos do inc. I do art. 1º; do inc. I do § 1º do art. 2º, e dos arts. 8º, 10 e 11 do Decreto n. 9.246, de 21.12.2017, até o competente exame a ser levado a efeito pelo Relator, Ministro Roberto Barroso ou pelo Plenário deste Supremo Tribunal, na forma da legislação vigente", argumentou a presidente do STF para conceder a liminar.

Na avaliação de Cármen Lúcia, os dispositivos do decreto presidencial “parecem substituir a norma penal” que garante a eficácia do processo e geram uma invasão, pelo Poder Executivo, de competências dos poderes Legislativo e Judiciário. Segundo a magistrada, as regras estabelecidas pelo presidente da República para conceder o indulto fortalecem a sensação de impunidade, em especial aos denominados "crimes de colarinho branco".

O indulto natalino é um perdão de pena e costuma ser concedido todos os anos em período próximo ao Natal. Atribuição do presidente da República, esse benefício não trata das saídas temporárias de presos, nas quais os detentos precisam retornar à prisão. No ano passado, Temer já havia flexibilizado um pouco as regras de concessão do benefício, determinando que poderiam ser beneficiados pelo perdão pessoas condenadas a no máximo 12 anos e que, até 25 de dezembro de 2016, tivessem cumprido um quarto da pena, desde que não fossem reincidentes.

O indulto deste ano abranda ainda mais as normas de concessão do benefício, ao não definir um período máximo de condenação para que o detento obtenha o perdão presidencial. Além disso, o decreto do presidente reduziu para um quinto o tempo de cumprimento da pena para presos não reincidentes. A medida contempla quem cumprir esses requisitos até 25 de dezembro de 2017.

Na ação judicial apresentada ao Supremo, a procuradora-geral da República argumentou que o decreto de Temer viola os princípios da separação de poderes, da individualização da pena e da proibição, prevista na Constituição, de o Poder Executivo legislar sobre direito penal. "Se mantido o decreto a Constituição restará desprestigiada, a sociedade restará descrente em suas instituições e o infrator, o transgressor da norma penal, será o único beneficiado", escreveu a chefe do Ministério Público em trecho da ação.

"O chefe do Poder Executivo não tem poder ilimitado de conceder indulto. Se o tivesse, aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República Constitucional Brasileira", escreveu Raquel Dodge. Na liminar concedida nesta quinta, a presidente do STF ponderou que o indulto é um instrumento que beneficia aquele que, tendo cumprido parte do débito com a sociedade, obtenha o reconhecimento de que seu erro foi assumido e punido, sendo dada nova chance para superar esse erro. “Indulto não é nem pode ser instrumento de impunidade”, observou a ministra do Supremo na decisão. Ela acrescentou: “Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito, mas perdão ao que, tendo-o praticado e por ele respondido em parte, pode voltar a reconciliar-se com a ordem jurídica posta”. 

Outro trecho do decreto questionado por Raquel Dodge é o que prevê a possibilidade de livrar o detento beneficiado com o indulto do pagamento de multas relacionadas aos crimes cometidos. Para a procuradora-geral, o perdão de multas seria uma forma de renúncia de receita por parte do poder público.

Na ação, Raquel Dodge destaca que o decreto natalino deste ano do presidente da República foi classificado como o "mais generoso" entre as normas editadas nas últimas duas décadas e afirma que, se mantido, será causa de impunidade de crimes graves como os apurados pela Operação Lava Jato e outras operações de combate à “corrupção sistêmica”. Como exemplo, a procuradora-geral da República afirma que, com base no decreto, uma pessoa condenada a 8 anos e 1 mês de prisão não ficaria sequer um ano presa. 

Em relação ao perdão das multas, a presidente do Supremo ressaltou na decisão liminar que suspendeu os efeitos de parte do decreto que os valores cobrados dos condenados não provocam “situação de desumanidade” nem são dignos de “benignidade”, por serem parte de uma atuação judicial que beneficia a sociedade. “Este Supremo Tribunal firmou jurisprudência no sentido de que, para que o condenado possa obter benefício carcerário, incluído a progressão de regime, por exemplo, faz-se imprescindível o adimplemento da pena de multa, salvo motivo justificado”, destacou.

Após a edição do decreto natalino, o coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, procurador Deltan Dallagnol, usou sua conta no Twitter para criticar o ato de Michel Temer. Segundo o procurador, o indulto deste ano se trata de um “feirão de Natal para corruptos”. “Pratique corrupção e arque com só 20% das consequências – isso quando pagar pelo crime, porque a regra é a impunidade”, escreveu ele.

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