quarta-feira, 19 de abril de 2017

Executivos da Odebrecht superfaturavam obras para ganhar bônus da empresa

A Odebrecht sempre teve como prática estimular resultados de maneira agressiva, oferecendo bônus, um pagamento extra, para quem atingisse as metas da empresa. Só que algumas vezes, para chegar a essas metas, os executivos superfaturavam obras e pagavam propina, contou Hilberto Mascarenhas, chefe do departamento criado para controlar repasses ilegais. A afirmação foi feita ao Ministério Público Federal em acordo de delação premiada no âmbito da Operação Lava Jato. "O que era combinado era o seguinte: eu vou lhe pagar bônus em função do resultado que você tem. E nós vamos negociar isso anualmente. O senhor vai me apresentar todo ano, em novembro, o planejamento do ano seguinte. Aí, no seu planejamento, o senhor vai dizer o lucro que o senhor vai me dar. E não vamos discutir. Desse lucro aqui, se o senhor alcançar, eu lhe dou 2%. Se o senhor dobrar isso aqui, eu lhe dou mais 5% sobre o que você dobrou. Então isso era muito em função da negociação anual", disse Mascarenhas. "Então, fazia qualquer coisa que tinha que fazer pra poder atingir. Você pedir pra um cara desse que queria aumentar o faturamento da obra dele, mas que o faturamento da obra dele pra aumentar tinha que fazer um aditivo, e esse aditivo estava em cima da mesa de alguém que não estava aprovando, ele ia fazer miséria pra aprovar esse aditivo, aumentar a obra". O contrato de rescisão dele com a Odebrecht indica que ele recebia um salário de R$ 330 mil. Fora os bônus, pagos até no exterior. Esses bônus, e mais todos os salários que os delatores receberam durante os anos em que cometeram crimes, agora serão a base do cálculo da multa que cada um deles terá que pagar para acertar as contas com a justiça. Essas multas, somadas, chegam a cerca de R$ 500 milhões de reais. Além disso, os executivos que receberam bônus via caixa dois - geralmente em contas no exterior - terão de devolvê-los integralmente. Só depois de tudo pago, os delatores terão suas contas pessoais e bens desbloqueados. Dos 77 delatores, 51 foram demitidos e 26 continuam na Odebrecht. Mas todos receberam indenizações da empresa e podem usar esse dinheiro para pagar multas. As multas individuais não fazem parte da que a empresa vai pagar: US$ 2 bilhões e 600 milhões, prevista no acordo de leniência. Executivos de outras empresas que também fecharam acordos de colaboração, como Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, também tiveram que aceitar o pagamento de multas individuais. Em uma carta enviada na segunda-feira (16) a todos os 80 mil funcionários, o atual presidente do grupo, Newton de Souza, destacou que a Odebrecht ofereceu todas as condições para que os delatores estivessem absolutamente tranquilos em relação à própria sobrevivência e à de suas famílias. Hilberto Mascarenhas, do departamento de propinas, disse que não pensa em trabalhar depois de pagar sua pena e tirar a tornozeleira eletrônica. Ele foi um dos demitidos da Odebrecht. Ao ser perguntado se queria outro trabalho, Mascarenhas respondeu: "Não. Não fui e nem quero. Eu quero curtir a minha vida quando 'ocês' tirarem esse negócio do meu pé e eu puder viajar, curtir o que eu, os 40 anos que eu trabalhei, que tô 'pra' justificar o que eu vou fazer agora". Mascarenhas deu exemplos de valores, durante seu depoimento. “A Odebrecht tem umas formas de trabalhar com delegação plena. Esse assunto cabe ao líder empresarial (executivo) que decidiu assumir um custo de R$ 100 milhões, 150 milhões (com pagamento a políticos). Ele assumiu aquilo, ele sabe que aqueles R$ 150 milhões vão afetar ele na veia. Que se o resultado dele for R$ 300 milhões e ele ganha 10% (de bônus), ele ganha R$ 30 milhões no bolso dele. E ele vendeu R$ 150 (milhões em propina), e ele só vai ter o resultado de R$ 150 milhões. Em vez de R$ 300 milhões, só vai ter o resultado de R$ 150 milhões, ele só vai botar no bolso dele R$ 15 milhões. Ele vai botar no ralo 15 milhões dele”, afirmou o executivo. O delator diz que chegou a propor a Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira, que fosse criado um sistema para acompanhar o cumprimento das contrapartidas pelos políticos, mas que o empresário não aceitou e disse que esse trabalho deveria ser feito pelos executivos que acertaram o pagamento da propina. “Fui propor a Marcelo (o sistema de acompanhamento). Marcelo disse: ‘não, isso não é seu trabalho. Isso é responsabilidade do cara lá (executivo). Ele é que tem que saber quanto é que ele deu para A, B, C e D e cobrar desses caras. E se esses caras não derem a ele o que lhe cobraram, na eleição seguinte ele não dá (nova propina ou caixa dois) pros caras”, relatou Mascarenhas.

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