segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Esquema liderado por Cabral tinha estrutura para movimentar recursos, aponta operação

 

Vencida a fase mais ostensiva da Operação Calicute, quando mais de 200 agentes da Polícia Federal saíram às ruas de quatro cidades, na quinta-feira, para prender os dez principais envolvidos no esquema de cobrança de propina supostamente comandado pelo ex-governador Sérgio Cabral, os investigadores pretendem agora esmiuçar o braço financeiro do grupo. Eles estão convencidos de que Cabral e seus parceiros contavam com um “banco paralelo” para movimentar o dinheiro da corrupção. Esse papel era desempenhado pela transportadora Trans-Expert Vigilância e Transporte de Valores, que tinha um cofre no bairro de Santo Cristo, no Rio de Janeiro, usado para guardar e distribuir o dinheiro do grupo. A descoberta do “banco paralelo”, livre do sistema público de controle das atividades bancárias, surpreendeu os agentes da Delegacia de Repressão à Corrupção e a Crimes Financeiros (Delecor), que até então desconheciam esse modelo de operação clandestina. Para desvendá-lo, a Polícia Federal criou uma operação específica, a Farejador, que encontrou pelo menos três indícios que vinculam a transportadora a Cabral: um total de R$ 25 milhões em repasses da Trans-Expert para uma empresa ligada a Cabral; a apreensão de declarações de renda da ex-primeira-dama Adriana Ancelmo na empresa; e uma possível guarda de dinheiro para o ex-secretário de Obras, Hudson Braga, um dos nove presos ao lado de Cabral. Antes mesmo de ser investigada por movimentar dinheiro para o ex-governador, a Trans-Expert já estava na mira da Polícia Federal. A denúncia de que a empresa havia desaparecido com um total de R$ 35 milhões do Banco do Brasil, dinheiro recolhido das agências bancárias que não chegava ao destino final, somada a um misterioso incêndio ano passado, que teria transformado em pó milhões de reais (R$ 28 milhões só da Caixa Econômica Federal) supostamente guardados em seu cofre-forte, fizeram a Polícia Federal suspender recentemente a autorização de funcionamento da transportadora. Os investigadores desconfiam que o “banco paralelo” funcionava desde o primeiro governo Cabral, recolhendo propina e a distribuindo aos favorecidos, a maioria políticos do PMDB fluminense — algumas das entregas eram feitas na sede da empresa. As provas recolhidas levaram a Justiça Federal a autorizar a condução coercitiva do policial civil aposentado David Augusto Câmara Sampaio, apontado como o dono de fato da Trans-Expert. De acordo com as investigações, David ocupa, atualmente, cargo de assessor parlamentar na Assembleia Legislativa do Rio, “tal qual o investigado José Orlando Rabelo (também preso), este muito próximo do investigado Hudson (Braga)”. Na última semana de setembro deste ano, em busca e apreensão autorizada pela Justiça, a Polícia Federal encontrou no escritório da empresa declarações de renda de Adriana Ancelmo. Na quebra de sigilo do ex-secretário de Obras Hudson Braga, ele perguntou, no início de 2016, a um homem chamado David, se podia “passar na empresa”. Filho de Elizete Augusto da Silva Sampaio, uma das sócias formais da transportadora, David foi nomeado em dezembro do ano passado pelo presidente da Alerj, Jorge Picciani, para o gabinete do deputado Zaqueu Teixeira (PDT). Também já trabalhou no gabinete de Cida Diogo (PT), em 2013. O cofre-forte da Trans-Expert, na Avenida Cidade Lima 33, Santo Cristo, pegou fogo em 8 de junho do ano passado. Na ocasião, o incêndio queimou “uma quantidade incerta de dinheiro”, como declarou na época à polícia o coordenador de segurança da empresa, Carlos Eduardo. Na manutenção da porta de aço, um funcionário imprudente teria deixado o maçarico ligado, o que provocou o fogo. Memorando assinado pela delegada Silvana Helena Vieira Borges, chefe da Coordenação-geral de Controle de Segurança Privada da Policia Federal-RJ, em janeiro deste ano, relatou que R$ 28,132 milhões da Caixa Econômica Federal (CEF) desapareceram no incêndio, sem que a instituição tivesse sido ressarcida até hoje. Até então, a Trans-Expert prestava serviços de transporte de valores para a CEF. A Federação de Futebol (Ferj), que perdeu R$ 2,8 milhões no mesmo incêndio, moveu uma ação judicial contra a transportadora. De acordo com o que o advogado da federação, Marllus Lito Freire, a própria empresa teria informado à Ferj sobre o ocorrido. Ainda segundo ele, no dia estavam guardados no cofre mais de R$ 130 milhões. O promotor Marcos Kak, do Ministério Público estadual, pediu à época a abertura de inquérito na delegacia de São Cristóvão, mas nada andou desde então. No memorando que decidiu cassar a licença de operação da transportadora, a delegada alegou que “não se pode admitir que empresas que apresentam condições que indicam a prática de crimes ou, no mínimo, grave, frequente e contínuo descalabro administrativo e técnico, continuem a prestar serviços autorizados pelo poder público, quando existem indícios concretos de que os próximos clientes serão envolvidos involuntariamente nos casos citados”. A Trans-Expert tem antiga ligação com a política fluminense. Contribuiu para a campanha de Cabral a governador em 2006 com quatro doações de R$ 6 mil, cada. Um dos donos formais, Ricardo Cristo, aparece na Operação Miqueias, na Policia Federal, como envolvido em fraudes contra fundos de previdência da área pública. Agora, um relatório de inteligência do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda, produzido durante as investigações da Operação Calicute, revelou que, entre 2013 e 2015, a Trans-Expert fez um total de R$ 25 milhões em repasses para a Creações Opção, empresa ligada a Cabral. De acordo com os investigadores, o esquema de corrupção comandado pelo ex-governador, no qual teriam passado mais de R$ 224 milhões, era estruturado em quatro núcleos básicos: o econômico, formado pelos executivos das empreiteiras organizadas em cartel (entre as quais a Andrade Gutierrez e a Carioca Engenharia); o administrativo, composto por gestores públicos; o financeiro-operacional, destinado a garantir o recebimento e a lavagem do dinheiro; e o político, integrado pelo líder da organização, Cabral. A Trans-Expert, neste caso, integraria o núcleo financeiro-operacional. As empreiteiras eram obrigadas a pagar uma taxa de 5% em propina para cada pagamento recebido do governo estadual (contratos e aditivos), que resultavam em mesadas de até R$ 500 mil. No núcleo financeiro, o dinheiro era entregue em espécie a operadores de confiança, que muitas vezes o recebiam na sede das empreiteiras — houve casos de pagamentos em doações eleitorais. A etapa seguinte, sempre segundo a investigação, consistia na lavagem do dinheiro, que seguia caminhos variados até chegar ao destino final. No núcleo administrativo, cabia aos gestores fazer a interlocução com as empreiteiras e vista grossa para fraudes na execução dos contratos, como superfaturamento. Do núcleo político comandado por Cabral, partiam as decisões mais importantes, como os valores a serem pagos pelas empresas.

Nenhum comentário: