sábado, 15 de outubro de 2016

Presidente da Petrobras se prepara para longa batalha de reconstrução



Antes de aceitar o gigantesco desafio de transformar a Petrobras de estatal devastada pela corrupção em uma empresa movida por objetivos comerciais, Pedro Parente disse ao presidente Michel Temer que a companhia não serviria mais de brinquedinho ao governo. Sua indicação para a presidência executiva da companhia, disse Parente a Temer, dependia de três condições: os executivos da Petrobras seriam contratados por mérito; a racionalidade econômica ditaria a estratégia comercial; e a companhia geriria o preço da gasolina – uma questão fortemente política que até agora vinha sendo conduzida pelo governo.  "Eu o informei sobre meus pré-requisitos, e ele aceitou todos", disse Parente, 63, em entrevista ao "Financial Times". No entanto, tendo assumido o leme da Petrobras em junho, ele não tem ilusões quanto à escala da tarefa, em termos de restaurar as finanças e a reputação combalidas da empresa.  "Uma reputação pode ser perdida muito rápido, mas reconquistá-la demora demais", ele diz, sugerindo que está se preparando para uma longa batalha a fim de revitalizar a empresa, que anunciou nesta sexta-feira (14) uma nova política de preços para os combustíveis, que irão variar de acordo com os preços internacionais. O custo da gasolina irá cair 3,2%, e o do diesel 2,7%. Com US$ 124 bilhões em dívida bruta, a Petrobras detém o infeliz título de companhia petroleira mais endividada do planeta, um reflexo dos bilhões de dólares que investiu, nos últimos 10 anos, na construção de refinarias e na exploração e produção em alguns dos mais promissores campos submarinos de gás natural e petróleo do planeta. Mas a empresa conquistou muito mais manchetes por conta do escândalo de corrupção que a engolfou em 2014. Procuradores da Justiça brasileira afirmam que antigos diretores da empresa conspiraram com empreiteiros e políticos – do governo de coalizão então no poder, que envolvia o PT, de esquerda, e o PMDB, o partido de Temer – para saquear um total estimado em US$ 13 bilhões (R$ 42 bilhões) da estatal. Também surgiram preocupações por a Petrobras estar vendendo gasolina abaixo do custo porque o governo de coalizão da presidente Dilma Rousseff, deposta em agosto, necessitava desses arranjos para ajudar seus esforços de controle da inflação. Tudo isso levou a imenso tumulto na Petrobras, e a um quase calote técnico de suas dívidas no ano passado, dadas as dificuldades que ela enfrentava para divulgar contas precisas sobre o ano fiscal de 2014, porque a escala do escândalo de propinas e seu custo para a empresa eram incertos. Nas palavras de Parente, "não tínhamos um balanço".  Os resultados de 2014, que viram a Petrobras despencar a um prejuízo líquido de R$ 21,6 bilhões, foram por fim divulgados em abril do ano passado, com diversos meses de atraso. Outro momento importante aconteceu no mês passado, quando Parente revelou seu plano para reverter a situação da Petrobras. Ele já vinha informando acionistas da empresa em Nova York e Londres sobre o teor do plano, e reconhece que terá de convencer os céticos – especialmente os investidores que estão processando a Petrobras pelo escândalo de corrupção, nos Estados Unidos. Parente não discorda das avaliações de que a Petrobras está na pior situação de seus 63 anos de história, mas afirma que seu acordo com Temer lhe confere boa chance de sucesso no plano de recuperação. "É uma oportunidade única", diz. Parente tem modos professorais, e sua prioridade é a redução da dívida. Prometeu reduzir a dívida líquida da empresa de um pesado múltiplo de 5,3 vezes sua receita anterior aos juros, impostos, depreciação e amortização, no final do ano passado, a um múltiplo de 2,5 em 2018, por meio de vendas de ativos, cortes de investimentos e uma reformulação na política de venda de combustíveis. Embora analistas e banqueiros tenham encarado positivamente a indicação de Parente para o posto, e elogiado sua ambiciosa estratégia, questionam suas chances de sucesso. "Os pressupostos em que ele se baseou parecem sublinhar o melhor caso possível, e deixam margem zero para problemas de execução", disseram os analistas do Goldman Sachs no mês passado. A agência de classificação de crédito Moody's disse que a Petrobras requereria "forte disciplina e foco de gestão" – qualidades raramente associadas a empresas estatais do Brasil. Boa parte das propostas de redução da dívida depende dos planos de venda de ativos da Petrobras – algo que os analistas questionam por conta da queda do número de transações no setor desde o colapso dos preços do petróleo dois anos atrás. Parente, porém, expressa confiança em que a empresa cumprirá sua meta de vender US$ 15,1 bilhões em ativos até o final deste ano, mencionando o fato de que a Statoil, da Noruega, fechou acordo em julho para adquirir participação em um dos campos de petróleo em águas profundas da Petrobras por US$ 2,5 bilhões. Isso, diz ele, vai abrir caminho para mais US$ 19,5 bilhões em venda de ativos em 2017 e 2018, e elas podem incluir a rede de postos de gasolina da companhia. Um banqueiro que conhece bem a Petrobras diz que a venda de ativos secundários como os postos de gasolina, que apresentam desempenho relativamente bom em um ambiente de preços baixos para o petróleo, pode deixar a empresa vulnerável em caso de uma futura crise. Parente argumenta que será capaz de reduzir os investimentos de capital e as despesas operacionais da Petrobras, em parte devido à produtividade superior à prevista nos campos em águas profundas. "Precisamos de menos plataformas e teremos de escavar menos poços", ele diz. Outro meio importante de cortar investimentos será o interesse de Parente em formar parcerias com grupos internacionais de energia para produção e refino. Ele encara positivamente um projeto de lei apoiado pelo governo Temer que poria fim ao status da Petrobras como operadora única dos chamados campos de pré-sal, ao largo da costa brasileira, porque isso removeria um peso financeiro considerável para a companhia. A Royal Dutch Shell já está ativa nos campos do pré-sal em apoio à Petrobras, e Parente agora espera que a companhia anglo-holandesa assuma a posição de operadora principal, em companhia de outras empresas petroleiras internacionais. De forma semelhante, ele está interessado em que empresas estrangeiras ponham fim ao domínio da Petrobras sobre o refino de derivados de petróleo no Brasil. Mas determinar se a Petrobras conseguirá mesmo funcionar sem qualquer interferência do Estado é algo que ainda está aberto a debate. Parente dá a entender que, depois que assumiu sua posição na empresa, o governo lhe pediu que fizesse uma indicação política. "Nós, é claro, de modo muito polido, recusamos", ele diz. Parente destaca as reformas significativas de governança cujo objetivo é tornar a empresa mais independente, mas também aceita que ela tem responsabilidades sociais. Ainda não se sabe de que maneira Parente promoverá mais transparência na fixação dos preços de varejo dos combustíveis, a fim de pôr às práticas prejudiciais adotadas pelo governo do PT. Sua condução desse assunto será um bom indicador de sua capacidade para transformar a Petrobras em uma empresa dirigida sob critérios comerciais.

Nenhum comentário: