quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Lembram-se quando o PT dizia que o Rio era um exemplo a ser seguido em segurança?

Vocês têm de rever o vídeo abaixo. Notem como a então candidata Dilma, que viria a ser eleita e reeleita, lia a realidade do país

Por Reinaldo Azevedo - Não pensem que se fabrica um desastre de um dia para o outro. Não é assim nem com a natureza. Se os homens tivessem cuidado melhor do Haiti, morreriam menos pessoas quando há um terremoto. Haveria menos vítimas quando há um furacão. O elemento da natureza que mais mata ainda é a estupidez humana. O que vocês lerão abaixo e a atualização de um post que publiquei no dia 21 de março de 2014. A segurança pública do Rio já dava sinais de colapso. O texto, com vídeo, remete a um evento eleitoral de 2010, quando Dilma disputava a primeira eleição presidencial, e Sérgio Cabral, a reeleição ao governo do Rio. Era o tempo em que eles andavam de braços dados, como amigos inseparáveis. A política de segurança pública do Rio era considerada um exemplo a ser seguido em todo o Brasil. Prestem atenção ao vídeo a partir de 1min30s. Transcrevo a fala da agora ex-presidente em seguida.

Disse Dilma:
“A gente considera que o resultado da política aqui, dessa parceria do governo federal com o governo estadual, aqui, com o governador Sérgio Cabral, ela construiu uma referência no que se refere (!!!) à… No que se refere basicamente à… estruturação de uma política de segurança através das Unidades de Polícia Pacificadora. É transformar territórios em guerra em territórios de paz (…) Em muitos estados, não transferiram os chefes do crime organizado para as penitenciárias de segurança máxima. Aqui foi transferido. Os daqui estão em Catanduvas, Campo Grande e Mossoró. Com isso, o que é que acontece? Você tira do presídio os líderes e os cabeças e impede que os presídios sejam transformados em plataformas do crime (…).
Retomo
Bem, é a Dilma dos velhos tempos, com um raciocínio ainda mais confuso do que o de hoje e um vocabulário mais estreito. Mas está claro no vídeo, editado como propaganda, que a política de segurança de Sérgio Cabral era considerada exemplar. Seis anos depois, o Rio é um faroeste caboclo. E não foi por falta de aviso. Não!, leitores, eu não acho que Cabral e José Mariano Beltrame, secretário de Segurança Pública que agora pede demissão, deveriam ter ouvido as minhas advertências. Penso que ambos, mais uma boa leva de bacanas que resolveram jogar os fatos no lixo, deveriam ter ouvido os apelos da lógica. A Internet presta uma grande contribuição à memória. Pesquisem neste blog e em toda parte: durante uns bons anos, na grande imprensa, devo ter sido o único crítico da política de segurança do Rio. Apanhava que dava gosto — inclusive de muitos amigos cariocas! Alguns deles chegaram a se engajar numa pré-campanha para fazer de Beltrame candidato ao Prêmio Nobel da Paz. Sim, eu sei! Até Arafat ganhou o seu… Mas o ridículo em estranhos dói menos do que em pessoas que a gente ama ou admira, né? As críticas que eu fazia às UPPs eram compreendidas ou pelo avesso ou simplesmente não eram compreendidas de modo nenhum. É evidente que eu não era — e os textos estão em arquivo — nem poderia ser contra a chegada de postos policiais aos morros. Aliás, escandaloso é que não houvesse isso no Rio. Há quanto tempo existe essa modalidade de polícia em São Paulo, por exemplo? Há décadas. Nunca foi chamada de “polícia pacificadora”. É garantia de segurança? Garantia não é. Mas não existem, em São Paulo, áreas onde a polícia não entra, como ainda há no Rio, e todo mundo sabe disso. O nome “Polícia Pacificadora” sempre me irritou porque carrega consigo uma óbvia impostura, mas também uma revelação involuntária. “Pacificar” quem exatamente? Pactos de paz se estabelecem entre inimigos beligerantes, postos em pé de igualdade e considerados igualmente legítimos. Cabe hoje, como sempre coube, a pergunta: quem está de cada lado? Então vamos estabelecer a “pax” entre a bandidagem e suas vítimas, é isso? Entre a lei e a não lei? Entre a sociedade de direito e o arbítrio do crime? Sim, infelizmente, sempre se tratou exatamente disto: a polícia dita “pacificadora” traz na sua origem o reconhecimento de que existe certa legitimidade no banditismo. O que se cobrava dele é que fosse mais discreto; que não tiranizasse as populações do morro; que não as submetesse a uma disciplina escandalosamente de exceção; que não saísse matando desbragadamente; que fizesse o seu tráfico, mas com um pouco mais de decoro. Tanto isso é verdade que essa “pacificação” tinha, e tem, como um de seus fundamentos, não prender bandidos. Ao contrário: o anúncio da “ocupação” dos morros é feito com grande antecedência para que dê tempo para a tigrada sair correndo — ou, então, para que se recolha à discrição. E isso sempre encantou os deslumbrados e os especialistas nos próprios preconceitos, vendidos como grandes sábios da segurança pública. Quando se ocupavam os morros sem dar um único tiro, aquilo lhes parecia poesia. ‘Ah, então você acha que tem de dar tiro?”, poderia perguntar um idiota. Não! Penso que atirar ou não é irrelevante como evidência da paz. Se o silêncio decorre de um pacto informal com a bandidagem, então não se tem paz, mas a guerra feita por outros meios. Como esquecer que, em 2010, a então candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, como se vê lá no alto, considerava que o Rio de Janeiro um exemplo a ser seguido. Para ela, ruim mesmo era a segurança em São Paulo. Escrevi naquele 2010 o óbvio: o Rio tinha, segundo o Mapa da Violência, 26,2 homicídios por 100 mil habitantes; São Paulo, 13,2. Hoje, essa diferença aumentou. Segundo o Anuário de Segurança Pública, São Paulo tem 633,1 presos por 100 mil habitantes com mais de 18 anos; no Rio, essa taxa é de 281,5. Na comparação, é evidente que o Rio prende pouco. E não menos evidente é a existência de uma relação proporcional entre taxa de reclusão e taxa de homicídios. A Bahia, o segundo estado que menos prende no Brasil (134,6 por 100 mil) — só perde para o Maranhão (128,5) —, tem uma taxa de homicídios de 40,7 por 100 mil habitantes, quase o quádruplo, hoje, da de São Paulo. Volto ao Rio. Os números e a realidade evidenciam que a política deliberada de não prender criminosos não funciona — ou funciona enquanto o crime organizado deixa. É claro que prender custa caro, dá trabalho e traz problemas novos. Mas ainda é o mais seguro a fazer. Os erros, as imposturas e o deslumbramento cobram agora o seu preço.

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