segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Caos do setor elétrico já custou mais de R$ 110 bilhões em quatro anos

No dia 7 de setembro de 2012, a então presidente Dilma Rousseff entrava em rede nacional para anunciar uma redução média de 20% na tarifa de energia dos brasileiros. Quase quatro anos após a aprovação da polêmica Medida Provisória 579, o saldo final para o setor elétrico e para os consumidores é um prejuízo que ultrapassa a casa dos R$ 100 bilhões – e que ainda deve crescer. Boa parte dessa conta caiu no colo do consumidor, que, ao contrário do que havia sido prometido, viu sua tarifa de energia explodir de lá para cá. Segundo cálculo do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a conta chega a R$ 111 bilhões. Já Roberto D’Araujo, do Instituto Ilumina, calcula que ela ultrapasse os R$ 160 bilhões. A maior fatia está relacionada justamente às indenizações ofertadas como contrapartida às empresas de geração e transmissão que aceitaram antecipar a renovação dos contratos. Também entram no cálculo, empréstimos feitos com um pool de bancos para socorrer o caixa das distribuidoras, que sofriam com a exposição involuntária ao mercado livre; o custo do chamado “déficit hídrico” das geradoras, aportes do Tesouro para ajudar a bancar as tarifa, além de uma série de outros custos decorrentes de medidas para tentar reequilibrar o setor.  Para entender porque a MP 579 foi um grande desastre para o setor elétrico é preciso voltar um pouco. A medida foi criada para promover uma redução média de 20% na tarifa de energia dos consumidores em troca da renovação antecipada das concessões das empresas, mas uma série de mudanças regulatórias – e dois imprevistos importantes – trouxeram efeitos danosos para o setor. O governo não contava, por exemplo, que cerca de 10 mil MW de energia ficariam de fora do pacote de renovações. A não adesão das concessionárias Cesp (SP), Cemig (MG) e Copel (PR) à proposta acabou deixando as distribuidoras de energia descontratadas em um curto espaço de tempo, justamente num momento em que o preço da energia no mercado à vista estava nas alturas. Isso porque, no ano em que a MP virou lei, em 2013, a falta de chuvas começava a comprometer o nível dos reservatórios e deteriorar as condições de geração de energia. A situação que já era ruim ficou ainda pior, obrigando o setor a recorrer às térmicas mais caras para garantir o abastecimento ao longo de 2013, 2014 e parte de 2015. “A MP 579 parte de um diagnóstico correto. A redução da tarifa de energia era necessária para promover a competitividade do setor, sobretudo da indústria. O problema é que ela coincidiu com problemas não previstos pelo governo, que foi ao extremo e tomou uma série de medidas equivocadas para respaldar sua decisão”, afirma Joisa Dutra, diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV/CERI). “Passaram-se quatro anos e ainda estamos falando dos efeitos da MP. Aquela redução artificial das tarifas agora é paga com juros, mas ninguém pediu que fosse dessa forma”, avalia Erik Eduardo Rego, analista da Consultoria Excelência Energética. Para Rego, o assunto da renovação das concessões era discutido há anos e o governo quis fazer a “toque de caixa”, com preços totalmente irreais. “Por mais que tivesse uma intenção positiva, foi tudo mal feito e mal conduzido. Depois vieram os remendos que resultaram numa bagunça regulatória sem precedentes”, acrescenta. O que veio depois foi uma sucessão de ações do governo para tentar saná-los. Mais de 40 medidas, entre portarias, regulamentações e decretos, foram editadas pelo governo depois da MP 579 para tentar reequilibrar as finanças do setor elétrico, lembra Joisa. Sem dinheiro para manter os aportes prometidos para subsidiar a redução na conta de luz, e pego no contrapé pela maior estiagem dos últimos anos, o governo foi obrigado a autorizar o repasse de parte dos custos bilionários para a tarifa. Resultado: no fim de 2014 a conta de luz dos brasileiros havia voltado ao patamar de antes do desconto. Só as bandeiras tarifárias, que entraram em vigor em janeiro de 2015 para cobrir o custo das distribuidoras com energia térmica, impactaram as tarifas em R$ 17,8 bilhões até março deste ano, segundo dados da Conta da Bandeira Tarifária. No Paraná, após uma queda de 22% em 2012 e 2013, a tarifa residencial da Copel, sofreu quatro reajustes, um deles extraordinário, acumulando alta de 104% no período. Segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), não é possível precisar, com exatidão, quanto, em valores, tarifas ao consumidor final cobrem dos custos do setor elétrico decorrentes do impacto da MP 579 e nem quanto desses custos são resultado da estiagem ou das mudanças regulatórias. O que se sabe é que essa conta será paga de duas formas: parte pelos consumidores, por meio das tarifas de energia, parte pelos contribuintes, em forma de tributos, no caso dos recursos que foram aportados pelo Tesouro. Até agora, as indenizações somam cerca de R$ 50 bilhões, R$ 37,9 bilhões da Transmissão e R$ 12 bilhões para as geradoras. Pela proposta original da MP 579, os ativos de transmissão anteriores ao ano 2000 não seriam indenizados, mas o governo voltou atrás e decidiu compensar as transmissoras. O acordo prevê que as empresas enviem ao governo laudos técnicos com estimativas do valor a ser indenizado. A ANEEL ainda não aprovou os Laudos de Avaliação das concessionárias CEEE GT, COPEL GT, CELG GT e há recurso administrativo sobre o valor da CTEEP. No entanto, os valores já aprovados somam R$ 20 bilhões, mas o saldo das reivindicações dessas empresas é de R$ 25 bilhões. No total, foram três empréstimos feitos com oito bancos por meio da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Em 2014 foram 17,8 bilhões divididos em duas etapas (R$ 11,2 bilhões e R$ 6,6 bilhões). Em 2015 foram aportados mais 3,4 bilhões. Colocando o valor aos juros acumulados durante o período de amortização dos empréstimos (até 2020) o total chega a R$ 39,1 bilhões, valor que passou a ser pago em 2015, por meio de encargos nas tarifas de energia. Esses recursos foram usados para cobrir a exposição involuntária das companhias ao mercado à vista, onde o preço da energia estava alto em função do elevado despacho térmico. Trata-se do custo do chamado “déficit hídrico” (diferença entre a energia que as hidrelétricas geraram e o que elas deveriam ter produzido para atender seus contratos) medido pelo GSF (Generation Scaling Sactor). Diante da falta de chuvas, as empresas tiveram de comprar energia mais cara no mercado à vista, gerando um rombo bilionário que se acumula desde 2014. A conta ultrapassou aos R$ 20 bilhões em 2015, quando foi editada a MP 688 que faz uma repactuação do risco hidrológico e prorroga as concessões hidrelétricas para compensar o prejuízo. Para ajudar a bancar a redução de 20% das tarifas, o governo prometeu uma contrapartida em aportes do Tesouro. Foram R$ 10 em 2014 e mais R$ 10 em 2015. Esse valor foi aportado a fundo perdido. Este custo não foi repassado ás tarifas de energia, mas ficou na conta no pagador de impostos. Previsto para seis de novembro, o leilão das 29 hidrelétricas que não participaram da renovação das concessões em 2013 projetava uma redução de 82% na tarifa média dessas usinas, o que traria um alívio de R$ 6 bilhões na conta de luz dos brasileiros. Mas o governo mudou as regras do certame e, além de aplicar uma tarifa mais elevada, vai cobrar das empresas vencedoras uma bonificação de outorga de R$ 17 bilhões, algo inédito desde a remodelação do setor, em 2004. O valor deve ser diluído na tarifa dos consumidores. Os cálculos que tentam dimensionar o rombo bilionário deixado pela MP 579 não incluem a perda de valor das companhias do setor, especialmente da Eletrobras, mas deveriam, argumenta Roberto D’Araujo, diretor do Ilumina. Usada para bancar a redução artificial das tarifas de energia, a empresa de capital aberto controlada pelo governo brasileiro perdeu 62% do seu valor de mercado. Em 2011, a Eletrobras valia R$ 26,5 bilhões. Seis anos depois, em maio de 2016, seu valor de mercado era de R$ 10,1 bilhões, uma desvalorização de R$ 16,3 bilhões, de acordo com dados da consultoria Economatica. A estatal federal foi a companhia com o maior número de ativos enquadrados pela MP 579. Na área de geração, 47,4% dos ativos da empresa foram afetados pela renovação das concessões; na transmissão, o índice chegou a 92%. “Esse déficit não me assusta, pois, apenas como exemplo de sumiço de receita, a tarifa de uma usina como Furnas caiu de R$ 90/MWh para R$ 8/MWh. Só na energia, redução de 90%”, afirma D’Araujo. Além de ser penalizada com tarifas baixas, que em muitos casos não cobrem os custos de operação e manutenção das usinas e linhas de transmissão, a indenização devida pelos ativos não amortizados também ficou abaixo do valor real desses ativos.  O setor elétrico como um todo perdeu R$ 48 bilhões valor de mercado nesse período, ressalta o professor Renato de Queiroz, pesquisador associado do Grupo de Economia da Energia (GEE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Depois de alcançar R$ 179,5 bilhões em valor de mercado em 2011, o setor atingiu seu pior momento em dezembro de 2015, quando as elétricas valiam R$ 117,8 bilhões. Neste ano, até maio, o setor elétrico registrava R$ 131,4 bilhões. Apesar da recuperação, o valor segue abaixo do patamar de 2012, antes da MP.

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