quinta-feira, 3 de março de 2016

Por unanimidade, STF coloca Cunha no banco dos réus


O peemedebista Eduardo Cunha (RJ), até o acordo de delação do senador Delcídio do Amaral (afastado do PT-MS) considerado o inimigo número 1 do governo Dilma Rousseff, tornou-se nesta quinta-feira o primeiro político com mandato réu em decorrência da Operação Lava Jato - e, de quebra, também o primeiro presidente da Câmara dos Deputados no exercício do mandato a responder a processo no Supremo Tribunal Federal. Homem-chave capaz de catalisar um novo pedido de impeachment de Dilma, desta vez vitaminado pelas revelações de Delcídio, Cunha passa a partir de hoje a se sentar no banco dos réus pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. As suspeitas são avassaladoras: ele teria recebido pelo menos 5 milhões de dólares em propina retiradas do contrato de um navio-sonda afretado pela Petrobras. A aceitação da denúncia contra ele se deu por unanimidade na corte. Esta é apenas a primeira denúncia que envolve Eduardo Cunha e as suspeitas de relações espúrias envolvendo contratos com a Petrobras. O deputado é alvo de outros dois inquéritos relacionados ao escândalo do petrolão que investigam se o parlamentar e a família usaram contas secretas na Suíça para esconder dinheiro de propina e se ele recebeu impressionantes 52 milhões de reais em propina de um consórcio formado por Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia no Porto Maravilha, projeto de revitalização da região portuária da cidade do Rio de Janeiro. Eduardo Cunha ainda é alvo de um pedido de afastamento do cargo formulado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sob a alegação de que ele usaria o cargo de deputado para atrapalhar as investigações da Lava Jato. Na primeira denúncia que apresentou contra Eduardo Cunha, o Ministério Público afirmou que o deputado interveio na "propinolândia" instalada na Petrobras depois de um problema no contrato do navio-sonda Vitoria 10000 e da consequente interrupção do propinoduto que irrigava suas contas. O procurador-geral descreveu que, entre junho de 2006 e outubro de 2012, Cunha pediu e aceitou propina de cerca de 15 milhões de dólares do lobista Julio Camargo por conta da contratação do navio-sonda Petrobras 10000 com o estaleiro Samsung Heavy Industries. Também estavam envolvidos na transação, entre outros, o operador Fernando Baiano e o ex-diretor de Área Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, que, como dirigente da petroleira, corroborou a transação fraudulenta. Entre fevereiro de 2007 e outubro de 2012, o MP elencou novas evidências de que o peemedebista, segundo na linha sucessória da presidente Dilma Rousseff, teria embolsado dinheiro sujo. Para os ministros do Supremo, no entanto, não foram reunidas evidências suficientes que possam incriminar o presidente da Câmara desde 2006, data da celebração do contrato do primeiro navio-sonda. Seguindo voto do relator, Teori Zavascki, os magistrados consideraram, por unanimidade, que existem, sim, indícios de que Eduardo Cunha tenha cometido os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas apenas a partir de 2009, quando conheceu o operador de propinas Fernando Baiano, que atuava como articulador na cobrança de dinheiro sujo envolvendo contratos com a Petrobras. Em outubro do ano passado, o procurador-geral fez uma complementação da denúncia e acrescentou trechos em que o próprio Baiano, delator da Lava Jato, confirma que Eduardo Cunha recebeu pelo menos 5 milhões de dólares em propina. No julgamento desta quinta-feira, o ministro Gilmar Mendes voltou a afirmar que as engrenagens do escândalo do petrolão evidenciam um "modo de governança no Brasil". Ele lembrou que, por "coincidência histórica", o atual advogado de Eduardo Cunha, Antonio Fernando de Souza, foi o procurador-geral da República na época da denúncia do mensalão e citou o escritor moçambicano Mia Couto para comparar os escândalos do mensalão e do petrolão. "O pior do passado é o que ainda está por vir. Os fatos hoje revelados revelam que os fatos de ontem não eram tão graves". Em um duro voto contra os sucessivos esquemas de corrupção no país, o decano da corte, Celso de Mello, resumiu: "Os fatos delituosos objeto de investigação e de persecução penais, no âmbito da Operação Lava Jato, nada mais constituem senão episódios criminosos, fragmentos delinquenciais que anteriores, simultâneos ou contemporâneos ou posteriores ao do denominado mensalão, compõem um vasto e ousado painel revelador do assalto e da tentativa de captura do Estado e de suas instituições por uma dada organização criminosa, identificada em ambos os contextos por elementos comuns tanto no chamado petrolão como no denominado mensalão". Mello também se remeteu ao histórico julgamento do mensalão e afirmou que "essa república democrática não tolera o poder que corrompe nem admite o poder que se deixa corromper". "A corrupção impregnou-se profundamente no tecido de entidades partidárias, contaminando o aparelho do Estado, se transformando em método e se caracterizando como conduta administrativa endêmica em claro (...) sinal de degradação da dignidade política", completou o ministro. "Os fatos parecem sugerir que ainda subsiste no âmago do aparelho estatal aquela estranha e profana aliança entre determinados setores do poder público, em um lado, e do poder privado, de outro, reunidos em um imoral sodalício com o objetivo perverso e ilícito de cometer uma pluralidade de ilícitos. As investigações (...) da Operação Lava Jato (...) tem por objeto uma vasta organização criminosa de projeção tentacular e de dimensão nacional, estruturalmente ordenada em níveis hierárquicos próprios", disse Celso de Mello. Celso de Mello ressaltou ainda que a decisão de aceitar denúncia contra o presidente da Câmara dos Deputados não significa que o Supremo está a criminalizar a atividade política. Em um discurso alinhado com o proferido pela força-tarefa da Lava Jato, o decano afirmou que "a corrupção deforma o sentido republicano da prática política, afeta a integridade dos valores que dão significado ao valor de republicano, frustra o valor das instituições, compromete a execução de políticas públicas em áreas sensíveis, como saúde e educação, além de vulnerar o princípio democrático". Correligionária de Eduardo Cunha, a ex-deputada federal Solange Almeida, atual prefeita de Rio Bonito (RJ), também se tornou ré no julgamento no STF. Segundo o Ministério Público, na transação para que o propinoduto de Eduardo Cunha estivesse sempre abastecido, Solange passou a apresentar, na Câmara dos Deputados, requerimentos com pedidos de informação sobre os dois contratos da Samsung Heavy Industries, perante a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara, como forma de pressionar o lobista Julio Camargo a retomar pagamentos de propina. Nos documentos datados de 2011, por exemplo, Solange Almeida, aliada de Cunha, solicitou ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao então ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA) dados de contratos, auditorias, aditivos e licitações que envolviam "o Grupo Mitsui com a Petrobras ou qualquer das suas subsidiárias no Brasil ou no Exterior". Os requerimentos comprovariam, na avaliação do Ministério Público, que aliados de Cunha fizeram pressão política sobre a Mitsui e o lobista Julio Camargo depois de supostos atrasos no repasse de dinheiro sujo. Os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes foram os únicos que votaram contra o recebimento da denúncia em relação à prefeita.

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