segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Odebrecht está conduzindo mais de 40 obras na Venezuela, em Angola e no Panamá

Em depoimento à Polícia Federal, a mulher do marqueteiro João Santana, Mônica Moura, admite ter recebido pagamentos em conta no Exterior via caixa dois. Segundo investigação da Operação Lava Jato, o casal recebeu US$ 7,5 milhões ilegalmente. Ela justifica que os repasses, vindos da Odebrecht e do lobista Zwi Skornicki, são referentes a campanhas eleitorais de Santana no Exterior - na Venezuela, no Panamá e em Angola. A empreiteira, cujo dono, Marcelo Odebrecht, está preso desde junho, é responsável por mais de 40 obras nos três países. Poucas empresas privadas tiveram relação tão intensa com o governo chavista como a Odebrecht. Os laços eram tão grandes que, em 2008, o então presidente Hugo Chávez chegou a contrariar publicamente seu colega e aliado equatoriano, Rafael Correa, que andava às voltas com a empreiteira brasileira por suposta negligência na construção de uma represa. "A Odebrecht é uma empresa amiga e, na Venezuela, se portou extraordinariamente bem. Quero fazer este reconhecimento", disse Chávez, em uma de suas frequentes viagens ao Brasil. O valor acumulado dos contratos da Odebrecht na Venezuela é avaliado pela agência Bloomberg em US$ 25 bilhões. Hoje, porém, a parceria se tornou sinônimo de abandono e dívidas bilionárias. Dos 32 projetos assinados desde 2000, a Odebrecht conclui apenas nove, segundo levantamento do braço venezuelano da ONG Transparencia. Os demais estão parados ou acumulam anos de atraso. Alguns não chegaram sequer a ser iniciados. Por toda a Venezuela há canteiros abandonados onde ainda se vê o logo da empreiteira estampado em muros de segurança ou guindastes. Alguns dos mais emblemáticos estão situados nos arredores de Caracas, como as enormes colunas de concreto que sustentariam os trilhos da linha de metrô Guarenas-Guatire, cidades-dormitório a leste da capital. A obra deveria ter sido inaugurada ao final de 2013. O presidente Nicolás Maduro inaugurou, em dezembro, um trecho simbólico ligando apenas duas das dez estações previstas para a linha. "Lhes juro que, em 2016, vocês terão seu serviço de trem", disse Maduro. Os atrasos se devem principalmente à dificuldade de o governo venezuelano honrar pagamentos. Caracas afunda desde 2013 numa crise econômica atribuída à má gestão que se agravou no ano seguinte com a degringolada dos preços petroleiros, sua virtual única fonte de dólares. A relação com o governo venezuelano já havia ficado estremecida quando um dos representantes da Odebrecht na Venezuela foi cobrado por ter mantido contatos com a oposição em 2012, segundo pessoas familiarizadas com o tema. A empresa já reduziu substancialmente seu número de funcionários e ainda negocia, com amparo da Embaixada do Brasil, maneiras de obter pagamentos. No Panamá, em 12 anos, a Odebrecht participou de 17 obras públicas e se tornou a maior construtora do país caribenho, que, por sua vez, é a terceira maior operação da Odebrecht na América Latina fora do Brasil. Desses projetos, nove foram feitos ou estão em execução na Cidade do Panamá. As obras vão de saneamento à expansão do aeroporto, passando por duas linhas de metrô. Na segunda maior cidade do país, Colón, a empreiteira venceu, em junho do ano passado, licitação para remodelar o centro. No interior do Panamá, fez estradas e uma hidrelétrica. Em maio de 2011, o ex-presidente Lula visitou o país a convite da Odebrecht. Na agenda, visitas a obras da empresa com ministros, o presidente Ricardo Martinelli e a primeira-dama. Telegramas do Itamaraty revelaram que Lula prometeu levar três pedidos a Dilma, após a viagem: maior presença da Petrobras no Panamá, um encontro entre os ministros dos dois países e a criação de um centro de manutenção da Embraer. A licitação da primeira linha de metrô da Cidade do Panamá, vencida pela Odebrecht em 2010, é alvo de investigação da Procuradoria Antimafia da Itália. A suspeita é de que houve fraude no processo e pagamento de propina ao italiano Valter Lavitola, que era próximo do ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi. Uma empresa italiana, a Impregilo, competia com a Odebrecht. Mesmo apresentando uma proposta US$ 50 milhões mais barata, a Impreglio perdeu a licitação. No curso da obra do metrô, concluída em 2014, foram feitos três aditivos, que elevaram seu custo a US$ 2 bilhões. Em geral, empresas e países têm relação de parceria. O elo entre Odebrecht e Angola é caso raríssimo de um Estado que tem uma dívida política com uma companhia privada. A construtora brasileira foi uma das raríssimas empresas a se manter fiel ao governo angolano durante a longa guerra civil no país africano, que durou de 1975 até 2002 (com um breve intervalo no início dos anos 1990). Enquanto outros saíam, amedrontados com a segurança de suas instalações, a Odebrecht caiu nas graças do ditador comunista José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979, por continuar atuando na construção de infraestrutura energética e de transportes. Em Angola, a Odebrecht é a maior empregadora privada. Já chegou a ter cerca de 20 mil trabalhadores contratados, nas diversas obras que toca, embora esse número tenha se reduzido nos últimos meses, em razão da crise econômica por que passa o país africano. A Odebrecht é parceira estratégica do governo. Em nome dessa relação, aceita tocar empreendimentos no sacrifício, fora de sua área de especialização, para quebrar um galho para o presidente. Um exemplo eloquente é a rede de supermercados Nosso Super. Administrar o comércio varejista nunca passou perto de ser a especialidade da empresa brasileira, mas quando o Nosso Super, então um empreendimento estatal, fracassou no início da década, o presidente recorreu à Odebrecht para ressuscitá-lo. E assim foi feito: hoje, a Odebrecht, além de se preocupar em construir grandes obras viárias e energéticas, tem de lidar também com o preço de frutas e verduras. Outro exemplo é a Biocom, usina de açúcar e álcool que é a menina dos olhos do governo para tentar diversificar a economia, excessivamente dependente de petróleo. De novo, a Odebrecht foi chamada a tocar o negócio, nesse caso em sociedade com um influente general. E há os diamantes, segunda fonte de riqueza do país, que a Odebrecht escava numa mina no leste do país, em parceria com outras grandes companhias. Nada porém, se equipara ao domínio da empresa sobre sua especialidade, as obras gigantescas. A usina hidrelétrica de Laúca, uma das maiores obras do continente, é da Odebrecht, ao custo de US$ 4 bilhões. O país está em crise com a queda do preço do petróleo, mas para essa obra, o dinheiro está garantido. 

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