quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Cunha e Maquiavel. Ou ainda: Dilma e o mal aos poucos. Ou mais: Dilma preferiu ser amada a ser respeitada

Olhem aqui. Essa história de que Maquiavel dava bons conselhos não é verdade… Pode-se apreciar o seu realismo, mas não se pode condescender, quando se é decente, com o cinismo de suas postulações. A única lição virtuosa que há em “O Príncipe” quando não se é o príncipe é, pois, o apreço à realidade. O fato de o autor ser um antídoto e tanto contra o idealismo tolo não faz dele um bom guia moral. De resto, há por aí muitas inteligências em busca de um caráter e muita gente de bom caráter em busca de uma inteligência. Convém não confundir as coisas. Ou você acaba entregando uma ONG franciscana para ser administrada por João Vaccari Neto e um país para ser governador por um monge franciscano. Qual dos dois oferecerá um bom resultado? Nenhum! Por que essas considerações? Eduardo Cunha (PMD-RJ), presidente da Câmara, de modo ferino, tirou um sarrinho muito procedente do governo Dilma nesta quarta. Afirmou, ao rejeitar o aumento de impostos, que o governo aplica Maquiavel ao contrário. Disse ele: “Acho que é uma estratégia de desgaste do governo. Eles (governo) estão se autodestruindo, porque você está fazendo Maquiavel ao contrário, está fazendo o mal aos poucos e o que é pior: sem concretizá-lo. Você ameaça o mal. Então, é de uma falta de inteligência inominável. Só pode ser uma estratégia contra o governo. Se isso é uma estratégia de lançar balão de ensaio, é contra ele mesmo”. Cunha se referia a uma das passagens mais citadas do livro “O Príncipe”, de Maquiavel: a conclusão do Capítulo VIII. Ali o pensador dá a seguinte dica ao governante, prestem atenção!:
“Por isso é de notar-se que, ao ocupar um Estado, deve o conquistador exercer todas aquelas ofensas que se lhe tornem necessárias, fazendo-as todas a um tempo só para não precisar renová-las a cada dia e poder, assim, dar segurança aos homens e conquistá-los com benefícios. Quem age diversamente, ou por timidez ou por mau conselho, tem sempre necessidade de conservar a faca na mão, não podendo nunca confiar em seus súditos, pois que estes nele também não podem ter confiança diante das novas e contínuas injúrias. Portanto, as ofensas devem ser feitas todas de uma só vez, a fim de que, pouco degustadas, ofendam menos, ao passo que os benefícios devem ser feitos aos poucos, para que sejam mais bem apreciados. Acima de tudo, um príncipe deve viver com seus súditos de modo que nenhum acidente, bom ou mau, o faça variar: porque, surgindo pelos tempos adversos a necessidade, não estarás em tempo de fazer o mal, e o bem que tu fizeres não te será útil eis que, julgado forçado, não trará gratidão.”
Vamos dar de barato que aquilo que Maquiavel chama “ofensa” seja o tal “remédio amargo” a que se referiu Dilma — isto é, correção dos desastres que ela mesma perpetrou na economia. Pois é… A mudança deveria ter sido operada lá atrás, em 2012. Não foi. Agora, o governo, de modo patético, busca saídas desesperadas para fechar as contas. A cada dia, temos uma ameaça — que, como destacou Cunha, acabam nem se cumprindo. Não é que o governo se mostre incapaz apenas de fazer o bem. Ele também não consegue aplicar medidas que certamente não serão do agrado do público. Se o assunto é Maquiavel, talvez conviesse sugerir aos petistas a leitura de outro capítulo de “O Príncipe”, também muito apreciado: o XVII. Ali Maquiavel indaga e responde se é melhor ser amado do que temido ou o contrário. Recomenda:
“O príncipe, contudo, deve ser lento no crer e no agir, não se alarmar por si mesmo e proceder por forma equilibrada, com prudência e humanidade, buscando evitar que a excessiva confiança o torne incauto e a demasiada desconfiança o faça intolerável. Nasce daí uma questão: se é melhor ser amado que temido ou o contrário. A resposta é de que seria necessário ser uma coisa e outra; mas, como é difícil reuni-las, em tendo que faltar uma das duas é muito mais seguro ser temido do que amado. Isso porque dos homens pode-se dizer, geralmente, que são ingratos, volúveis, simuladores, tementes do perigo, ambiciosos de ganho; e, enquanto lhes fizeres bem, são todos teus, oferecem-te o próprio sangue, os bens, a vida, os filhos, desde que, como se disse acima, a necessidade esteja longe de ti; quando esta se avizinha, porém, revoltam-se. E o príncipe que confiou inteiramente em suas palavras, encontrando-se destituído de outros meios de defesa, está perdido: as amizades que se adquirem por dinheiro, e não pela grandeza e nobreza de alma, são compradas mas com elas não se pode contar e, no momento oportuno, não se torna possível utilizá-las. E os homens têm menos escrúpulo em ofender a alguém que se faça amar do que a quem se faça temer, posto que a amizade é mantida por um vínculo de obrigação que, por serem os homens maus, é quebrado em cada oportunidade que a eles convenha; mas o temor é mantido pelo receio de castigo que jamais se abandona.”
Pois é… Imagino Dilma lendo essas palavras. Na democracia, é possível falar em um príncipe que seja “amado”, mas não se pode aceitar um que seja “temido” porque, para ele, não há lugar. A menos que esse temor nasça da observância estrita das leis, também elas democráticas, de que esse governante se fizesse procurador. A pergunta civilizada no nosso tempo poderia até encontrar uma contradição entre “ser amado” e “ser respeitado”. O petismo escolheu durante um largo período ser “amado” — parecia-lhe melhor e eleitoralmente e mais eficaz do que ser respeitado. Ainda que eu não partilhe do pessimismo de Maquiavel sobre a natureza humana, tenho como certo que o amor interessado é bem mais frágil e fugaz do que o respeito. Dilma achou preferível, no seu primeiro mandato, ser amada a ser respeitada. A receita desandou, e o amor se foi. Não havia o respeito para ocupar o seu lugar. E isso não tem volta. Maquiavel não pode nunca ser um guia moral. Ele tem de ser é um instrutor da inteligência. E isso é tudo o que falta ao governo Dilma. Por Reinaldo Azevedo

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