quarta-feira, 13 de maio de 2015

Uma sabatina como nunca houve. Ou: Em quase 13 horas, Fachin cobriu com glacê retórico suas posições radicais. Ou: Do hábito de levar a vida de joelhos. Ou ainda: Senado e Fachin tiveram de trabalhar

Algumas vozes da política brasileira insistem em nos empurrar para o desânimo, mas a gente não cede. E não em razão daquela tolice do “sou brasileiro e não desisto nunca”. Fosse só por isso, eu já teria desistido faz tempo. Eu insisto apenas porque acho que estou certo. Ponto. Uns bobalhões vieram perturbar no blog com o placar de 20 a 7 na CCJ em favor de Luiz Edson Fachin, como se fosse inesperado, e apontar o que chamam a “derrota de Reinaldo Azevedo”. Vamos ver. Em primeiro lugar, é o plenário que aprova a indicação, não a CCJ. E a votação só será no dia 19. Em segundo lugar, eu, pessoalmente, não ganho nem perco nada. Em terceiro lugar, fosse o caso de pesar perdas e ganhos, ganhei e ganhamos. Ganhei porque foi este blog que revelou ao País o que pensa Fachin. Convenham: não fosse a minha iniciativa, o debate nem teria começado. E isso é apenas um fato. E ganhamos como País porque, finalmente, se fez uma sabatina de verdade. Com o perdão da imodéstia: sem esta página, o advogado não teria ficado mais de 11 horas se explicando, numa sessão que durou quase 13, ainda que alguns senadores fizessem questão de ficar de joelhos quando tiravam as mãos do chão. Sugiro que troquem a cadeira por almofadas. Deve facilitar o trabalho da genuflexão. Uma das razões que explicam ser este um País rico com uma esmagadora maioria de pobres — que Dilma e os petistas chamam “classe média” — é o ódio que se tem à clareza, ao “pão, pão”, “queijo, queijo”. Alguns acham natural que três senadores do Paraná, porque do Paraná, de partidos distintos, se alinhem com um candidato ao Supremo que leva a marca do Estado. Refiro-me a Alvaro Dias (PSDB), Roberto Requião (PMDB) e Gleisi Hoffmann (PT), enroscada na operação Lava Jato. Ela ainda aproveitou para louvar a amizade com a desembargadora Rosana Fachin, mulher do candidato ao tribunal. Ali estava o País cordial de “Raízes do Brasil”, em que o privado e o público se estreitam num abraço insano. Ali estava, em suma, o País de “Casa Grande & Senzala”. Busquem o vídeo ou a transcrição das respostas de Fachin. Ele só conseguiu ser claro em uma questão: o aborto. E, ainda assim, falou contra o procedimento em si. Ocorre que nem os mais fanáticos defensores da descriminação da prática se dizem favoráveis a ela. Advogam é o direito natural que teria a mulher de interromper a gravidez. As palavras têm sentido. E eu me apego a elas. Fachin reviu o que pensa sobre direito de propriedade? Não! Ele se limitou a evocar a Constituição. Afinal, o Inciso II do Artigo 185 deixa claro que a propriedade produtiva é insuscetível de reforma agrária. ELE NÃO RENEGOU O ARTIGO QUE ESCREVEU EM 1986 EM QUE DEFENDE CONFISCO DE TERRAS E EXPROPRIAÇÃO DE ÁREAS PRODUTIVAS. ESCONDEU-SE NA CONSTITUIÇÃO PARA ESCONDER O PRÓPRIO PENSAMENTO. Com habilidade, lembrou que o Artigo 5º, um das cláusulas pétreas da Carta, garante o direito à propriedade no seu caput. É verdade. Mas o Inciso XXIII do mesmo artigo a condiciona à “função social”. Ora, de um Plano Nacional de Direitos Humanos ao Código de Processo Civil, quantas são as tentativas de, na prática, impedir um juiz de conceder uma liminar de reintegração de posse? Fui rever boa parte das respostas do candidato sobre direito de família. À diferença do que parece — com seu ar muito pio, acompanhado dos seus, o netinho inclusive —, ele não renegou as suas teorias exóticas sobre o direito de família, mas as relegou à condição de querelas acadêmicas. O teórico das famílias múltiplas e dos direitos de amante se disse, segundo entendi, um monogamista pessoal, mas aberto à diversidade. Fosse por sua iniciativa, o Brasil já teria incorporado em suas leis o conceito de “famílias simultâneas” e de “multiparentalidade”. Para quem se apega ao sentido das palavras, ficou claro que o doutor é contra a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, chegando a flertar com a possibilidade de que o limite vigente seja uma cláusula pétrea — imutável, pois —, o que só pode ser piada. E se disse, sim, favorável à chamada — vale dizer: dentro das igrejas. Fora delas, seria, então, “homofobia”… E sobre a possibilidade de a presidente da República ser denunciada ou processada por crime de responsabilidade? Ele disse seguir o que está no Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição: “§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções". Pois é… Um crime de responsabilidade cometido por um presidente no primeiro mandato seria “estranho” à sua função quando ele emenda um segundo? Fachin tergiversou. Tivesse respondido, não teria feito nada demais porque lhe foi cobrado que falasse em tese. Nunca houve uma sabatina como a desta terça-feira, está claro. Mas não está menos claro que, sob o manto da cordialidade, Fachin ensaiou algumas abjurações para, no fim das contas, referendar o que pensa sobre propriedade e direito da família. E, por óbvio, restou sem resposta a sua dupla militância no Paraná, como procurador e como advogado, quando isso era proibido por lei e pela Constituição do Estado. A sua explicação, qualquer um sabe disto, chega a ser desastrada. A maioria do Senado dirá no dia 19 se Fachin conseguiu, com seu glacê retórico, cobrir a substância do seu pensamento, que segue intacta. Vamos ser claros: ele tem todo o direito de tentar passar mel da boca dos senadores. Estes só lambem os beiços se for de sua vontade. Por Reinaldo Azevedo

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