quinta-feira, 19 de março de 2015

Sócio da Engevix admite que empresa pagou propina de R$ 10 milhões: “Foi extorsão”

Por David Friedlander, na Folha:

O empresário Cristiano Kok, presidente do conselho de administração da empreiteira Engevix, admite que pagou cerca de R$ 10 milhões em propina para o doleiro Alberto Youssef e diz ter feito isso para receber pelas obras que fazia para a Petrobras. “Os políticos aparelharam a Petrobras para arrancar dinheiro das empreiteiras. Foi extorsão”, disse Kok, 69, em entrevista à Folha. “Agora, será que alguma empresa poderia ter denunciado que estava sendo extorquida pelo Paulo Roberto [Costa, ex-diretor da Petrobras]? No mundo real não dá para fazer isso.” Acusada de participar do esquema de corrupção descoberto na Petrobras pela Operação Lava Jato, a Engevix está sendo processada por improbidade administrativa. O Ministério Público pede indenização de R$ 538 milhões pelos supostos delitos. Entre os executivos processados, está um dos sócios da empreiteira, Gerson Almada, preso há mais de 120 dias. Empreiteira de tradição no setor, a Engevix hoje corre o risco de quebrar. Com várias empresas do grupo à venda para pagar dívidas, Kok conta que passou a rezar para pedir ajuda divina. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Folha – Ao todo, quanto vocês pagaram de propina nos contratos da Petrobras?
Cristiano Kok
 - Foram R$ 6 milhões a R$ 7 milhões num contrato de R$ 700 milhões da refinaria Abreu e Lima, e mais uns R$ 3 milhões na refinaria de Cubatão. Pagamos em prestações mensais para três empresas do Alberto Youssef, como se fosse prestação de serviços. Quando começou a Lava Jato, ficamos sem dinheiro e paramos tudo. Só que Youssef tinha duplicatas assinadas por nós e as descontou no banco. O banco veio atrás e tivemos que pagar para não ficar com o nome sujo.
Para quem ia o dinheiro?Não sei. José Janene [ex-deputado do PP] indicou o Youssef e ele dizia: ‘Paga isso aqui, paga aquilo ali’. Não sei para onde o dinheiro ia e só soube que as empresas eram do Youssef muito depois.
O sr. não desconfiava que o dinheiro era para políticos?Como a indicação do Youssef foi política, evidentemente ele falava em nome do partido [PP]. Mas para quem ele mandou dinheiro eu não sei.
A propina era para ganhar contratos na Petrobras?Era para não ser prejudicado nos pagamentos de aditivos [aos contratos] e das medições da obra. Os contratos a gente ganhou por licitação. Mas, para receber em dia, e ter as medições aprovadas, tem que pagar comissão, taxa de facilitação, propina, chame do que você quiser. Você começa a obra, monta equipe, se instala, sua um pouquinho e aí começam a aparecer as dificuldades para receber. Era chantagem mesmo. Extorsão.
E as outras empresas, pagavam para ganhar obras?Não sei dizer a razão delas. Cada caso é um caso.
O sr. tem um sócio na cadeia há mais de 120 dias, está com o nome sujo e precisa vender quase tudo para pagar dívidas. O que passa pela sua cabeça?Minha resposta imediata seria dizer que foi tudo um absurdo, não devia ter participado. Mas era fazer isso ou ficar sem serviço. As empresas cometeram erros e estão pagando um preço altíssimo por um processo de extorsão. Agora, será que alguma empresa poderia ter denunciado que estava sendo extorquida pelo Paulo Roberto [Costa, ex-diretor da Petrobras]? No mundo real não dá para fazer isso. Você sai do mercado, seu contrato é cancelado, vão comer teu fígado.
O governo diz que a Petrobras foi vítima de…Foi vítima de má gestão. Os políticos aparelharam essa máquina com gestores incompetentes, para obter vantagens pessoais ou para seus partidos. A versão que tem sido divulgada é que a Petrobras foi assaltada por um bando de empreiteiras. A verdade é que os políticos aparelharam a Petrobras para arrancar dinheiro das empreiteiras.
O Ministério Público afirma que as doações de campanha também são pagamento de propina, só que disfarçado.Nunca pagamos doação de campanha para ganhar contratos ou fazer obras. Na última semana de campanha, por exemplo, o tesoureiro da Dilma [Edinho Silva] saiu pedindo dinheiro para todos, e contribuímos com R$ 3 milhões. Tudo registrado. Agora, evidentemente, quando você apoia um partido ou um candidato, no futuro eles vão procurar ajudá-lo de alguma forma, não tenha dúvida. É política de boa vizinhança.
(…)
Vocês combinavam a divisão das obras entre as empresas?Eu não participei disso. Mas havia, digamos assim, uma certa organização para que uma empresa que já estava trabalhando numa determinada refinaria continuasse lá, porque não tem sentido trocar por outra. A Petrobras poderia fazer isso, mas deixava para o mercado.
Isso não é cartel?Num cartel, um grupo de empresas se organiza para combinar os preços do mercado. No caso da Petrobras, ela é a única compradora, ela estabelece preço e ela escolhe quem participa. Não há a menor chance de entrar numa obra se ela não quiser.
O contrato da Engevix com o ex-ministro José Dirceu também era para pagar propina?Nunca foi propina. Dirceu foi contratado pelo relacionamento que tinha no Peru, em Cuba e na África. Tínhamos interesse nesses mercados, mas não houve resultados. O contrato era em torno de R$ 1 milhão, não sei exatamente. Fizemos outro contrato com o Paulo Roberto Costa depois que ele saiu da Petrobras. Eram R$ 30 mil por mês, para consultoria.
Quem é Milton Pascowitch, que seu sócio Gerson Almada citou em depoimento como uma ponte com o PT?Milton atua conosco há mais de 15 anos. Tem um relacionamento forte com o PT e disse para o Gerson que podia ajudar no relacionamento com o partido. Foram feitos contratos com ele para fazer esse relacionamento. Era uma relação de lobby, nunca para pagamento de propina. (…)

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