terça-feira, 10 de março de 2015

Barusco em Brasília – Um relato sobre a banalidade da roubalheira

É claro que pego carona em “Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal”, de Hannah Arendt, que registra a sua percepção sobre o carrasco nazista durante o seu julgamento em Israel, depois de ter sido sequestrado na Argentina, em 1960, para onde havia fugido, e conduzido a julgamento. Não estou, é evidente, estabelecendo uma comparação na escala do horror. Seria um absurdo. Meu ponto é outro. O livro de Hannah Arendt gerou algumas incompreensões — despropositadas, como todas. Alguns entenderam que ela deitou um olhar condescendente sobre o monstro que estava no banco dos réus. Bobagem! O que a espantava era o fato de que, à sua frente, não estava o que parecia ser um gênio do mal, um ser bilioso ou atrabiliário. Também não era um ideólogo, um prosélito, um convicto, um belicoso. Tratava-se, em suma, de um homem comum, medíocre, de um burocrata do mal. E só. Aquele que seria o defeito do livro — os relevos pobremente humanos de Eichmann — resumia, na verdade, o seu real valor. As sociedades livres são permeáveis a essa degeneração. Os que servem aos piores regimes não estão necessariamente comprometidos com as suas teses. Por isso, meus caros — e aqui sou eu, não Hannah Arendt —, é preciso cuidar da educação das elites políticas. E, nesse caso, não emprego “elite” no sentido miseravelmente deturpado por Lula e a escória de pensadores que o justificam. Volto agora a Barusco. Acompanho o seu depoimento na CPI. Um senhor com aparência respeitável. Ali está um homem comum. É possível que tenha senso de decoro para as pequenas coisas do cotidiano. Quem sabe goste de animais… Se flagrar uma injustiça no seu caminho, talvez intervenha. Suponho que um conhecido seu em dificuldades pode merecer a sua ajuda. Mas com que fluidez, com que precisão burocrática, com que sem-cerimônia que parece rotineira, quase cartorial, ele vai desfiando as irregularidades, listando-as, mostrando como funcionava o esquema criminoso. A sem-vergonhice já havia sido metabolizada pelo sistema, como se nada de mau ocorresse por lá; como se fosse natural que a Petrobras servisse a um esquema de poder e fizesse a felicidade material daqueles que estavam associados à quadrilha. Talvez os vizinhos de Barusco alimentassem alguma dúvida sobre o seu progresso material — embora ele guardasse no exterior a imensa fortuna amealhada com o roubo. Alguns devem tê-lo convidado para o churrasco no fim de semana, ignorando que ele era peça de um esquema que sangra os cofres públicos, de maneira determinada, desde 2003. Ele próprio, confessou, entrou no ramo um pouco antes: em 1997. Mas servindo, nesse caso, apenas a si mesmo. Entenderam, leitores, por que precisamos de instituições sólidas? É claro que os homens fazem as suas escolhas. É claro que os indivíduos podem fazer a diferença. No mais das vezes, delinquir ou não delinquir é matéria de escolha pessoal, sim. Ocorre que é impossível um tribunal público investigar o fundo de cada consciência. Por essa razão, precisamos ter modelos de gestão pública que diminuam a margem de arbítrio de pessoas e grupos organizados. É por isso que as instituições têm de ser imparciais. É por isso que elas não podem ser assaltadas por grupos organizados. É por isso que elas não podem ser aparelhadas. Para que os justificadores do mal não contem com a colaboração interessada de funcionários como Pedro Barusco. Ele é a banalidade da corrupção. Dilma voltou a ser vaiada, desta feita em São Paulo. Os que protestavam gritavam “Fora PT”. Parece que os brasileiros estão aprendendo alguma coisa. Parecem compreender que, tão importante como responsabilizar o criminoso em si, é denunciar o esquema que o suporta. Temos de buscar uma sociedade em que banal seja cumprir as leis democraticamente pactuadas. Por Reinaldo Azevedo

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