terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A Odebrecht, o vazamento e o direito de defesa

As causas fáceis são fáceis. Prefiro as difíceis porque difíceis. De resto, uma boa briga nunca fará mal a ninguém, certo? Veio a público o conteúdo de um depoimento — sigiloso! — de Paulo Roberto Costa, segundo o qual ele próprio recebeu US$ 23 milhões de propina paga pela Odebrecht por meio de um doleiro do Rio de Janeiro, identificado como Bernardo Freiburghaus. O dinheiro teria servido para que Paulo Roberto Costa facilitasse contratos entre a empreiteira e a Petrobras em 2009.

Muito bem! Nesta segunda-feira, a Odebrecht criticou, em petição assinada pelos advogados Dora Cavalcanti Cordani e Augusto de Arruda Botelho “os violadores de sigilo”, que fazem “troça” do Código Penal. Segundo o texto, “há muito (os violadores) atuam impunemente (e) agora parecem desafiar a autoridade” do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR).
Vamos lá. Todos temos o direito de achar que a Odebrecht está apenas exercendo o famoso “jus sperneandi”. Mais do que isso: temos também o direito de considerar que empreiteiras não são santas. Ou mais do que isso: que são todas culpadas. Só que cumpre aqui observar uma coisa — e não será a primeira vez que trato desse assunto.
A Odebrecht, culpada ou inocente, não teve acesso ao conteúdo dos depoimentos de Paulo Roberto Costa, prestados no âmbito da delação premiada. Aí, meus caros, com efeito, as coisas se complicam: a acusação chega à imprensa, mas o acusado nem sabe do que se defender. E esse, definitivamente, não é um bom procedimento.
A empreiteira que se vire. Tem bons advogados e não precisa de mim. Mas eu sou um antigo crítico dessa prática. Lembram-se da história do Cade, por exemplo? Os vazamentos indicavam a formação de cartel, dizia-se que tinha ocorrido “nas gestões tucanas em São Paulo”, mas o governo, ele próprio, não tinha acesso ao acordo de leniência e não sabia do que estava sendo acusado. É claro que as coisas não podem se dar desse modo.
Sim, claro!, podemos achar que empreiteiras são pérfidas por natureza e que merecem esse tratamento. Ocorre que, se isso vira uma prática, todos nós estaremos à mercê. “Não tem receio de escrever isso, Reinaldo?” Não! Nem agora nem nunca. É um pressuposto do estado de direito alguém saber do que está sendo acusado. A menos que se considere que o direito de acusar é superior ao de se defender. Ou que pessoas e empresas são culpadas antes do julgamento. Só nas tiranias é assim.
Eu sou favorável ao processo da delação premiada — desde que devidamente disciplinado (para que bandidos não se tornem santos…). Mas também sou favorável ao direito de defesa — inclusive o das empreiteiras. Nota: não estou defendendo que jornalistas deixem de publicar isso ou aquilo. Eles não são guardiães do sigilo.
Sérgio Moro diz que mandou investigar o vazamento, mas observou que, às vezes, “confunde-se ‘vazamento’ com publicidade do processo”. Bem, não é o caso. A acusação contra a Odebrecht está no grupo dos depoimentos considerados sigilosos. Ah, sim: ninguém encontrará neste blog a defesa de vazamentos de processos que correm ou corriam em sigilo nem contra petistas. Princípio não tem cor partidária ou ideologia.
Se houver algum furo técnico, lógico ou legal no meu argumento, lerei com prazer. Por Reinaldo Azevedo

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