quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Janot tem um ataque de populismo politicamente correto e pede investigação sobre a fala de Fidelix a respeito do casamento gay. Sabem o que é isso? Ódio à liberdade de expressão disfarçado de tolerância…

Ai, ai, que chatice! No Brasil, há um monte de gente favorável à liberdade de expressão desde que não seja contrariada. É o fim da picada ter de cuidar desse assunto quando o que está em pauta é uma fala de Levy Fidelix, aquele senhor que preside o tal PRTB e se candidata sempre para não ganhar nunca. Indagado no debate da TV Record sobre o casamento gay, disse lá uma porção de sandices. Mas não cometeu crime nenhum. A menos que a Constituição dos que o acusam seja outra. O vídeo está aqui.

Cadê o crime? Transcrevo de novo o que disse:– “dois iguais não fazem filho”;.
– “aparelho excretor não reproduz”;
– “como é que pode um pai de família, um avô, ficar aqui, escorado (?), com medo de perder voto? Prefiro não ter esses votos, mas ser um pai, um avô, que tem vergonha na cara, que instrua seu filho, que instrua seu neto”;
– “eu vi agora o papa, o Santo Padre, expurgar, fez muito bem, do Vaticano um pedófilo”;
– “que façam um bom proveito se quiserem fazer de continuar como estão, mas eu, presidente da República, não vou estimular. Se está na lei, que fique como está, mas estimular, jamais!, a união homoafetiva”;
– “Luciana, o Brasil tem 200 milhões de habitantes. Se começarmos a estimular isso aí, daqui a pouco vai reduzir para 100 [milhões]. Vai para Paulista, anda lá e vê. É feio o negócio, né?”;
– “esses que têm esses problemas, que sejam atendidos no plano afetivo, psicológico, mas bem longe da gente, porque aqui não dá”.
Pois não é que Rodrigo Janot, procurador-geral da República, resolveu ter um ataque de populismo politicamente correto — um populismo muito particular porque voltado para minorais de opinião — e determinou a abertura de uma investigação para definir se Fidelix cometeu algum crime? A partir dessa decisão, o candidato passou a ter 24 horas para apresentar explicações.
Leio na Folha que, para Janot, “ser contrário à união homossexual ou até mesmo contra os homossexuais é uma opinião protegida pela liberdade de expressão. Ele ponderou, contudo, que incitar o enfrentamento não deve ser tolerado”. Como é que é? Pois eu já acho o contrário: acho que não deve ser tolerado é que alguém seja contra homossexuais porque homossexuais. Ou contra heterossexuais porque heterossexuais. Ou contra negros porque negros. Ou contra brancos porque brancos. Ou contra católicos porque católicos. Ou contra evangélicos porque evangélicos. Se Janot disse mesmo isso, ele está confuso.
No primeiro post que escrevi a respeito, houve quem me acusasse de ter omitido o que seria o trecho verdadeiramente homofóbico da fala de Fidelix — como se eu não tivesse publicado o vídeo, com a íntegra. Ele diz ainda:“Então, gente, vamos ter coragem, nós somos maioria, vamos enfrentar essa minoria. Vamos enfrentá-los. Não tenha medo de dizer que sou pai, uma mãe, vovô, e o mais importante, é que esses que têm esses problemas realmente sejam atendidos no plano psicológico e afetivo, mas bem longe da gente, bem longe mesmo porque aqui não dá”.
Ele deu essa resposta no contexto em que se discutia o casamento, ao qual ele se opõe. Extrapolar e afirmar que ele está propondo um enfrentamento físico é um caso evidente de superinterpretação. É evidente que se trata de um enfrentamento na esfera dos valores. Tenham paciência! Sugeriria ao procurador-geral que cedesse menos aos clamores de opinião para não gastar à-toa o nosso dinheiro. Sempre que alguém disser, agora, que pretende enfrentar A ou B, estará falando de confronto físico? Aliás, doutor Janot, consulte o dicionário: em nenhuma acepção, “enfrentar” é sinônimo de partir para a porrada.
Mesmo Levy Fidelix sendo, digamos, destituído de maiores atrativos intelectuais, é o fim da picada tentar isolar a frase do contexto porque, afinal, é preciso dar uma satisfação à militância gay. Ele também afirma no debate, ou não?, que, se a lei garante a união, que seja seguida.
Reitero o meu ponto de vista: na democracia, está assegurado o direito de dizer coisas idiotas. A militância gay e os patrulheiros politicamente corretos deveriam ser mais cuidadosos. São muitas as minorias no Brasil e no mundo. Imaginem se cada uma delas for criar agora a cartilha das coisas que não podem ser ditas. Eu repudio a intolerância dos intolerantes. E repúdio também a intolerância dos que pretendem ter o monopólio da tolerância. A propósito, debati essa questão na VEJA.com com o psicanalista Contardo Calligaris.

Por Reinaldo Azevedo

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