sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Aécio Neves, uma campanha dramática do início ao fim

O avião com o senador Aécio Neves e comitiva chegou a Natal pouco depois do meio dia daquela quarta-feira, 13 de agosto. O candidato do PSDB a presidente estava animado com o sucesso da carreata da véspera, em Teresina (PI). Seria o início de um périplo por 12 cidades do Nordeste, que acontecia em um bom momento de sua campanha. A aeronave taxiava no aeroporto internacional Aluízio Alves quando o senador José Agripino (DEM-RN), coordenador da campanha, ligou o celular para checar os recados. Sem acreditar no que lia, mostrou a Aécio Neves mensagens enviadas pelo filho Felipe minutos antes, às 12h26 e 12h32, respectivamente: "Acho que caiu o avião de Eduardo Campos e Marina (SIC)" e "Mas parece que Marina não está no avião". Candidato, senador e outras três pessoas do grupo ficaram perplexos. Permaneceram no avião, fazendo ligações para checar a informação. "Quando passei o celular para Aécio Neves, ele ficou com ar de perplexidade. Ficou repetindo "não é possível, não é possível", conta Agripino. "Ficamos meia hora sentados ali, sem acreditar", lembra Aécio Neves. "Só pensava na família do Eduardo, na Renata, nos filhos.... Naquela hora, a questão política estava longe de ser central". Ainda dentro do avião, Aécio Nevesdecidiu cancelar a programação em Natal. A imprensa o aguardava no aeroporto. Desceu apenas para dar rápida declaração aos jornalistas e retornou à aeronave, rumo a São Paulo. Foi uma viagem calada e tensa. Aécio Neves, que conhecia Campos havia mais de 20 anos e mantinha com ele relação próxima, relembrou as mensagens de texto que trocaram por celular no domingo anterior, 10 de agosto, Dia dos Pais. O então candidato do PSB cumprimentara o tucano pela recuperação do filho Bernardo, um dos gêmeos de menos de três meses que naquele dia recebera alta do hospital (a irmã, Júlia, foi para a casa antes, com a mãe, Letícia). E Aécio Neves parabenizou Campos pelo aniversário, que era naquele dia. Em São Paulo, o tucano leu mensagem no celular enviada por padre Fábio de Melo, cantor e apresentador. "Meu amigo, hoje pensei na vulnerabilidade da vida. (...) Não sei se pode, mas não pense duas vezes em refugiar-se, ainda que por dois dias, para descansar, repor suas energias, ao lado de quem você ama e traz significado à sua vida. A crueldade do mundo está no ar. Proteja-se. Hoje você será a intenção de minha missa. Com minha benção, padre Fábio". Preparados para o calor do Nordeste, Aécio Neves e Agripino Maia vestiam camisa de manga curta. Estava "um gelo" em São Paulo. Cerca de seis graus e chuva. Funcionários do comitê da campanha arranjaram um blazer para Aécio Neves e um casaco para Agripino Mais. Anunciaram a suspensão da campanha, falaram à imprensa e viajaram para o Rio de Janeiro. Aécio Neves foi para casa ficar com a mulher, Letícia, e filhos (os gêmeos e Gabriela, 23 anos). "Seguindo seu conselho", escreveu a padre Fábio. A campanha do tucano recomeçou na quinta-feira, 21 de agosto, em Natal. No dia anterior, a candidatura da ex-ministra Marina Silva foi oficializada pelo PSB, ainda sob forte comoção nacional. O velório havia reunido lideranças políticas de diferentes partidos. Marina dividia as atenções com a mulher de Campos, Renata, e os cinco filhos. O ingresso da ex-ministra na disputa presidencial não provocou mudança imediata na estratégia tucana. A equipe não sabia o que fazer. "Ninguém estava preparado para aquilo. É o imponderável", admite Aécio Neves. Até a morte de Campos, era grande o otimismo na oposição. As pesquisas mostravam que mais de 70% da população queria mudança e a aposta era que Aécio Neves seria identificado como o candidato da mudança, à medida que se tornasse conhecido. Pesquisa do Ibope divulgada no início de agosto mostrava a presidente Dilma Rousseff com 38% das intenções de voto, Aécio Neves com 23% e Campos com apenas 8%. O candidato do PSB não decolava. Para os tucanos, a estrutura partidária mais forte e o tempo de televisão maior favoreceriam Aécio Neves. Grandes financiadores garantiam que os recursos iriam para ele, a não ser que o ex-presidente Lula entrasse no lugar de Dilma. Diziam que não havia outra hipótese. A despreocupação com o então candidato do PSB era tanta que pouco se falou nele em uma grande reunião em junho, no início da Copa do Mundo, quando o time de comunicação da campanha passou dois dias em um hotel em São Paulo, analisando cenários, oportunidades e ameaças à candidatura de Aécio Neves. "Se a gente dedicou meia hora para falar de Campos, foi muito", conta um participante. Estrategistas da campanha do PSDB não perceberam, de imediato, o impacto da entrada de Marina Silva. No velório do ex-governador, em Recife, um político mineiro amigo de Aécio Neves diz ter ouvido dele a seguinte previsão: Marina Silva iria aparecer com alta intenção de voto na primeira e na segunda pesquisas e depois começaria a cair. Aécio Neves estimulara a candidatura do amigo Eduardo Campos. Chegaram a costurar um acordo de bons vizinhos: um não lançaria candidato a governador na base eleitoral do outro. Foi Marina Silva, ainda como vice, que quebrou o clima dizendo que Aécio Neves no segundo turno tinha "cheiro" de derrota. Para a estratégia da oposição, a participação de Campos, ex-ministro de Lula, era importante para diluir votos e levar a briga para o segundo turno. As pesquisas logo mostraram que Marina Silva "veio com um tiro mais forte do que a gente imaginava", diz um tucano. A campanha recomeçou do zero, com uma candidata com forte recall, vitimizada e em ambiente totalmente emocional. Segundo as sondagens, Marina Silva estava atraindo votos de Aécio Neves. A primeira pesquisa Datafolha realizada após o acidente, divulgada em 18 de agosto, foi sinal de perigo. A ex-ministra teve 21% da preferência, um empate técnico com Aécio Neves (20%). Dilma mantinha a liderança, com 36%. Em 26 de agosto, o Ibope confirmou o crescimento de Marina Silva, com 29%. Dilma tinha 34% e Aécio Neves, 19%. O trágico acidente aéreo aconteceu a uma semana do início do programa eleitoral gratuito da televisão (19 de agosto). O marketing de Aécio Neves preparou vários programas para apresentá-lo ao eleitor. A equipe acreditava que o tucano teria cerca de 25% das intenções de voto no início do horário eleitoral. Aécio Neves retomou a campanha no dia seguinte ao da confirmação da candidatura de Marina Silva. Apesar de já enfrentar uma crise, com a saída do coordenador da campanha de Campos, Carlos Siqueira, a ex-ministra se firmou. O monitoramento diário feito pela campanha tucana mostrava que ela avançava em Estados estratégicos, como São Paulo. A primeira reunião da cúpula da campanha para analisar o novo cenário foi no dia 19, na ala residencial do Palácio dos Bandeirantes. Estavam Aécio Neves, o governador Geraldo Alckmin, Agripino Maia, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-governador José Serra, o candidato a vice-presidente, Aloysio Ferreira Nunes, e o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM). Avaliou-se que a campanha precisava ser mais contundente, mais agressiva, e adotar tratamento tão enérgico com Marina Silva quanto o usado contra Dilma no caso das denúncias contra a Petrobras. Mas ainda não esperavam o crescimento que a ex-ministra teria. O comitê passou a fazer um acompanhamento sistemático das intenções de voto nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, onde se concentra 70% do eleitorado do País. Um grupo passou a pesquisar discursos e propostas de Marina Silva, para mapear contradições. Aécio Neves mantinha a confiança. Em entrevistas no Nordeste, afirmou que a "onda" favorável à sua candidatura estava só começando. No primeiro debate, realizado pela TV Bandeirantes em 26 de agosto, as pesquisas qualitativas em grupo feitas pela campanha apontavam que o desempenho de Aécio Neves foi positivo. Nesse debate ele anunciou Armínio Fraga como seu ministro da Fazenda, caso vencesse. Queria sinalizar que seu ministério seria "padrão Armínio". Cercada de mística e comoção, Marina Silva era uma candidata difícil de ser enfrentada. A equipe de marketing - com Paulo Vasconcelos e o argentino Guilherme Raffo - era contra a campanha atacar a candidata do PSB. Aécio Neves queria manter um programa propositivo, buscando convencer o eleitor de ser o candidato com mais condições de governar o país e de representar a "mudança segura". Sua irmã Andrea Neves, influente na comunicação da campanha, tinha a mesma opinião. Naquele momento, houve divergência entre o marketing e a ala política que defendia ofensiva contra Marina Silva, com a campanha mostrando fragilidades e incoerências dela. Em 27 de agosto, o candidato a vice-presidente, Aloysio Nunes, postou no facebook que o debate mostrou que "Aécio é oposição; Dilma, situação; e Marina, enrolação". Depois, em entrevista, considerou "esperteza política" as declarações da ex-ministra de que governaria com bons quadros do PT e do PSDB. A palavra final sempre foi de Aécio Neves. Ouve todo mundo, mas a decisão é sempre dele: "Eu sabia que era preciso esperar as coisas começarem a decantar. Estávamos lutando contra uma candidata que estava a dois palmos do solo". O que se deu, nos primeiros dez dias, foi definido como "apagão" da campanha tucana. A estratégia inicial foi ineficaz para o novo momento. "O programa ficou apresentando Aécio Neves ao País, mas o ambiente era totalmente diferente, com uma candidata vindo com um impulso violento. Ficamos sem chão. Não podíamos bater em quem estava nos roubando voto", lembra um integrante da equipe do tucano. Marina Silva estava conseguindo se identificar como candidata da mudança. Avançava sobre o eleitorado tucano, assumindo propostas semelhantes às do PSDB na economia. Contava com recall da eleição de 2010 e com a comoção nacional. E capitalizava a insatisfação da população com a política tradicional, apesar da carreira política. No dia 27, houve reunião entre os grupos políticos e de comunicação em um dos quatro endereços da campanha em São Paulo, onde fica a produtora (há ainda um comitê central, um que abriga a área financeira e outro para a comunicação). Estavam Vasconcelos, Raffo, Andrea Neves, os deputados Bruno Araújo (PSDB-PE), Carlos Sampaio (PSDB-SP) e Marcus Pestana (PSDB-MG), Agripino Maia e ACM Neto. Aécio Neves chegou mais tarde. Ninguém apresentou uma "bala de prata", estratégia milagrosa para enfrentar Marina Silva. Discutiu-se a necessidade de Aécio Neves concentrar a campanha nos grandes colégios eleitorais e ser mais contundente ao mostrar ser mais capaz e ter quadros para governar. Marina Silva continuou subindo e ele, caindo. O "apagão" da equipe durou até 2 de setembro. A véspera foi o dia mais tenso da campanha. A Agência Estado publicou declarações de Agripino Maia interpretadas como sinalização de apoio a Marina Silva em segundo turno, como se jogasse a toalha. Aécio Neves ficou irritado. No mesmo dia, rumores de que Aécio Neves poderia renunciar para apoiar Marina Silva já no primeiro turno azedaram mais o ambiente. O segundo debate, realizado pelo SBT no dia 1º, foi o fecho da "semana tétrica". Empatadas em primeiro lugar com 34% no Datafolha, Dilma e Marina Silva polarizaram o embate. Aécio Neves, que apareceu na pesquisa com 15%, teve um desempenho ruim na avaliação da própria equipe. Estava "fora do prumo", segundo um integrante. Aécio Neves passou a noite em São Paulo, após o debate, em conversas. No dia seguinte, deu entrevista coletiva no comitê, ao lado de Fernando Henrique Cardoso. Foi interpretada apenas como iniciativa para desmentir a suposta renúncia. Para a equipe, aquele foi o primeiro dia da reação. "Aécio reencontrou o eixo para levar a campanha até o final, assumir com mais clareza propostas conservadoras nos costumes e liberais na economia. Essa é a nossa raia", conta um assessor. Para tentar recuperar os votos do PSDB, precisava dar maior clareza ideológica a seu ideário. O marqueteiro Paulo Vasconcelos passou a exibir, no horário gratuito, críticas a Marina Silva. A receita foi associá-la ao máximo ao PT e dizer que ela não tem experiência para governar. A ex-ministra, sob fogo cerrado principalmente do PT, perdeu ímpeto. Aécio Neves ensaiou recuperação. A campanha deu início à tentativa de "popularizar" a candidatura do PSDB, exibindo artistas e atletas que o apóiam. Mirou no eleitor das classes "C" e "D" - essa última com maior dificuldade. Aécio Neves teve evento em favela, no Rio de Janeiro, ao lado do ex-jogador Ronaldo. Nos jornais, foi publicada uma lista de cem formuladores e gestores de várias áreas, dizendo-se "100% Aécio". Aécio Neves começou a gravar os programas sem texto escrito. "Eu ouço muito. É o que eu tenho vontade de falar. Não tenho orientação de marqueteiro. É o meu feeling. (...) O norte político sempre foi meu. Mas ouvi muito. Ouço muito e tomo a decisão". O tucano enfrentava outro problema: o risco de derrota no próprio Estado, Minas Gerais. Poucas horas depois da notícia da morte de Campos, seu candidato a governador, Pimenta da Veiga, reuniu em seu apartamento, no bairro nobre de Lourdes, o ex-governador e candidato ao Senado, Antonio Anastasia, e um pequeno grupo de pessoas próximas a Aécio Neves. Fizeram cálculos e conjecturas sobre o que esperar a partir daquele momento, considerando a entrada de Marina Silva no jogo. Quatro anos antes, ela havia assustado os tucanos de Minas Gerais. Entre os eleitores de Belo Horizonte, Marina Silva surpreendeu ao ser a candidata a presidente mais votada no primeiro turno, batendo o então candidato do PSDB a presidência, José Serra, e Dilma, do PT. Mas a avaliação no grupo de Aécio Neves naqueles primeiros dias após o acidente era que Marina Silva teria neste ano um período efêmero de glória eleitoral e só.
Minas Gerais era vista como um cenário a parte no mapa eleitoral tucano. Era o colégio eleitoral - o segundo maior do País - onde Aécio Neves teria vitória garantida. Lideranças do PSDB diziam que Minas Gerais daria "vitória histórica" a Aécio Neves e uma vantagem de quatro a cinco milhões de votos sobre Dilma. Seu problema era fora de Minas Gerais, segundo a avaliação dos aliados. O publicitário Paulo Vasconcelos, que trabalhara com ele em outras eleições, insistia que o primeiro adversário de Aécio Neves era o fato de ser pouco conhecido no Brasil. Iniciou a campanha com um percentual de 80% de eleitores no País que diziam não conhecê-lo. Campos enfrentava o mesmo problema, até maior. Com uma rotina intensa de viagens pelo País desde o ano passado, Aécio Neves fez, até semanas atrás, pouca campanha em Minas Gerais. A convicção era que em seu território, palanque, carreata e corpo a corpo eram dispensáveis. Mas não eram. Quando Marina Silva virou candidata, ele foi atropelado não só no País, mas também em Minas Gerais. Pesquisa Ibope divulgada em 1º de agosto mostrava que ele tinha 41% das intenções de voto dos mineiros, Dilma tinha 31% e Campos, 5%. No fim de agosto, Aécio Neves havia recuado para 33%; Dilma ficou nos 31% e Marina Silva apareceu com 20%. No início de setembro, o Datafolha mostrou Aécio Neves atrás de Dilma entre os mineiros e empatado com Marina Silva. Nacionalmente, ele estava isolado em terceiro, na faixa dos 15%. O que se previa em sua campanha era que ele teria entre 23% e 25% naquele período. Marina Silva havia virado estuário de voto útil anti-PT, que ia em parte para Aécio Neves. "Nós nos preparamos para uma campanha e estamos disputando outra", sintetizou o presidente do PSDB de Minas Gerais, deputado federal Marcus Pestana. "O avião do Eduardo caiu na nossa campanha", diz o ex-deputado Luiz Paulo Velloso Lucas (PSDB), ex-prefeito de Vitória (ES). Em baixa nas pesquisas, Aécio Neves tinha ainda que vitaminar seu candidato ao governo de Minas Gerais, Pimenta da Veiga (PSDB). Aécio Neves mudou sua rotina da campanha e desde o início do mês passou a ir todas as semanas ao Estado. Sua presença resultou em melhora nas suas intenções de voto, mas o candidato do PT, Fernando Pimentel, deve vencer no primeiro turno, diz o Ibope. Em meados de setembro, quando Aécio Neves teve pequena reação nas pesquisas, sua equipe esperava uma "curva de crescimento" de dois a três pontos. Em viagem do Rio de Janeiro a Linhares (ES), em 15 de setembro, Aécio Neves estava cansado e cochilou por mais de meia hora. Dormira pouco à noite. "Foi uma sinfonia de choro", disse, referindo-se aos gêmeos Orgulhoso, exibiu fotos dos filhos no celular. Na manhã de domingo, momentos antes de batizá-los em cerimônia numa igreja de São João del Rei (MG), Aécio Neves posou para fotógrafos ao lado de Letícia. Ele com Bernardo nos braços; ela com Júlia. "Sou ou não sou um vitorioso? Não preciso nem disputar eleição". (Raquel Ulhôa, para o Valor Econômico)

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