segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Ministério Público Federal denuncia coronel Ustra e mais dois militares por morte de jornalista durante a ditadura

O Ministério Público Federal denunciou nesta segunda-feira, 22 de setembro, três militares pela morte do jornalista e militante político Luiz Eduardo da Rocha Merlino em julho de 1971. Ele era integrante do Partido Operário Comunista (POC) e foi morto após intensas sessões de tortura nas dependências do Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI) em São Paulo. O coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, o delegado Dirceu Gravina e o servidor aposentado Aparecido Laertes Calandra são acusados por homicídio doloso qualificado. O médico legista Abeylard de Queiroz Orsini, que assinou laudos sobre o óbito de Merlino, também foi denunciado e responderá por falsidade ideológica. Merlino foi preso em Santos em 15 de julho de 1971 e levado à sede do DOI. Lá, o então major Ustra, que comandava a unidade, e seus subordinados à época (Gravina e Calandra) submeteram o jornalista a práticas ininterruptas de tortura durante 24 horas. Eles queriam extrair da vítima informações sobre outros integrantes do partido, principalmente a companheira do militante, Angela Mendes de Almeida. Após as agressões, Merlino tinha ferimentos por todo o corpo e não conseguia sequer se erguer. Apesar do quadro grave, ele não recebeu atendimento médico e só foi encaminhado ao Hospital Militar do Exército quando já estava inconsciente. Consultado sobre a necessidade de amputação de uma das pernas do paciente, Ustra determinou que os servidores do hospital deixassem-no morrer, para evitar que sinais da tortura fossem evidenciados. Merlino faleceu em 19 de julho, em decorrência das graves lesões que as sessões de tortura provocaram. O chefe do DOI ordenou ainda a limpeza da cela onde o militante foi mantido e criou uma versão para ocultar as causas da morte. O POC (Partido Operário Comunista) foi criado a partir da fusão da dissidência do Partido Comunista Brasileiro com a Polop (Política Operária), organização trotskista teórica, à qual pertenceu a petista Dilma Rousseff no início de sua militância comunista. O POC acabou avançando para a luta armada e ações terroristas. Segundo a versão criada por Ustra, Merlino teria se atirado sob um carro durante uma tentativa de fuga. Ele estaria sob escolta a caminho de Porto Alegre para identificar outros militantes, quando um descuido dos policiais teria permitido a evasão do jornalista, que então teria se jogado embaixo de um veículo na BR-116, na altura de Jacupiranga. Para tornar a história verossímil, Ustra mandou que um caminhão a serviço das forças de repressão passasse por cima do corpo de Merlino e deixasse marcas de pneus. No Instituto Médico Legal, o médico legista Abeylard de Queiroz Orsini endossou a versão de Ustra ao assinar o laudo sobre a morte, em conjunto com outro servidor do IML, Isaac Abramovitch, já falecido. Apesar de saberem as circunstâncias em que Merlino foi morto, ambos omitiram as agressões no documento e atestaram o atropelamento como causa do óbito. Na década de 1990, peritos revelaram uma série de inconsistências nos laudos sobre Merlino e outros militantes políticos mortos na época, todos subscritos por Orsini. Além da condenação por homicídio doloso e falsidade ideológica, o Ministério Público Federal quer que Ustra, Gravina, Calandra e Orsini tenham a pena aumentada devido a vários agravantes, como motivo torpe para a morte, emprego de tortura, abuso de poder e prática de um crime para a ocultação e a impunidade de outro. Os procuradores querem também que a Justiça Federal determine a perda do cargo público que os denunciados ocupam atualmente e o cancelamento de aposentadoria concedida ou qualquer outra forma de provento que recebam. Por fim, requerem que, enquanto tramitar o processo, Gravina seja afastado cautelarmente do cargo de Delegado de Polícia Civil, bem como que seja vedado a Orsini o exercício da Medicina. Os procuradores destacam que não se pode falar em prescrição ou anistia nos crimes relatados. “Os delitos foram cometidos em contexto de ataque sistemático e generalizado à população, em razão da ditadura militar brasileira, com pleno conhecimento desse ataque, o que os qualifica como crimes contra a humanidade – e, portanto, imprescritíveis e impassíveis de anistia”, diz trecho da denúncia. Os membros do Ministério Público Federal citam uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, proferida em novembro de 2010, que determina que o Brasil não pode criar obstáculos à punição de crimes contra a humanidade. Além disso, mencionam um recente parecer do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, segundo o qual deve ser afastada qualquer interpretação que afirme estarem os delitos contra a humanidade cobertos por anistia ou prescrição.

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