sexta-feira, 25 de julho de 2014

AO LIBERAR COMPULSÓRIOS DOS BANCOS, O BANCO CENTRAL SE CONTRADIZ E ATACA O PROBLEMA ERRADO

O Banco Central anunciou nesta sexta-feira uma portaria que permite que até metade do dinheiro aplicado em forma de depósito compulsório pelos bancos possa ser usado em operações de crédito. Com isso, o Banco Central espera aumentar em 30 bilhões de reais a oferta de crédito ainda em 2014. Os depósitos são a contribuição obrigatória que os bancos fazem junto ao Banco Central, cuja alíquota é calculada com base no volume de depósitos feitos à vista e à prazo nas instituições. A obrigação reduz o risco sobre o sistema financeiro e pode ser usada como ferramenta de política monetária. Ao reduzir a taxa do compulsório, o Banco Central permite a liberação automática de mais dinheiro para que os bancos possam emprestar a seus clientes. Quando a taxa aumenta, há um aperto monetário e tendência à redução da oferta de crédito. Segundo a nota do Banco Central, a medida leva em conta o baixo nível de inadimplência para tentar aumentar a liquidez dos bancos, ou seja, a oferta de crédito ao consumo, por exemplo. A autoridade monetária não deu mais explicações sobre as razões que motivaram o relaxamento das regras, mas diante das recentes revisões nas estimativas de crescimento da economia brasileira, não há dúvidas de que a iniciativa do Banco Central é uma das poucas, senão a única, alternativa que resta ao governo para tentar reavivar a economia. O problema, segundo economistas, é que os 30 bilhões de reais terão efeito nulo no estímulo ao crescimento, por representarem um porcentual insignificante do tamanho do mercado de crédito no Brasil, que hoje está em 2,8 trilhões de reais. Outro equívoco é o timing do anúncio. Apenas um dia antes, a autoridade divulgou a ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), documento que comunica ao mercado as razões que levaram o Banco Central a manter os juros em 11%. Nela, o órgão afirma que a moderação do crédito é positiva para o cenário de inflação: "O Comitê considera oportunas iniciativas no sentido de moderar concessões de subsídios por intermédio de operações de crédito", diz a nota. Em outro parágrafo, a autoridade afirma não ter intenção de implementar mudanças na política monetária. "O Comitê antecipa cenário que contempla inflação resistente nos próximos trimestres, mas, que, mantidas as condições monetárias – isto é, levando em conta estratégia que não contempla redução do instrumento de política monetária – tende a entrar em trajetória de convergência para a meta nos trimestres finais do horizonte de projeção", afirma. A contradição deixou economistas perplexos. "A decisão soa completamente fora do lugar quando comparada à ata. Numa medida que desafia o bom senso, o Banco Central simplesmente desdisse o que afirmou um dia antes", escreveu o economista da Gradual Corretora, André Perfeito, em nota a investidores. A contradição era tudo o que o Banco Central não precisava depois de conseguir, pouco a pouco, recuperar a credibilidade do mercado após episódios ocorridos em 2011 e 2012 que demonstraram completa ingerência do governo sobre a autoridade monetária. Para o ex-diretor do Banco Central, Alexandre Schwartsman, a medida foi infeliz. "Se alguém no Banco Central ainda tivesse a capacidade de pensar um pouco além do dia seguinte, teria notado que o anúncio das medidas de hoje, pontuais e sem impacto macro, e sim mais voltadas a questões específicas do setor bancário, não deveria se seguir à divulgação da ata que menciona moderação de crédito e manutenção da taxa de juros", afirmou o economista. O impacto da medida deve ser sentido de forma mais relevante nos bancos médios, que possuem menos liquidez, e financiam, sobretudo, a compra de automóveis, afirmou a economista Mariana Oliveira, da Tendências Consultoria. "Se o Banco Central olhar apenas o mercado de crédito, as mudanças anunciadas hoje fazem sentido porque o crédito está desaquecido, especialmente em financiamento de veículos", afirma. Na avaliação de Alexandre Schwartsman, para retomar a tendência de crescimento, a solução seria colocar em prática planos contundentes de reforma econômica, não medidas paliativas para um único setor. "São necessárias medidas que elevem a produtividade. Ou seja, um programa menos intervencionista de concessões de infraestrutura e petróleo, avanços na privatização, simplificação tributária, correção de preços administrados para destravar investimentos. Enfim, uma agenda longa, mas voltada ao amento da produtividade e investimento", afirma o economista. O arrefecimento do crédito em determinados setores não significa, contudo, que a falta de crédito seja o problema que impeça o crescimento do país, segundo análise de Tony Volpon, economista do banco Nomura. "O problema do Brasil não é crédito ou liquidez. Ambos estão amplamente disponíveis, sobretudo nos bancos estatais. O problema é a baixa demanda por crédito decorrente da falta de confiança na economia", afirma. A mensagem final transmitida pela portaria do Banco Central, na avaliação dos economistas, é de que a medida volta a colocar em xeque as expectativas do mercado em relação à Selic para 2015, caso a presidente Dilma se reeleja e mantenha Alexandre Tombini como presidente do órgão. O mercado se agarra à comunicação do Banco Central para traçar suas perspectivas sobre a economia brasileira. Quando há ruído entre o que o Banco Central diz e o que, de fato, pratica, as expectativas se perdem e o pessimismo tende a aumentar.

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