segunda-feira, 12 de maio de 2014

GRUPOS LIGADOS À AL QAEDA DESAFIAM A ORGANIZAÇÃO TERRORISTA ISLÂMICA HEZBOLLAH NO LÍBANO

Beirute tem uma vida noturna ativa e cosmopolita, mas nos últimos meses ficou mais difícil aproveitar com tranquilidade esse cenário. Com o envolvimento do Hezbollah na guerra civil da Síria, os moradores passaram a sofrer com atentados perpetrados por grupos ligados ou simpáticos à rede terrorista Al Qaeda. Os alvos preferenciais são bairros xiitas controlados pelo Hezbollah na capital e também em cidades de regiões dominadas pelo grupo terrorista. A mensagem é sempre a mesma – os ataques são uma resposta ao apoio do grupo ao regime do ditador sírio Bashar Assad. As ações dos grupos terroristas trazem um novo ingrediente desestabilizador ao já precário equilíbrio interno no Líbano, representado atualmente pela incapacidade do Parlamento de chegar a um nome para substituir Michel Suleiman na presidência. A queda de braço entre os dois principais blocos políticos – a aliança 8 de Março, braço do grupo xiita Hezbollah, e a coalizão rival sunita 14 de Março – impede que se chegue a um consenso. A divisão entre os dois grupos também se faz presente quando o assunto é a Síria: o 14 de Março é favorável aos rebeldes enquanto o 8 de Março está alinhado com Assad. Embora não esteja claro que os ataques sejam de responsabilidade dos rebeldes que tentam derrubar Assad, alguns grupos islamitas que combatem na Síria e têm simpatia pela Al Qaeda alegam participar de uma guerra contra o Hezbollah no Líbano. Em sua maioria sunitas, os rebeldes sírios são apoiados por uma grande parcela da população libanesa, também sunita, tornando as regiões mais pobres do país em um reduto para atividades terroristas de grupos que promovem uma “guerra santa” contra os xiitas e alauitas, mesma corrente muçulmana à qual pertence Assad. Analistas rejeitam a tese de que o Líbano estaria tomado pela presença da Al Qaeda, mas afirmam que certos “bolsões” surgiram em regiões do norte do país, ao redor de Trípoli, e mais ao sul, em Sidon, com grupos ideologicamente alinhados à rede terrorista. “Especialmente nas áreas mais pobres do Líbano, salafistas e outros jihadistas pregam discursos mais inflados, permitindo aos grupos radicais ganharem maior influência e simpatizantes, especialmente entre os jovens”, diz o analista político e especialista em movimentos islâmicos Hashem Karam. Segundo ele, grupos antes desconhecidos ganharam adeptos aproveitando-se do momento político de profunda polarização no Líbano para organizarem-se em regiões remotas, onde podem operar livremente. “Explosivos, carros roubados e outros materiais são trazidos da Síria por rotas ilegais, geralmente de regiões sunitas junto à fronteira, e usados para atentados à bomba dentro do Líbano”. Nas últimas semanas, as forças de segurança e o Exército libanês desativaram carros com explosivos tanto em Beirute quanto no interior do país. Em contrapartida, os grupos terroristas passaram a realizar ataques com homens-bomba em motocicletas. Karam aponta as Brigadas Abdullah Azzam como um dos grupos terroristas mais proeminentes no país. O chefe da rede no Líbano morreu recentemente por problemas de saúde quando estava sob custódia do Exército libanês. “A morte de seu principal líder foi um duro golpe certamente, mas as brigadas continuam ativas com força devido ao seu sistema de atuação por meio de redes de células menores, o que permite que continuem operando militarmente e dificultando a ação das autoridades libanesas”. A Frente Nusra e o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL),  principais grupos extremistas em combate na Síria, também operam no Líbano. “Além destes, há outras organizações menores realizando ataques contra tropas do Exército libanês e alvos do Hezbollah pelo país. Grupos terroristas como a Fatah al-Islam, o Jund al-Sham e outros operam de forma clandestina em cidades sunitas libanesas ou dentro de campos de refugiados palestinos, como o de Ein al-Hilweh”, explicou Karam, detalhando que as Brigadas Abdullah Azzam e a Frente Nusra – classificada como grupo terrorista pelos Estados Unidos – realizam seguidamente operações conjuntas, como o ataque com foguetes contra a cidade majoritariamente xiita de Hermel, no Vale do Bekaa, em dezembro do ano passado e janeiro deste ano. “É comum ver alguns de seus membros operacionais pertencerem aos dois grupos ao mesmo tempo”. As Brigadas Abdullah Azzam reivindicaram atentado que matou mais de 20 pessoas na embaixada do Irã em Beirute. Movimento sunita afiliado à Al Qaeda e fundado em 2004, é considerado pelo governo libanês como o principal grupo terrorista no Líbano, com células adormecidas em diversas regiões do país. Com o agravamento do conflito na Síria, o grupo aproveitou-se da retórica ideológica e do ressentimento de jovens sunitas contra o Hezbollah – que se alinhou a favor do regime sírio – para se organizar e atrair adeptos, incluindo homens-bomba para ataques contra alvos xiitas. As brigadas assumiram a autoria do duplo atentado contra a embaixada do Irã, em Beirute, que deixou 30 mortos, incluindo um diplomata iraniano. Segundo os serviços de inteligência, o grupo possui redes em vários países, especialmente no Egito, Iraque, Síria, Jordânia, Faixa de Gaza e o Líbano. “Eles já provaram que, embora ainda pequenos em número de afiliados, são altamente capazes e competentes para se infiltrar em áreas xiitas e efetuar ataques militares”, explicou o analista político Hashem Karam. O governo libanês admite que extremistas entraram no país ao perder território na Síria, com cidades perto da fronteira, antes ocupadas por rebeldes, sendo retomadas pelas forças do regime Assad.  A fronteira volátil e vilarejos com população sunita que simpatiza com os rebeldes facilitam a entrada dos terroristas. “Somente um esforço conjunto entre políticos e líderes religiosos moderados nas regiões tensas fará com que os extremistas percam apoio entre a população. Mas, quanto mais dividido e desunido o país estiver, melhor será para os terroristas”, alerta Emile Maacaroun, professor de ciência política da Universidade Libanesa. O professor considera, no entanto, que a Al Qaeda terá dificuldade de se firmar no Líbano porque teria de operar também em áreas de forte influência xiita e conquistar o apoio de comunidades e políticos sunitas moderados e de cristãos e drusos que compõem uma parcela significativa da população: “Além disso, o Líbano é um país pequeno, o que significa dizer que não há um amplo espaço territorial para operações como, por exemplo, no Afeganistão, Iraque e Paquistão. Não vejo a Al Qaeda vingando no Líbano, pelo menos não a médio prazo”. O Exército libanês coordena uma operação em Trípoli para combater o tráfico de armas, a ação de milícias e também para garantir a ordem. Há outra operação em andamento no Vale do Bekaa, no leste do país, com o objetivo de coibir a entrada de extremistas e o tráfico de explosivos. Karam acredita que a polícia e o Exército estão tentando cortar o problema pela raiz, deixando os grupos terroristas sem suprimentos. Em sua opinião, será cada vez mais difícil para as organizações contrabandear explosivos e carros roubados para executar os ataques: “Embora as divisões políticas no Líbano prejudiquem a efetividade do governo, as forças de segurança trabalham como podem para conter o terrorismo. Os diferentes partidos políticos perceberam que, independentemente de confissões religiosas, todos perdem com o aumento do extremismo no país”.

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