domingo, 30 de março de 2014

O JUIZ DO PROCESSO DA CONSPIRAÇÃO RODIN, LORACI FLORES DE LIMA, ESTÁ DIANTE DE UM DILEMA: PODE TER QUE ANULAR TODO O PROCESSO QUE USOU MÉTODOS ILEGAIS DE INVESTIGAÇÃO E RESULTOU EM DENÚNCIAS QUE AFRONTAM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O juiz Loraci Flores de Lima, que atua na 3ª Vara Federal Criminal de Santa Maria, tendo a seu cargo exclusivamente os processos derivados da Conspiração Rodin, chefiada pelo peremptório petista "grilo falante" Tarso Genro (seu grande beneficiário), está diante de um poderoso dilema: anula ou não anula o processo inteiro. Em entrevista para uma rádio de Santa Maria, após a notícia de que a ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal Federal, tinha concedido Habeas corpus para a advogada Denise Nachtgall Luz, por meio do advogado Aury Lopes Junior, determinando que fosse desentranhado do processo o relatório da Receita Federal com as quebras de sigilos de 44 pessoas e 21 empresas, ele disse que foi melhor que tivesse acontecido assim, porque estava com a sentença, de 1.500 páginas, quase pronta, e assim não correria o risco de o processo ser anulado a posteriori. Ora, fica uma pergunta inquietante: o juiz não viu, no processo da Conspiração Rodin, que sua antecessora na vara, a juíza Simone Barbisan, já havia acolhido o pedido do advogado Aury Lopes Junior e tinha mandado desentranhar do processo as provas consideradas ilegais da quebra dos sigilos fiscais? Não passou então pela cabeça do juiz Loraci Flores de Lima que todas as provas derivadas dessa quebra original ilegal, como as quebras de sigilos bancários, telefônicos e telemáticos, quebradas com fundamentação na primeira quebra ilegal (a fiscal), estariam irremediavelmente comprometidas, envenenadas? O que se passou na cabeça do juiz Loraci Flores de Lima? Considerou que o problema era todo do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que havia validado as quebras ilegais de sigilo fiscal e tinha mandado reentranhá-las no processo? Parece que sim, tanto que, mesmo após a divulgação da concessão do Habeas corpus pela ministra Laurita Vaz, ele declarou que apartaria a prova declarada ilegal e que prosseguiria na finalização da sentença. E que eventuais perdas pelos réus poderiam, eventualmente, ser corrigidas em outros graus de jurisdição. Mas, o que é isso? Por que o juiz deixaria de cumprir a sua atribuição? Entretanto, a entrevista para a rádio parece ter demonstrado que o juiz Loraci Flores de Lima resolveu sopesar melhor o tema. Certamente ele conhece a teoria da árvore dos frutos da árvore envenenada. A doutrina dos frutos da árvore envenenada (“fruits of the poisonous tree”) é uma metáfora legal que faz comunicar o vício da ilicitude da prova obtida com violação a regra de direito material a todas as demais provas produzidas a partir daquela. Assim tais provas são tidas como ilícitas por derivação. É o caso, por exemplo, da obtenção do local onde se encontra o produto do crime através da confissão do suspeito submetido à tortura ou realização de escutas telefônicas sem mandado judicial. A nomenclatura surgiu de um preceito bíblico, onde uma árvore envenenada jamais dará bons frutos. Em Mateus: "Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós com vestes de ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes. Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos? Assim toda a árvore boa dá bons frutos, porém a árvore má dá maus frutos. Uma árvore boa não pode dar maus frutos, nem uma árvore má dar bons frutos. Toda a árvore que não dá bom fruto, é cortada e lançada no fogo. Logo pelo seus frutos os conhecereis. Está em Mateus 7:15-20. Mas, também está em Lucas: "Não há árvore boa que dê mau fruto; nem tampouco árvore má que dê bom fruto. Pois cada árvore se conhece pelo seu fruto. Os homens não colhem figos dos espinheiros, nem dos abrolhos vindimam uvas. O homem bom do bom tesouro do seu coração tira o bem, e o homem mau do mau tesouro tira o mal; porque a sua boca fala o de que está cheio o coração". Isso está em Lucas 6:43-45. A lógica da terminologia é a de que se a fonte da evidência (ou a própria evidência), ou seja, a "árvore", estiver contaminada, então tudo que for coletado (os "frutos") estará contaminado também. A teoria tem origem na Suprema Corte dos Estados Unidos, no caso Siverthorne Lumber Co. vs. United States, em 1920. Com o objetivo de coibir as provas ilícitas por derivação, a corte passou a proibir as provas lícitas contaminadas por ilegalidade. A prova ilícita por derivação consiste naquela prova que, à primeira vista parece ser lícita, porém, tem seu surgimento através de uma prova ilícita anterior, ou seja, prova contaminada (derivada) por um meio de ato ilícito ou ilegal de obtenção. O caso Siverthorne Lumber Co v. United States tratava-se de uma empresa que sonegava pagamento de tributos federais. Foi então que agentes federais copiaram irregularmente os livros fiscais desta empresa como prova da fraude. Chegando tal fato ao conhecimento da Suprema Corte, surgiu o questionamento se os atos ilegais poderiam ser admitidos no processo como provas. Concluiu a Suprema Corte que, se admitido tal fato, admitir-se-ia então a utilização de atos ilegais para produção de provas, estimulando os órgãos policiais a descumprirem a 4ª Emenda Constitucional, decidindo então pela inadmissibilidade das provas ilícitas. A similaridade com o Caso da Conspiração Rodin é muito grande. Inicialmente, os procuradores federais em Santa Maria ouvem um depoimento "anônimo" (hoje o "anônimo" já está revelado, no livro "Conspiração Rodin, de João Luiz Vargas, ex-deputado estadual por quatro mandatos e ex-presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, e ex-conselheiro e presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul). A partir dessa denúncia "anônima", "apócrifa", com base em um suposto convênio, os procuradores federais pedem ao delegado da Receita Federal em Santa Maria que entregue os dados de 44 pessoas fisicas e 21 pessoas jurídicas. De onde tiraram esse poder os procuradores federais? São agora, por acaso, imperadores, com poder de vida e morte sobre os cidadãos? A juíza Simone Barbisan Fortes se apercebeu dessa barbaridade e retirou os dados fiscais do processo, conforme requerido pelo advogado Aury Lopes Jr, defensor de Denise Nachtgall Luz. Mas, os procuradores se inconformaram e recorreram ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por meio de um pedido parcial de correição no processo. Ou seja, a juíza foi acusada de estravazar o seu poder. Quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região atendeu a pretensão dos procuradores federais, ela pediu transferência para Santa Catarina e entregou o caso. A decisão, agora, da ministra Laurita Vaz, concedendo o Habeas corpus, deixa os desembargadores da câmara que concederam atendimento aos procuradores em uma situação ruim. Quer dizer, então, que deram abrigo legal para ilicitude e grave ofensa de direitos individuais ao aparato de Estado contra pessoas físicas e jurídicas? A situação é muito grave do que parece. Para baixar para seu computador a íntegra da decisão da ministra Laurita Vaz clique no link a seguir  https://drive.google.com/file/d/0B8_RBOFhHrDUUllfZndqMDFLUEk/edit?usp=sharing  O inteiro teor do Habeas corpus concedido pela ministra Laurita Vaz é o seguinte:
HABEAS CORPUS Nº 234.857 - RS (2012/0041809-7)

RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ
IMPETRANTE : AURY LOPES JR E OUTROS
ADVOGADO : AURY CELSO LIMA LOPES JÚNIOR E OUTRO(S)
IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIÃO
PACIENTE : DENISE NACHTIGALL LUZ
ADVOGADO : BRUNO SELIGMAN DE MENEZES


EMENTA
HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. DIVERSAS
FRAUDES PERPETRADAS, EM TESE, CONTRA O DETRAN/RS.
ALEGAÇÃO DE ILICITUDE DOS DOCUMENTOS FISCAIS SIGILOSOS
REQUISITADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DIRETAMENTE AO
FISCO. FLAGRANTE ILEGALIDADE. QUEBRA DO SIGILO FISCAL
QUE IMPRESCINDE DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL.
PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR. ORDEM DE HABEAS
CORPUS CONCEDIDA.


DECISÃO
Vistos etc.
Trata-se de ação de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de DENISE NACHTIGALL LUZ, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. Narram os Impetrantes que o presente writ tem como objeto a quebra do sigilo fiscal de diversas pessoas físicas e jurídicas, sem autorização judicial, entre elas a ora Paciente, haja vista as supostas irregularidades que estariam ocorrendo nos contratos firmados pelas Fundações de Apoio ligadas à Universidade Federal de Santa Maria – FATEC e FUNDAI – com o DETRAN do Estado do Rio Grande do Sul. Aduzem que o Ministério Público Federal, amparado em denúncia anônima e depoimento apócrifo (declarações prestadas perante o Parquet federal por pessoa cuja identidade é desconhecida), teria solicitado diretamente à Delegacia da Receita Federal de Santa Maria/RS a realização de investigações iniciais sobre a mencionada denúncia anônima, tendo como fonte as informações sigilosas de que o Fisco dispunha. Sustentam que a Receita Federal, atendendo à requisição ministerial, teria elaborado "[...] um relatório, recheado de suposições, adjetivando de 'Informação de Pesquisa e Investigação', onde é expressamente referido, já na introdução, que 'o trabalho da RFB teve início a partir de solicitação do Ministério Público Federal, visando à busca de elementos econômico-financeiros que permitam constatar a existência de conduta ilícita (prováveis fraudes à licitação, tráfico de influência, corrupção ativa, corrupção passiva e sonegação
fiscal) das pessoas física e jurídicas envolvidas na prestação de serviços ao DETRAN, através das fundações Fatec e Fundae, utilizando-se ambas do suporte técnico de professores e bolsistas da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM." (Fl. 05). Esclarecem que a "Informação de Pesquisa e Informação" elaborada pela Receita Federal do Brasil teria "devassado" a intimidade de mais de 42 pessoas físicas e de 21 pessoas jurídicas. Alegam que "É insofismável, portanto, que a quebra de sigilo fiscal, da
Paciente e de todos os demais, foi realizada SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, sendo promovida, exclusivamente, mediante requisição direta do Ministerial Público Federal ao Fisco" (fl. 05). Afirmam que, em razão da "evidente ilicitude dessa prova", a Defesa postulou o seu desentranhamento dos autos, o que foi acolhido pelo Juízo processante. Em face dessa decisão, o Parquet Federal apresentou correição parcial perante o Tribunal de origem, que foi conhecida em parte e, nessa extensão, parcialmente deferida para restringir o acesso das informações às partes.
O aresto foi assim ementado:
"CORREIÇÃO PARCIAL. CASO DETRAN. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. CABIMENTO DE
RECURSO. DEFESA PRELIMINAR. FALTA DE INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGALIDADE. MPF. PODERES DE
INVESTIGAÇÃO. REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS DIRETAMENTE À RECEITA FEDERAL. POSSIBILIDADE.
1. A irresignação contra a rejeição da denúncia, não merece ser apreciada através da correição parcial, que visa corrigir o error in
procedendo, porquanto impugnável através do Recurso em Sentido Estrito, conforme o inciso I do art. 581 do CPP.
2. Assim como no procedimento processual anterior, a novel legislação processual penal estabelecida pela Lei 11.719/2008, não prevê hipótese de abertura de vista ao Ministério Público da defesa preliminar apresentada pela parte acusada.
3. Possui o Ministério Público a prerrogativa de requisitar documentos e informações diretamente à Receita Federal, sem necessidade de prévia autorização judicial (inteligência dos arts. 129 da CF e art. 8º da LC 75/93)
4. O art. 198, § 1º, II, do CTN, com a redação dada pela LC 104/2001, exige apenas que o repasse de documentos de natureza fiscal seja feito em razão da instauração de processo administrativo, que vise a apuração de eventuais práticas de infrações, hipótese dos autos.
5. A troca de dados entre Ministério Público e Receita Federal não constitui quebra de sigilo fiscal, considerando que se trata de um conjunto de informações voltadas para o exercício de fiscalização pública" (fls. 487/499.)
Argumentam, em suma, que:
i) "[...] a determinação legal dirigida à Receita Federal para que encaminhe Representação fiscal para fins penais, não autoriza, de per se, a transmissão de informações sigilosas entre o Fisco e o Parquet Federal" (fl. 09);
ii) "[...] a Lei Orgânica do Ministério Público não possibilita a devassa indiscriminada de dados sigilosos, muito menos a requisição de tais dados à margem de autorização legal" (fl. 10);
iii) da mesma forma, "[...] o art. 198 do Código Tributário Nacional apenas permite a divulgação de informações fiscais mediante requisição da autoridade judicial, salvo no caso de transferência de dados para a própria administração pública correlacionados a
eventual infração administrativa" (fl. 10).
iv) há jurisprudência desta Corte Superior que sedimentou entendimento diverso ao da Autoridade Impetrada, no sentido de ser impossível o Parquet requisitar diretamente documentos fiscais sigilosos junto ao Fisco (RHC 20.329/PR, de Relatoria da Ministra Jane Silva).
Postulam, desse modo, a concessão da ordem para que seja reconhecida a ilicitude das provas decorrentes da quebra do sigilo fiscal da Paciente, determinando-se o imediato desentranhamento e a proibição da valoração de tais elementos. Ad argumentandum, asseveram que "[...] ainda que se entenda que o Parquet Federal tenha poder de requisitar, diretamente à Receita Federal, informações fiscais de pessoas sobre as quais pairem suspeitas de envolvimento com atividade ilícita, por imposição
constitucional MÍNIMA, tal requisição deve ser MINIMAMENTE FUNDAMENTADA e com base em elementos legítimos" (fl. 14), o que, segundo argúem, não teria sido observado na hipótese.
Sustentam, ademais, que a quebra do sigilo fiscal teve por base denúncia anônima e depoimento apócrifo, contrariando entendimento deste Superior Tribunal de Justiça. Pedem, em liminar, seja determinada a suspensão da Ação Penal n.º
2007.71.02.007872-8/RS, em trâmite na 3.ª Vara Federal de Santa Maria/RS, até a apreciação final do presente writ.
No mérito, pugnam pela concessão da ordem para que seja reconhecida a ilicitude da quebra de sigilo fiscal ora impugnada, determinando-se o desentranhamento da prova em questão, bem como a proibição de sua valoração. Postulam, ainda, sejam previamente informados da data em que o habeas corpus será levado a julgamento, como forma de possibilitar a apresentação de memoriais e realizar sustentação oral.
Liminar indeferida às fls. 519/521.
Informações às fls. 530/575.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da ordem (fls. 580/593).
É o relatório. Decido.
Saliento, de início, que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e ambas as Turmas desta Corte, após evolução jurisprudencial, passaram a não mais admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso ordinário, nas hipóteses em que esse último é cabível, em razão da competência do Pretório Excelso e deste Superior Tribunal tratar-se de matéria de direito estrito, prevista taxativamente na Constituição da República. Esse entendimento tem sido adotado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, com a ressalva da posição pessoal desta Relatora, também nos casos de utilização do habeas corpus
em substituição ao recurso especial, sem prejuízo de, eventualmente, se for o caso, deferir-se a ordem de ofício, em caso de flagrante ilegalidade. No caso, todavia, não se trata de writ substitutivo de recurso especial, pois o acórdão foi proferido pela Corte de origem em correição parcial interposta pelo Ministério Público Federal – recurso subsidiário que possui o próprio juízo como parte recorrida, em razão de erro in procedendo no provimento jurisdicional –, sendo relevante ressaltar que a Defesa do Paciente destacou que, "mesmo sendo litisconsorte passivo necessário, em momento algum, foi intimada ou notificada para se manifestar sobre o caso – logo não foi possível a utilização de outro meio de impugnação dessa decisão, senão o habeas corpus" (fl. 03),
afirmação que guarda correspondência com os documentos constantes dos autos. Destaco, ainda de forma prefacial, que informações obtidas no site do Tribunal de origem, ora juntadas, revelam que os autos da ação penal n.º 2007.71.02.007872-8
encontram-se, desde de 16/01/2014, conclusos com o Magistrado singular para elaboração de sentença, inexistindo qualquer fato posterior capaz de fulminar o interesse no exame deste writ. Para boa compreensão da controvérsia, confiram-se as razões que levaram a Corte de origem conhecer parcialmente do reclamo ministerial e, nessa extensão, deferir parcialmente a correição, para o fim de considerar válidas as provas requisitadas pelo Ministério Público à Receita Federal do Brasil:
"[...]. As questões sub judice, em suma, são as seguintes:
1) O MM. Juízo rejeitou denúncia anteriormente recebida em desfavor
de MARILEI DE FÁTIMA BRANDÃO LEAL, DAMIANA MACHADO DE ALMEIDA, LUCIANA BALCONI CARNEIRO, RAFAEL HÖHER, LUIZ CARLOS DE PELLEGRINI, FERNANDO OSVALDO OLIVEIRA JÚNIOR, LUIZ GONZAVA ISAÍA, ALEXANDRE DORNELLES BARRIOS, RICARDO HÖER, FRANCENE FABRÍCIA FERNANDES PEDROSO e SILVESTRE SELHORST;
2) o MPF não foi intimado para se manifestar sobre as exceções suscitadas nas defesas preliminares;
3) a determinação do Juízo Requerido de desentranhamento de relatório elaborado pela Receita Federal requisitado diretamente pelo MPF, o qual contém dados sigilosos.
Pois bem. Ab initio, cumpre referir que a correição parcial está prevista no art. 171 do RITRF/4ªR, que tem as seguintes letras:
'Art. 171. A correição Parcial visa à emenda de erros ou abusos que importem a inversão tumultuária de atos e fórmulas legais,
a paralisação injustificada dos feitos ou a dilatação abusiva dos prazos por parte dos Desembargadores Federais da Turma no Tribunal ou dos Juizes Federais de primeiro grau, quando, para o caso, não haja recurso previsto em lei'. (grifei)
Da leitura da norma regimental, depreende-se que a correição parcial somente deve ser admitida nos casos em que não houver recurso previsto em lei.
Trata-se de orientação que encontra guarida na doutrina de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes, in Recursos no Processo Penal. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 257. Veja-se:
'(...) Desde o seu surgimento e agora nas diversas legislações, a correição presta-se ao ataque às decisões ou despachos
dos juizes não impugnáveis por outro recurso e que representem "erro ou abuso", de que resulte a "inversão tumultuaria dos atos e fórmulas da ordem legal do processo". Destina-se, portanto, a corrigir o error in procedendo, não o error in judicando.(...)' (in Recursos no Processo Penal. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 257).
Nesse sentido, também, a jurisprudência da colenda Sétima Turma desta Corte:
"PROCESSUAL PENAL. DECISÃO QUE REJEITA DENÚNCIA. RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO. ART. 581, I, DO CPP. CORREIÇÃO PARCIAL. INCABIMENTO.
Contra decisão judicial que rejeita a denúncia o recurso cabível é o recurso criminal em sentido estrito, conforme o disposto no
art. 581, inciso I, do Código de Processo Penal, e não a Correição Parcial'. (CP 2006.04.00.012197-8/SC, da minha relatoria, Sétima Turma, DJU de 31.05.2006)
Com esses contornos, portanto, tenho que a irresignação contra a rejeição da denúncia, não merece ser apreciada através desta via que visa corrigir o error in procedendo, porquanto impugnável através do Recurso em Sentido Estrito, conforme o inciso I do art. 581 do Código de Processo Penal. Aliás, diga-se, trata-se de providência já adotada pelo Ministério Público Federal, porquanto, contra a rejeição da denúncia, ora atacada, interpôs Recurso Criminal em Sentido Estrito sob 2009.71.02.000450-0/RS, que
se encontra concluso para julgamento. Portanto, no ponto, não conheço da correição parcial. Quanto à falta de vista do Ministério Público Federal para fins de manifestação sobre as defesas preliminares, mormente sobre as exceções apontadas nas respostas dos réus, tenho que não há falar em inversão tumultuária de atos e fórmulas legais, simplesmente porque, assim como no
procedimento processual anterior, a novel legislação processual penal não prevê o procedimento querido pelo Requerente.
Mesmo entendimento é compartilhado pelo Procurador Regional da República, José Ricardo Lira Soares (fl. 387). Veja-se:
'De outro lado, a leitura do novo procedimento estabelecido pela Lei nº 11.719 não prevê hipótese de abertura de visto ao
Ministério Público da defesa apresentada pelo acusado. Tal possibilidade também não existia no procedimento anterior, motivo
pelo qual não se sustenta a alegação do requerente de que teria havido cerceamento à acusação, ou violação da proporcionalidade, em face sua proibição de proteção deficiente'. O momento para que o Ministério Público forme o substrato probatório mínimo e se convença da tipicidade do fato e da inexistência de excludentes é anterior ao oferecimento de denúncia, não havendo motivo para
que se estabeleça verdadeira tréplica ao órgão ministerial. Na ocorrência de arguição de eventual exceção, deve-se instaurar o
devido incidente processual, com a manifestação do Ministério Público, o que ocorreu na espécie, segundo as informações prestadas - fl. 376v." Com efeito, eventual exceção (de incompetência, de suspeição ou impedimento) deve ser processada em apartado, conforme a forma prevista nos arts. 95 a 112, do Código de Processo Penal (art. 396-A). Nesse sentido, o Juízo Requerido aponta que 'Importa ponderar, outrossim, que as exceções apresentadas nas defesas preliminares, relacionadas à incompetência, suspeição e impedimento do juízo, já haviam sido anteriormente interpostas, ocasião em que foi determinada a autuação em apartado e consequente vista ao MPF (v. exceções autuadas sob os ns. 2008.71.02.004099-7, 2008.71.02.004090-5 e 2008.71.02.004411-5). Somente após a manifestação ministerial, houve apreciação por este juízo. Desta forma, na decisão atacada, houve tão-só repetição do teor de decisões anteriores, proferidas com prévia oitiva do parquet, pelo que, neste ponto, não vislumbro nenhum prejuízo à acusação.' Por outro lado, a alegação do MPF de que, nada obstante a falta de previsão legal, em nome do princípio de paridade de armas, deve ser intimado para falar sobre as alegações da defesa, tenho que a correição não se presta para fins do exame em abstrato sobre o prejuízo que possa ter a acusação em decorrência da falta da previsão legal vergastada, mesmo que se entenda recomendável que o magistrado possibilite à acusação de se manifestar sobre alegações trazidas pela defesa preliminar que possam autorizar a rejeição da denúncia (CPP, art. 397). A correição parcial tem por característica a apreciação de inversão tumultuária de atos e fórmulas legais do procedimento processual penal, e sempre vinculada ao caso concreto. Por fim, passo à apreciação da irresignação quanto à decisão do MM. Juízo a quo determinando o desentranhamento do relatório da Receita Federal requisitado diretamente pelo MPF ao Delegado da Receita Federal. Entendeu o MM. Juízo Singular que a prova, por envolver dados sigilosos, não poderia ter sido produzida sem autorização judicial, nos
seguintes termos (fls. 12183/83v, do apenso): 'Impende destacar, inicialmente, que o relatório da Receita Federal, mencionado pela defesa do réu José Antônio Fernandes, foi obtido pelo MPF através de ofício, através do qual o Procurador da República postulou, ao Delegado da Receita Federal em Santa Maria, 'investigações iniciais, com base nos cadastros a que esta instituição tem acesso, no intuito de ver a pertinência da investigação' (fl. 43 - autos 2007.71.02.004243-6). Em resposta, a Receita Federal encaminhou relatório, elaborado a partir das DIRF's (Declaração de Imposto de Renda Retido na Fonte) entregues pela FATEC desde 2002 (fls. 215/223, processo nº 2007.71.02.004342-6). Por certo, tais dados estão protegidos constitucionalmente por sigilo (art. 5º, XII), pelo que não poderiam ter sido requisitados diretamente pelo MPF, sem autorização do Poder Judiciário.
Nesse sentido:
'AGRAVO REGIMENTAL. INQUÉRITO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA.L QUEBRA DOS SIGILOS FISCAL, TELEFÔNICO E BANCÁRIO.
I - Quando necessária à apuração de ilícitos penais de caráter funcional, a quebra dos sigilos bancários, fiscal e telefônico pode ser determinada judicialmente mediante ato fundamentado.
II - A transformação em inquérito de feito de competência originária de notícia-crime, associada a informações de processo administrativo, não impõe a prévia concessão de prazo para a defesa dos implicados.
Agravos desprovidos'.
(AgRg no Inq 333/ES, Rel. Ministro FELIX
FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 17/04/2002, DJ 29/04/2002 p. 151)
Dessa forma, forte no art. 157, do CPP, tal relatório, porque se constitui de informações coletadas ilicitamente, deverá ser
desentranhado dos autos.' Contra essa decisão se insurge com razão o Ministério Público Federal. Entendo que fato do Parquet federal requisitar documentos diretamente à Receita Federal, não implica qualquer violação aos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais atinentes à matéria, constituindo, portanto, prova lícita, razão pela qual não há porque ser desentranhada dos
autos da ação penal. Especificamente em relação aos dados fazendários, tem-se que o intercâmbio de informações entre a Receita Federal e o Ministério Público não constitui quebra de sigilo fiscal. Entendimento diverso implica em ofensa ao consagrado princípio da razoabilidade. Isto porque se o Auditor-Fiscal da Receita Federal pode - e deve -, independentemente de qualquer manifestação
ou autorização judicial, encaminhar ao Ministério Público a representação fiscal para fins penais, quando constatado, em tese, fato que configure crime contra a ordem tributária, não há razão para que o destinatário de tais informações não possa requisitá-las quando entender necessárias para formação da opinio delicti (CP 2004.04.01.005131-9/RS, rel. Des. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Sétima Turma, DJU 01-12-2004).
Com efeito, dispõe a Constituição Federal:
'Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
(...)
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para
instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas
manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.'
Sobreveio à Carta Magna a Lei Complementar n.º 75/93, que assim dispõe:
"Art. 8º. Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:
(...)
II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta;
(...)
IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas;
V - realizar inspeções e diligências investigatórias;
(...)
VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar;
VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;
(...)
§ 2º. nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da
subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido" (grifei)
O art. 198, § 1º, inciso II, do Código Tributário Nacional, com a redação dada pela Lei Complementar 104/2001, exige apenas que o repasse de documentos de natureza fiscal seja feito em razão da instauração de processo administrativo, que vise a apuração de eventuais práticas de infrações. Do cotejo dos dispositivos constitucionais e legais anteriormente referidos, depreende-se que detém o Ministério Público a prerrogativa de desenvolver atividades investigatórias, desde que precedida de regular instauração de processo administrativo (como parece ser o caso), sendo-lhe possível requisitar documentos e informações a fim de instruí-lo.
Frise-se, por oportuno, que se cuida aqui de sigilo fiscal, e não de sigilo bancário, razão pela qual mostra-se desnecessária a autorização judicial para sua quebra.
Nesse sentido, veja-se os seguintes precedentes desta Corte:
'DIREITO PENAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. ART. 299 DO CP. INSERÇÃO DE DADOS FICTÍCIOS EM CONTRATO SOCIAL DE EMPRESA E PROCURAÇÕES. DOCUMENTOS. AUSÊNCIA DE SIGILO FISCAL. PROVA. CRIME TRIBUTÁRIO.
CONSUNÇÃO. INOCORRÊNCIA. PENA-BASE. DOSIMETRIA. REGIME. SUBSTITUIÇÃO.
1 - Rejeitada a preliminar concernente à suposta ilicitude dos elementos que embasaram a propositura da ação penal, eis que não se trata de documentos abrangidos por sigilo fiscal. Ademais, o entendimento consolidado nesta Corte é de não ser necessária
autorização judicial à Receita Federal para encaminhar peças ao Ministério Público a fim de instruir procedimento investigatório
criminal. 26-04-2006)
'PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. REITERAÇÃO DE PEDIDO. NÃO CONHECIMENTO. QUEBRA DE SIGILO FISCAL DIRETAMENTE PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. EXISTÊNCIA DE VÁLIDAS PROVAS INDEPENDENTES.
1. Não se conhece de writ quando as questões trazidas na impetração, referentes à eventual suspeição do magistrado,
constituem-se mera repetição de anterior habeas corpus recentemente julgado nesta Corte.
2. Entende a jurisprudência desta Corte ser possível ao Ministério Público Federal diretamente requisitar informações a quaisquer autoridades administrativas para a apuração de ilícitos, não lhe sendo oponíveis argüições de sigilo, nesse limite estando
assegurada a troca de informações com a Receita Federal.
3. Embora relevante o tema, é de todo modo descabida a ordem pretendida, pela suficiente existência de válidas provas
independentes.' (HC 2007.04.00.029968-1/RS, rel. Des. Federal NÉFI CORDEIRO, Sétima Turma, DE de 10.01.2008)
Veja-se que são contornos que afastam o entendimento proferido pelo MM. Juízo no sentido de que o Relatório elaborado pela Receita Federal a pedido do Ministério Público seja considerada prova ilícita. Assim não sendo, deve ser mantido nos autos, pois do interesse da sociedade. Por outro lado, devem ser preservados os interesses do investigado, resguardando-se o segredo das informações, restringindo-se o acesso às partes, evitando-se, assim, fins estranhos à lide. Ante o exposto, voto por, conhecendo em parte, deferir parcialmente a Correição Parcial" (fls. 495/499 – grifei.)
Da leitura do trecho supratranscrito e do exame acurado da prova pré-constituída, verifica-se que, na hipótese em apreço, o Procurador da República postulou ao Delegado da Receita Federal em Santa Maria "investigações iniciais, com base nos cadastros a que esta instituição tem acesso, no intuito de ver a pertinência da investigação", obtendo, assim, dados protegidos por sigilo fiscal sem a precedência de autorização judicial, consistentes em Declarações de Imposto de Renda Retido na Fonte (DIRF´s) entregues pela FATEC desde 2002. Por violação ao art. 5.º, inciso XII, da Constituição da República, o Juízo processante determinou o desentranhamento de tais documentos, tendo o Tribunal de origem, não obstante, entendido que a requisição do Ministério Público Federal estava em consonância com as atribuições da instituição, diante do que dispõe o art. 129 da Carta Magna, o art. 8.º da Lei Complementar n.º 75/93 e o art. 198, §1º, inciso II, do Código Tributário Nacional, com a redação dada pela Lei Complementar 104/2001. Tenho que a razão está com os Impetrantes. Esta Corte Superior já assentou o entendimento de que os poderes conferidos ao Ministério Público pelos referidos dispositivos legais não são capazes de afastar a exigibilidade de pronunciamento judicial acerca da quebra de sigilo bancário ou fiscal de pessoa física ou jurídica, mormente por se tratar de grave incursão estatal em direitos individuais protegidos pela Constituição da República no art. 5º, incisos X e XII.
Nesse sentido, exemplificativamente:
"HABEAS CORPUS. QUEBRA DE SIGILO FISCAL REALIZADA DIRETAMENTE PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. REQUISIÇÃO DE CÓPIAS DE DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. ILICITUDE DA PROVA. DESENTRANHAMENTO DOS AUTOS. CONCESSÃO DA ORDEM.
1. Considerando o artigo 129, inciso VI, da Constituição Federal, e o artigo 8º, incisos II, IV e § 2º, da Lei Complementar 75/1993, há quem sustente ser possível ao Ministério Público requerer, diretamente, sem prévia autorização judicial, a quebra de sigilo bancário ou fiscal.
2. No entanto, numa interpretação consentânea com o Estado Democrático de Direito, esta concepção não se mostra a mais acertada, uma vez que o Ministério Público é parte no processo penal, e embora seja entidade vocacionada à defesa da ordem jurídica, representando a sociedade como um todo, não atua de forma totalmente imparcial, ou seja, não possui a necessária
isenção para decidir sobre a imprescindibilidade ou não da medida que excepciona os sigilos fiscal e bancário.
3. A mesma Lei Complementar 75/1993 - apontada por alguns como a fonte da legitimação para a requisição direta pelo Ministério Público de informações contidas na esfera de privacidade dos cidadãos - dispõe, na alínea "a" do inciso XVIII do artigo 6º, competir ao órgão ministerial representar pela quebra do sigilo de dados.
4. O sigilo fiscal se insere no direito à privacidade protegido constitucionalmente nos incisos X e XII do artigo 5º da Carta Federal, cuja quebra configura restrição a uma liberdade pública, razão pela qual, para que se mostre legítima, se exige a demonstração ao Poder Judiciário da existência de fundados e excepcionais motivos que justifiquem a sua adoção.
5. É evidente a ilicitude da requisição feita diretamente pelo órgão ministerial à Secretaria de Receita Federal, por meio da qual foram encaminhadas cópias das declarações de rendimentos d paciente e dos demais investigados no feito.
6. Conquanto sejam nulas as declarações de imposto de renda anexadas à medida cautelar de sequestro, não foi juntada ao presente mandamus a íntegra do mencionado procedimento, tampouco o inteiro teor da ação penal na qual a citada documentação teria sido utilizada, de modo que este Sodalício não pode verificar quais "provas e atos judiciais" estariam por ela contaminados, exame que deverá ser realizado pelo Juízo Federal responsável pelo feito.
7. Ordem concedida para determinar o desentranhamento das provas decorrentes da quebra do sigilo fiscal realizada pelo Ministério Público sem autorização judicial, cabendo ao magistrado de origem verificar quais outros elementos de convicção e decisões proferidas na ação penal em tela e na medida cautelar de sequestro estão contaminados pela ilicitude ora reconhecida". (HC 160.646/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 01/09/2011, DJe 19/09/2011.)
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EVASÃO DE DIVISAS E SONEGAÇÃO FISCAL. QUEBRA DE SIGILO FISCAL E
BANCÁRIO. AUTORIZAÇÃO JUDICIÁRIA PARA COMPARTILHAMENTO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS EM OUTROS INQUÉRITOS QUE NÃO SE ESTENDE A FUTURAS QUEBRAS DE SIGILO FISCAL E BANCÁRIO. REQUISIÇÃO DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL RECONHECIDO. RECURSO PROVIDO.
1. Os membros do Ministério Público, no uso de suas prerrogativas institucionais, não estão autorizados a requisitar documentos fiscais e bancários sigilosos diretamente ao fisco e às instituições financeiras, sob pena de violar os direitos e garantias constitucionais da intimidade de da vida privada dos cidadãos.
2. A despeito de o sigilo das informações fiscais e bancárias não ser absoluto, uma vez que pode ser mitigado quando haja preponderância de interesse público, notadamente da persecução criminal, o próprio texto constitucional (art. 5º, inciso XII) exige a prévia manifestação da autoridade judicial, preservando, assim, a imparcialidade da decisão.
3. A autorização judicial para compartilhamento de dados e documentos obtidos nos autos de inquéritos policiais já instaurados, não valida, absolutamente, a futura requisição de dados sigilosos diretamente ao Fisco ou às Instituições Financeiras.
4. Recurso provido para determinar o desentranhamento dos autos das provas colhidas diretamente perante o Fisco sem autorização judicial".
(RHC 26.236/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 01/02/2010.)
"RECURSO EM HABEAS CORPUS – CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E DE
LAVAGEM DE DINHEIRO – INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES – QUEBRA DO SIGILO FISCAL DO INVESTIGADO – INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – REQUISIÇÃO FEITA PELO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DIRETAMENTE À RECEITA FEDERAL – ILICITUDE DA PROVA – DESENTRANHAMENTO DOS AUTOS – TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL – IMPOSSIBILIDADE – EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO NÃO
CONTAMINADOS PELA PROVA ILÍCITA – DADO PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.
I. A requisição de cópias das declarações de imposto de renda do investigado, feita de forma unilateral pelo Ministério Público, se constitui em inequívoca quebra de seu sigilo fiscal, situação diversa daquela em que a autoridade fazendária, no exercício de suas atribuições, remete cópias de documentos ao parquet para a averiguação de possível ilícito penal.
II. A quebra do sigilo fiscal do investigado deve preceder da competente autorização judicial, pois atenta diretamente contra os direitos e garantias constitucionais da intimidade e da vida privada dos cidadãos.
III. As prerrogativas institucionais dos membros do Ministério Público, no exercício de suas funções, não compreendem a possibilidade de requisição de documentos fiscais sigilosos diretamente junto ao Fisco.
IV. Devem ser desentranhadas dos autos as provas obtidas por meio ilícito, bem como as que delas decorreram.
V. Havendo outros elementos de convicção não afetados pela prova ilícita, o inquérito policial deve permanecer intacto, sendo impossível seu trancamento.
VI. Dado parcial provimento ao recurso". (RHC 20329/PR, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO
TJ/MG), QUINTA TURMA, julgado em 04/10/2007, DJ 22/10/2007.)
Ante o exposto, CONCEDO A ORDEM de habeas corpus para o fim de determinar que sejam destentranhadas dos autos as provas albergadas pelo sigilo fiscal, colhidas sem autorização judicial pelo Ministério Público perante o Fisco, não devendo serem
valoradas por ocasião da sentença.Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 25 de março de 2014.
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora

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