domingo, 2 de março de 2014

ECONOMISTA JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS AFIRMA QUE SAÍDA DA CRISE SÓ PODERÁ ACONTECER PELO AUMENTO DE INVESTIMENTOS PRIVADOS

O economista José Roberto Mendonça de Barros tem dito que o Brasil está preso em uma armadilha de baixo crescimento. O resultado do PIB de 2013, que ficou dentro de suas expectativas, foi interpretado por ele como uma confirmação. "Quatro anos de baixo crescimento, com média inferior a 2%, não traduz uma coisa casual", disse ele. Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e ex-secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior da Presidência da República, nos anos 90, ele afirma que, para voltar a crescer, o País precisa de mais investimentos privados. Diz Mendonça de Barros: "Vamos começar com 2014. O início do ano foi muito surpreendente. Três grupos de eventos inesperados, alguns que não tem ligação direta com a economia, estão dando um tom muito incisivo, o que é uma coisa rara. O primeiro deles é a fraqueza da economia no final do ano passado. Isso garante, de vez, que o governo Dilma, na média, vai ter crescimento inferior a 2%. Para 2014, a nossa estimativa é que fique por volta de 1,6%. Mas gente muito competente tem números inferiores, por volta de 1,4% O próprio Focus (relatório de mercado do Banco Central) veio com um número inferior, 1,8%. O segundo evento envolve um conjunto de países emergentes. Crises políticas ou econômicas, em certos casos, a combinação de ambas, em maior o menor grau, levaram a um movimento de saída de capitais dos emergentes, que afetou o Brasil. Temos casos de países com crises eminentemente política. A Tailândia rachou no meio, mas tem uma economia arrumadinha. Na Ucrânia, a crise é essencialmente de natureza política. Mas há países, como a Turquia, em que a crise é política e econômica. A Turquia tem muitas fragilidades – déficit em conta corrente, inflação, juros mais altos – e uma crise política detonada pela tentativa de fazer valer uma plataforma de islamização em um país que desde a sua fundação é orgulhoso de ser muçulmano, mas laico. Na América do Sul, os dois casos gravíssimos são Venezuela e Argentina. Em ambos, há uma crise política misturada com problemas na economia. Na minha avaliação, a Venezuela é um caso terminal. A escassez atingiu uma magnitude espantosa. Quase 70% do consumo é atendido por importações, o que praticamente garante a incapacidade da economia para suprir a demanda. A resposta tem sido política e meio destrambelhada. A Argentina não chega a tanto, mas está num caminho parecido, com políticas públicas heterodoxas e expansionistas, escassez de divisas, inflação em alta – o que reflete que a situação política tende a piorar. Nos dois casos, o Brasil paga o preço por uma aposta equivocada na política latino americana – se alinhar ao lado bolivariano que, hoje, já não há como esconder, é mesmo o lado perdedor. Do ponto de vista econômico, estamos amarrados, entalados, nessa decisão. Esse segundo grupo de problemas ajuda a pressionar o real e leva até um certo movimento de liquidação de ativos no Brasil. Parte disso acontece – já vimos isso muitas outras vezes – porque o mercado brasileiro é mais líquido que o de outros emergentes. O Brasil não tem a fragilidade de uma Turquia, mas sofre junto. No mercado internacional, o grupo dos emergentes está numa categoria única, embora os países não sejam iguais entre si. O terceiro ponto foi o verão muito seco e muito quente, absolutamente fora do padrão. Na esfera pessoal, prejudicou o bem-estar das pessoas. É uma dureza pegar o metro às seis horas da tarde com um calor de 36 graus. A seca está afetando bastante a economia. Na agricultura, não dá para ter uma avaliação definitiva, porque depende da chuva daqui para frente, mas é certo que vamos ter dificuldades. Temos o exemplo do feijão. A primeira safra foi muito boa e fez o preço cair. Mas a segunda será prejudicada. O preço já está subindo. No mercado internacional, a cotação do café explodiu porque a seca no Brasil criou problemas para safra deste e do outro ano. Aconteceu o mesmo com a cana-de-açúcar. Com a carne bovina, o problema foi a redução de pasto, que prejudicou a engorda. O preço da carne já está subindo no atacado. Os problemas foram um pouco menores na soja e no milho, porque os grãos estavam em processo de colheita. A primeira estimativa era de uma colheita de 196 milhões de toneladas para safra de 2013 a 2014. Ela pode cair a 188 milhões de toneladas. O outro aspecto ruim do calor sobre a economia foi a pressão sobre a infraestrutura. Estamos tendo déficit na oferta de água e sobrecarga no setor elétrico. A energia voltou com tudo ao debate. Nesse caso, há dois problemas. Um é a dificuldade de curto prazo – o sistema está operando no limite. O apagão foi o exemplo. A outra questão é uma de fragilidade estrutural. O risco de acidentes – ou incidentes, seja lá o nome que queiram dar para isso – aumenta quando é preciso transportar grandes massas de energia de uma região para outra. O preço da energia literalmente explodiu e isso não vai se alterar, uma vez que todas térmicas estão ligadas, inclusive porque é preciso poupar água nas hidrelétricas para a Copa. Ligaram até as térmicas, como diz o mercado, movidas a Channel Número 5, que usam combustível com preço de R$ 1,7 mil o MW. Isso terá implicação sobre as contas públicas. É difícil tomar a decisão de repassar esse custo para o consumidor, já que estamos em ano de eleição, mas alguma coisa precisa ser repassada ainda em 2014. Já está dado que uma das dificuldades fiscais do governo é o tamanho da conta do setor elétrico que precisa ser absorvida pelo Tesouro. A conta irá além daqueles R$ 9 bilhões já previstos no orçamento". Mendonça de Barros resume esse quadro de enormes dificuldades econômicas: "Tudo indica que o crescimento deste ano será significativamente inferior ao do ano passado. Gente muito competente está prevendo valores baixos para o PIB. O que isso caracteriza é que estamos mesmo presos a uma armadilha de baixo crescimento – e que essa armadilha não pode ser atribuída a fatores internacionais. Outros países com a mesma conjuntura estão crescendo mais do que a gente. Quatro anos de baixo crescimento, com uma média inferior a 2%, não traduz uma coisa casual. Há um problema maior. Vamos começar do fim para o começo. Crescemos pouco, porque investimos pouco. E não adianta ficar se enganando com os números. Se a gente pegasse as expectativas de crescimento de trilhões de investimentos que o BNDES solta, de tempos em tempos, estaríamos com uma taxa de investimento de 25%. Mas estamos com 19% feitos a duras penas. Não adianta pegar o vale da taxa de investimento, que, se não me engano, é de 2004, e fazer uma reta com a régua para dizer que cresce de 4% a 5% ao ano. Você precisa pegar os três anos anteriores, ajustar a régua, e vamos ver que estamos há muito tempo com uma taxa de investimento em torno de 18%. Não é verdade que temos um crescimento puxado por investimentos. O investimento no ano passado foi muito bom, mas sofreu um bocado de influência daquele fenômeno dos caminhões e do excelente desempenho do setor agropecuário - que não vai se repetir neste ano. Nossa projeção para o crescimento da agricultura vai de 8%, no ano passado, para 3% neste ano – o que é muito bom. Então, antes de tudo, o investimento é pouco. Isso ocorre por dois fenômenos diferentes, mas que se somam. O primeiro, foi a frustração da expectativa, criada nos últimos anos, de que o setor público seria um poderoso elemento para impulsionar o investimento direto. Isso não se verificou. Os projetos estão atrasados, assistimos as desventuras do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) com as estradas, os portos não avançaram. Existiu muita boa vontade, mas a forma de fazer, infelizmente, não deu certo. Não tenho nada contra o investimento do Estado. Eu cresci e me formei no momento em que rodovias eram abertas pelo DNER (o extinto Departamento Nacional de Estradas e Rodagens). O problema é que o Estado não fica de pé. Não faz. Não consegue concretizar. Os projetos não andam. Atrasam três, quatro, cinco anos. E, pior, consomem cada vez mais recursos. É enorme a lista de grandes projetos com atraso superior a quatro anos: a Transnordestina, as refinarias da Petrobras, hidrelétricas. Numa espécie de Sebastianismo, bem ao estilo do governo Ernesto Geisel, se imaginou que o Estado faria tudo. Do lado do investimento privado, os estímulos foram contrários ao que deveriam ter sido. Veio o controle de preço, a tentativa de controle da taxa de retorno de certos projetos, uma discussão sobre concessão ou privatização, sem falar nos problemas de regulação que chegaram a paralisar alguns setores. Exemplo: o novo código de mineração. O setor está parado há quatro anos esperando o código. É verdade que no final do ano passado foram feitas algumas coisas que melhoraram o ambiente, mas se pegarmos os últimos quatro anos, não aconteceu praticamente nada. E olhando para frente, se não fizermos coisas fundamentais, os avanços não ocorreram. O grande exemplo para mim é porto. Se olharmos o mundo, vamos ver que os portos estão se preparando para receber navios que possam cruzar o novo canal do Panamá. Todos estão gastando um monte de dinheiro com isso. Mas em Santos, o problema é o calado. Não conseguimos manter 15 metros de calado – já voltou a assorear. Vai começar a novela do assoreamento outra vez. O desassoreamento do canal de Santos consumiu 10 anos e voltamos a isso. E ainda chamo a atenção para uma coisa importante que infelizmente foi se perdendo. Infraestrutura precisa de bons projetos. A pressa em fazer as coisas tornou normal a ausência de projetos mais detalhados. Sem eles, você descobre vários problemas durante a execução, problemas que somados a outras deficiências, como a demora para conseguir licenças ambientais, levam os empresários a investir muito menos. Boa parte dos incentivos apontam na direção errada. Um exemplo micro e pouco conhecido é a nova regulamentação da segurança do trabalho, a NR-12. Ela foi revisada em 2010 e traz equívocos de conceituação fundamentais. Não distingue, por exemplo, o estoque de máquinas com o fluxo de novas máquinas. Trata de tantas características que máquinas aprovadas na Alemanha não seriam liberadas no Brasil. Também há equívocos no pressuposto do financiamento de investimentos. Parte-se do princípio de que os recursos do Tesouro Nacional são infinitos e que o caixa das companhias são ilimitados. Voltemos a RN-12. Ela é o exemplo de como idéias generosas desincentivam o investimento. Ninguém é contra a segurança no trabalho. Mas essa regra, na prática, sucateia boa parte das máquinas em operação num momento em que as companhias, principalmente as de bens de capital, passam por dificuldades. Isso come o investimento.

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