segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

DEPOIS DAQUELE BEIJO. OU: VÃO CAÇAR SAPO NA BEIRA DO BREJO! OU AINDA: DEMOCRACIA E NORMA

Ah, vão caçar sapo na beira do brejo — se encontrarem o brejo, se encontrarem o sapo, e, nesse caso, entreguem-no a Marina Silva, que sapo também é gente, certo? Aliás, mais gente do que gente! — os que não entendem ou fingem não entender o que leem porque vêm pra cá com um discursinho pronto na linha: “Ah, os conservadores sempre reagem…” Que mané conservador o quê! Ninguém sai por aí praticando sexo contra a sua orientação só porque a novela ou o BBB ou naturalizam ou glamorizam essa ou aquela práticas. Atração, repulsa ou indiferença nessa área não dependem de discursos influentes, de pregação, de proselitismo. Já a tolerância com o outro é uma questão de educação e de formação moral. Se há alguém achando que haverá mais gays no Brasil por causa daquele beijo mixuruca, essa não é, definitivamente, a minha opinião. Algum heterossexual se sentiu tentado a beijar um amigo na boca? Se a resposta for “sim’, a novela não tem nada com isso. O meu ponto é outro.

Com hábitos de consumo — drogas, por exemplo —, a coisa é muito diferente. Ninguém precisa ir contra a sua natureza e aquilo que essencialmente é para “experimentar” uma substância. Se as novelas, o jornalismo e o showbiz usam de uma posição privilegiada para fazer a apologia de determinadas substâncias ou práticas, é evidente que contribuem para derrubar interdições e que a consequência será, por exemplo, uma elevação do consumo da substância em questão.
Caiu brutalmente no Brasil o consumo de tabaco. Coincide com o fim da propaganda, com as campanhas alertando para os malefícios dessa droga lícita, com as dificuldades crescentes criadas para os fumantes. Com a maconha, por exemplo, dá-se o contrário. Os maconheiros, à diferença dos tabagistas, são bons de marketing e ocupam hoje o topo de uma suposta “resistência aos conservadores”. Assim como a demonização de um produto leva à queda do consumo, a exaltação do outro faz o contrário. Simples como dois e dois são quatro. Misturar as duas coisas ou é, na hipótese virtuosa, vender a ignorância como sabedoria; na não-virtuosa, vender a má-fé como se fosse simples ignorância.
No meu texto sobre a novela, não escrevo “sobre beijo gay” — era só o que me faltava… Escrevo sobre esse o “agendismo” que tomou conta da televisão, muito especialmente da Globo. É quase impossível ver televisão hoje em dia sem ser molestado por alguma militância, sem que apareça um aiatolá de alguma causa para tentar provar a sua superioridade moral sobre os demais viventes. Isso é que é chato, cacete, enfadonho e emburrecedor.
E, aí sim, os truques mais rasteiros, inclusive os, vá lá, da dramaturgia são postos em ação. É tão escandalosamente evidente que Walcy Carrasco mandou às favas qualquer compromisso com a verossimilhança em nome de uma agenda que demonstrá-lo chega a ser penoso, porque não há modo de fazê-lo se não por intermédio de um didatismo pedestre — como foi o da novela. Deem uma só razão para Félix, sem trocadilho, encontrar a felicidade sem arcar minimamente com o custo de suas maldades. Digamos que ele tenha sido vítima, até um determinado ponto, das circunstâncias em que foi criado. E não se poderia dizer o mesmo de César? E há, adicionalmente, a misoginia, da qual já falei. “Você não é mulher e não tem de se meter nisso; se elas não se incomodaram…” Uma ova! Misoginia é uma questão pública. Como é uma questão pública, porque exibida para milhões, a determinação da novela em “naturalizar” famílias, digamos, pouco ortodoxas. Regra civilizatória: o desvio da norma, numa democracia, não pode ser satanizada. Se o desvio vira normal, a democracia fica de ponta-cabeça.
Se há alguém desarvorado com o risco de que haja um surto de gayzismo por causa da novela, pode relaxar. Não vai acontecer. Talvez uns e outros resolvam, seguindo a agenda, se beijar em público, estimulados pelo proselitismo. E daí? Se você não gosta de ver, vire a cara e cuide de sua vida. Não é da sua conta. O problema de “Amor à Vida” é outro: acabou se transformando num panfleto de simplificações rasteiras para vender causas. E seu ponto mais baixo foi o discursinho cretino em favor da descriminação do aborto. Numa novela chamada “Amor à Vida”. Por Reinaldo Azevedo

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