quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O "PORTA DOS FUNDOS", A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O DIREITO DOS CRISTÃOS À REAÇÃO

porta dos fundos
Não acho que comentaristas de política devam ficar terçando armas com humoristas, embora, em essência, o humor sempre fale a sério. No geral, interessa-me nele mais a mecânica da desconstrução de uma lógica aparente ou formal, de que são capazes os bons, do que o conteúdo propriamente. Em princípio, qualquer assunto pode ser objeto dessa desconstrução. A quem ocorreria, no entanto, fazer graça, deixem-me, ver com os sírios, submetidos ao carniceiro Bashar Al Assad e também a seus adversários, não menos asquerosos? Como arrancar um riso ou fazer uma ironia inteligente sobre a boate Kiss? “Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém. Tudo me é permitido, mas eu de nada (nem de ninguém) serei escravo”. É São Paulo na 1ª Epístola aos Coríntios, ensinando que a noção de limite também é libertadora. Para que dê sequência a este texto, é preciso que um valor esteja presente à leitura de cada linha: se, em algum momento, parecer que estou a defender a censura estatal, ou de qualquer outra natureza, ao humor do Porta dos Fundos ou de qualquer outro, ou eu não estarei a me expressar com clareza ou o defeito estará no entendimento. Vamos seguir.
Visitei regularmente esse site de humor até aquele vídeo em que um ginecologista identifica a imagem de Jesus Cristo na vagina de sua paciente, durante um exame ginecológico. Nem vi como terminava, acreditem. Leitores me contaram que o alvo final eram os evangélicos. Sou católico. Aquilo me ofendeu por causa da minha religião? Não! Achei burro, grosseiro, sem graça. Na Internet, é muito fácil “provocar reações”, não é? Mexer com religião, especialmente agredindo a fé das pessoas, é um caminho fácil para mobilizar amores e rancores. Nem sempre, como é o caso, é o mais inteligente.
Cheguei até ali com o “Porta dos Fundos” e não segui adiante. Para mim, estava bom. Vi mais uns dois ou três vídeos, em links recomendados por amigos e leitores. E só. Sim, é verdade, eu já os elogiei aqui e mantenho os termos do que escrevi. Assim, recomendo, com clareza meridiana, que os descontentes com o humor da turma façam como eu: não vejam! Não se perde tempo nem se ganha aborrecimento.
Fiquei sabendo nesta terça — e foi nesta terça mesmo — que uma entidade católica já havia recorrido ao Ministério Público contra o Porta dos Fundos. Agora, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), com faro para a polêmica, decidiu também recorrer ao MP contra um “Especial de Natal” produzido pelo grupo. Segundo Feliciano, o material traz “conteúdo altamente pejorativo, utilizando-se inclusive de palavras obscenas, e de forma infame atacou os dogmas cristãos e a fé de milhares de brasileiros que comungam deles (…)”. O deputado quer uma indenização de R$ 1 milhão. Se vitoriosa a causa, diz que doará o dinheiro para as Santas Casas de Misericórdia.
À Folha, Feliciano afirmou: “Esse vídeo ofende os cristãos. Não há necessidade de fazer humor com religião. Deixem os cristãos em paz. Esse não foi o primeiro vídeo. Agora, esperamos que eles tenham limite. Se não colocarem limites, vou convocar todos os religiosos a fazerem um boletim de ocorrência contra eles. No mínimo, vai dar muita dor de cabeça”. A turma do “Porta dos Fundos” tem seus advogados e não precisa do meu amadorismo. Mas pode, sim, dar uma dor de cabeça dos diabos. A religiosidade é um bem protegido pela Constituição, e o Código Penal também trata do assunto. Isso é lá com eles. Mas não quero me antecipar porque essa questão ainda vai aparecer mais adiante.
Calma lá!
A ação dos católicos repercutiu pouco — eu mesmo a desconhecia. A de Feliciano, por conta da notoriedade que lhe conferiram os gays na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, já está gerando um escarcéu danado. E começou a gritaria: “O Estado é laico!”; “Isso é censura!”; “Esse pastor precisa aprender o que é democracia!”; “Feliciano quer ditadura!”. Opa, opa, opa! Calma lá. Se o direito de o “Porta dos Fundos” fazer piadas estivesse em questão, eu estaria entre os primeiros a assinar um manifesto em sua defesa — é bem possível que um ou outro membros do grupo jamais assinassem um manifesto em favor do meu direito de escrever o que me der na telha. Mas essas coisas não exigem reciprocidade.
Devagar com o andor — sem querer fazer graça: numa democracia, recorrer à Justiça é um direito. Não há nada de errado, de antidemocrático ou de autoritário na decisão dos católicos ou de Feliciano. Os que acham que seus direitos foram agravados têm três caminhos: a) silenciar; b) tentar resolver no braço; c) recorrer à Justiça. Sim, há a possibilidade de acordo, sem perturbar o estado com isso, mas não creio que funcionaria no caso em espécie: “Pô, pessoal, vamos pegar leve; acho que houve exagero…”. Não daria pé.
Feliciano enviou ainda uma carta à Fiesp, uma das patrocinadoras do grupo, pedindo que reveja o apoio: “Aproveito para, encarecidamente, pedir à V. Sa. e seus representados que reflitam sobre o patrocínio que estão proporcionando ao site chamado Porta dos Fundos que, reiteradamente, vem através desses vídeos, que alegam proporcionar humor aos seus espectadores e nada mais fazem do que achincalhar as pessoas como nós que professamos a fé cristã”.
De novo, é preciso indagar: o que há de errado nisso ou de antidemocrático? Nada! Feliciano, os católicos e os cristãos em geral têm o direito, inclusive, de propor um boicote ao site e às marcas que o patrocinam. Se ações assim funcionam, não tenho a menor ideia. Práticas dessa natureza, diga-se, foram inauguradas pelas esquerdas. Ninguém lá no “Porta dos Fundos” tem cara de ingênuo. Ou será que eles ignoram que determinadas abordagens enfurecem muitos cristãos? Posso apostar que contam com isso, inclusive, para ganhar audiência e influência na Internet. Convenham: em certos círculos militantes e ateus, arrumar uma briga com Feliciano pode até ser uma bênção. Mas sempre há o risco de passar do ponto, não é? Por definição, é sempre do topo que se começa a cair. Como é mesmo? “A gente é mais famoso que Jesus Cristo” — ou algo assim…
O “Porta dos Fundos”, outros antes deles e outros depois deles são todos herdeiros do Monty Python — um grupo verdadeiramente engraçado, culto, inteligente. A melhor cena de humor que conheço está no filme “A Vida de Brian”, num trechinho conhecido por “O que nos deram os romanos?”. Já publiquei aqui o vídeo e a tradução do diálogo. Pode ser que alguém se ofenda com aquilo? É possível. Não há ali — como em tudo o mais que o grupo fez — uma só canelada, uma só grosseria, uma só generalização estúpida, e o humor vive, em parte, da generalização, daí a necessidade de cuidado. É bem verdade que, na sua curta existência, o “Porta dos Fundos” já fez mais piadinhas do que o Monty Python em décadas. Nem sempre dá para escolher o roteiro, pelo visto. Na falta de uma ideia melhor, por que não provocar os religiosos? Sempre funciona. Perdi o interesse por eles em razão desse e de outros proselitismos — maconha, por exemplo. Humor, quando pretende doutrinar, vira política — e precisa tomar cuidado para não se tomar como uma religião.
Cristo e Maomé
No dia 3 de abril de 2013, faz tempo já, escrevi aqui um post sobre uma entrevista de Fábio Porchat a Sônia Racy. Ele sustentava que o limite do humor é não ter graça. Leiam este trecho (em vermelho):Por quê? Acha que o limite [do humor] é não ter graça?
Acho que, no nosso caso, somos cinco cabeças pensando. Cinco sócios. Então, é difícil uma coisa passar despercebida. A gente tem batido em coisas que, na verdade, merecem apanhar. No idiota que inventou a Ku Klux Klan, no padre pedófilo. Eu, por exemplo, não faço piada com Alá e Maomé, porque não quero morrer! Não quero que explodam a minha casa só por isso (risos). Mas, de um modo geral, a gente vai fazendo, vai falando.
Não houve uma situação em que vocês falaram “isso não”?
Já. E a gente não fez.
Na conversa com a Folha, Feliciano afirmou: “Não entendo esses ataques. Eles só mexem com os cristãos porque sabem que somos pacíficos. Por que não mexem com muçulmanos?”. Bem, Porchat respondeu à pergunta de Feliciano, não é mesmo? E vou ter de discordar de ambos — no fim das contas, reparem, eles são mais iguais no pensamento do que ambos gostariam.
Por que não posso concordar com a pergunta-afirmação de Feliciano? Ora, o fato de humoristas não poderem fazer piada com Maomé e Alá não deve servir de argumento definitivo para que não se faça piada também sobre o cristianismo. Fosse assim, a interdição imposta pelos islâmicos relativa à sua religião seria de tal forma poderosa que acabaria se alastrando para as demais religiões. E eu não posso concordar com isso.
Mas a resposta de Fábio Porchat é também inaceitável. O fato de os humoristas, por uma covardia justificada, não fazerem piada sobe o Islã deveria levá-los a uma reflexão: então a violência cultivada por uma religião os empurra para o silêncio, e o reconhecido pacifismo da outra, para a falta de limites — a não ser o da graça? Não é possível! Fosse assim, a tal graça (quando não envolve islâmicos, claro!) seria um valor soberano, superior a todos os outros. Essa fala, ademais, é perigosa porque está a sugerir que, se os cristãos reagissem de forma violenta, eles parariam. Não é um bom modo de pensar.
No dia 8 de março de 2012, dei aqui uma esculhambada em Mark Thompson, que não era um humorista como Porchat e seus amigos, mas diretor-geral da BBC. Hoje, é o chefão do New York Times (já falo sobre este jornal também). E por que ataquei Thompson? Reproduzo parte daquele post (em azul):
O chefe da BBC, Mark Thompson, admitiu que a rede BBC jamais zombaria de Maomé como zomba de Jesus. Ele justificou a espantosa confissão de preconceito religioso dando a entender que zombar de Maomé teria o mesmo peso emocional da pornografia infantil. Mas tudo bem zombar de Jesus porque o cristianismo suporta tudo e tem pouca relação com questões étnicas.
Thompson diz que a BBC jamais teria levado ao ar “Jerry Springer -The Opera” — um polêmico musical que zomba de Jesus — se o alvo fosse Maomé. Eles fez essas declarações numa entrevista para um projeto de pesquisa da Universidade Oxford.
Thompson afirmou: “A questão é que, para um muçulmano, uma representação teatral, especialmente se for cômica ou humilhante, do profeta Maomé tem o peso emocional de uma grotesca peça de pornografia infantil”. O porta-voz da BBC não quis comentar as declarações.
No ano passado, o ex-âncora da BBC Peter Sissons disse que é permitido insultar os cristãos na rede, mas que os muçulmanos não podem ser ofendidos. Sissons, cujas memórias foram publicadas numa série no Daily Mail, afirmou: “O Islã não pode ser atacado sob nenhuma hipótese, mas os cristãos, sim, porque eles não reagem quando são atacados”. O ex-apresentador disse também que os profissionais têm suas respectivas carreiras prejudicadas se não seguem essa orientação da BBC.
Retomo
No dia 16 de março daquele mesmo ano, oito dias depois, registrei post a covardia do New York Times. O jornal publicou um anúncio, que custou US$ 39 mil, que convidava os católicos a abandonar a sua religião, classificando de equivocada a lealdade a uma fé marcada por “duas décadas de escândalos sexuais envolvendo padres, cumplicidade da Igreja, conluio e acobertamento, da base ao topo da hierarquia”. Eis o anúncio.
anúncio contra os católicos
Pois bem. A blogueira Pamela Geller, que comanda a página “Stop Islamization of America”, tentou pagar os mesmos US$ 39 mil para publicar no mesmo New York Times um anúncio convidando os muçulmanos a abandonar a sua religião. O texto afirma: “Junte-se àqueles que, como nós, colocam a humanidade acima dos ensinamentos vingativos, odiosos e violentos do profeta do Islã”. Assim:
anúncio contras o islã
Sabem o que aconteceu? Com a coragem do humorista Fábio Porchat e de seus amigos, o New York Times se negou a publicar o anúncio. Eileen Murphy, porta-voz do NYT, repete a resposta que teria sido enviada a Pamela quando houve a recusa: “Nós não nos negamos a publicar. Decidimos adiar a publicação em razão dos recentes acontecimentos no Afeganistão, como a queima do Corão e o assassinato de civis por um membro das Forças Armadas dos EUA. Acreditamos que a publicação desse anúncio agora poderia pôr em risco os soldados e civis dos EUA, e nós gostaríamos de evitar isso”.
E não se tocou mais no assunto.
Perseguidos
Gregório Duvivier, o melhor ator deles todos, escreveu uma coluna na Folha respondendo com ironia não muito fina ao cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Sherer, que reclamou no Twitter de um dos vídeos do Porta dos Fundos. Duvivier estava bravo mesmo. A empresa de que ele é sócio já fez muitos vídeos esculhambando a religião de que dom Odilo é sacerdote graduado. Mas o humorista não engoliu os 140 toques do bispo reclamando no Twitter. De quem é a intolerância com a crítica? Jogou nas costas do bispo a perseguição a Galileu Galilei, o fato de a Igreja não ordenar mulheres, opor-se ao aborto de fetos de anencéfalos etc. Aí o humorista falava a sério. Uma pena!
Estou certo, e acho que ele faz muito bem, que Duvivier não é do tipo que faria piada com palestinos da Faixa de Gaza, por exemplo — ou com os já citados sírios. Não hoje em dia. Com Maomé, a gente já sabe, nem pensar! Há coisas na Igreja de que, a gente percebe, ele não gosta. Tem esse direito. Como humorista e como pensador. Mas se é pra ter um “papo firmeza”, vamos lá.
Em 2012, pelo menos 105 mil pessoas foram assassinadas no mundo por um único motivo: eram cristãs. O número foi anunciado pelo sociólogo Maximo Introvigne, coordenador do Observatório de Liberdade Religiosa, da Itália. E, como é sabido, isso não gerou indignação, protestos, nada. Segundo a Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), 75% dos ataques motivados por intolerância religiosa têm como alvos os… cristãos. Mundo afora, no entanto, o tema quente, o tema da hora — e não é diferente na imprensa brasileira —, é a chamada “islamofobia”, certo?
Se Duvivier quer ir além da piada ideológica, que não tem graça, terá de reconhecer que a igreja que não ordena mulheres é a maior cuidadora do mundo de crianças abandonadas e de mães que trabalham. Também mantém a maior rede de assistência social do mundo. E é a entidade privada que mais financia leitos hospitalares no mundo. Nesta hora, seus missionários estão lá pelos rincões da África, muitos deles protegendo comunidades da fúria de milícias muçulmanas. Em Darfur, mais de 400 mil pessoas foram assassinadas porque eram cristãs. Galileu Galilei? Robespierre matou em dois anos dezenas de vezes mais do que o Santo Ofício em quatro séculos. Eram crimes do Iluminismo?
Atenção!
Nada disso pode impedir, reitero, o “Porta dos Fundos” de fazer humor sobre o que bem entender. Sim, a Constituição protege a liberdade religiosa, conforme se lê no Inciso VI do Artigo 5º:
“VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Não por acaso, já que são questões contíguas, é o mesmo artigo que trata da liberdade de expressão, no Inciso IX:
“IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
A ele se junta, nas garantias, o Artigo 220:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
O Código Penal, no entanto, estabelece, no Artigo 208:
“Art. 208 – Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.”
O “Porta dos Fundos” faça o que quiser e siga na trilha que achar melhor, mas há uma penca de leis — inclusive aquelas que protegem a honra — que disciplinam aquela liberdade de expressão, que não é, a exemplo de qualquer direito, um bem absoluto. Se o escarnecimento por motivo de crença é considerado crime, é um sinal de que a liberdade de expressão não o abarca; se a calúnia, a injúria e a difamação são crimes, da mesma sorte não estão protegidas por aquele fundamento. O assunto pode, sim, render. E muito!
Começando a caminhar para a conclusão
Já escrevi aqui sobre uma igreja criada nos EUA chamada Westboro Baptist Church. É composta por um bando de malucos liderados por um tal Fred Phelps. Ele teria recebido uma mensagem divina informando que Deus estava castigando as tropas americanas no Iraque e no Afeganistão por causa da… tolerância com o homossexualismo!!! A missão de sua igreja seria anunciar isso ao país. E o que fazia Phelps e seu bando de lunáticos, boa parte gente de sua própria família? Cruzava o país de norte a sul, de costa a costa e, onde houvesse funeral de um soldado, lá estavam eles brandindo cartazes com os seguintes dizeres: “Obrigado, Deus, pelos soldados mortos”, “Obrigado, Deus, pelo 11 de Setembro” e “Você vai para o inferno”. Eles são asquerosos? Não tenho a menor dúvida. A direita americana os despreza. Os liberais (a esquerda de lá) não menos.
Albert Snyder, pai de um fuzileiro naval, processou a Westboro. Numa primeira instância, a Justiça lhe concedeu uma indenização de US$ 11 milhões, reduzida depois a U$ 5 milhões. O caso foi parar na Suprema Corte. Atenção! Por 8 votos a 1, os juízes decidiram que a Primeira Emenda garante à canalhada o direito de dizer o que diz. Se bem se lembram, a Primeira Emenda é aquela que proíbe o Congresso até de legislar sobre matéria que diga respeito à liberdade de expressão e à liberdade religiosa. Para quem se interessar, a íntegra da sentença está aqui.
Também em relação aos vídeos do “Porta dos Fundos”, que deixaram de me interessar, faço minhas as palavras o economista Walter Williams, um ultraliberal negro, em entrevista à VEJA:
“É fácil defender a liberdade de expressão quando as pessoas estão dizendo coisas que julgamos positivas e sensatas, mas nosso compromisso com a liberdade de expressão só é realmente posto à prova quando diante de pessoas que dizem coisas que consideramos absolutamente repulsivas”.
Quando fui contratado para ser colunista da Folha, enfrentei uma canalha, inclusive da imprensa e do humor, que passou a defender uma forma de linchamento moral e de censura. Eu não quero censurar ninguém, ainda que certas coisas possam ser repulsivas.
E agora vou concluir mesmo
Dei uma olhada no tal vídeo de Natal, o que mais está gerando polêmica. Há lá uma tentativa de graça com os cravos fincados nas mãos de Jesus Cristo, representado por Gregório Duvivier. É engraçado? Huuummm… Tem gente que já vem equipada de fábrica com todos os antidepressivos, certo? Processar o “Porta dos Fundos” por aquilo? Eu não o faria. Mas compreendo que os cristãos se sintam ofendidos.
Como se ofenderiam os jornalistas, acho, e qualquer pessoa decente, se fizessem uma graça com Tim Lopes, colocando-o numa pira de pneus (o micro-ondas), com alguém indagando: “E aí, está quentinho?”. Ou, sei lá, se aparecessem humoristas para fazer piadas — vou citar dois assassinos — com Carlos Lamarca ou com Carlos Marighella, ali, na hora final. Acho que seriam chamados de “fascistas”, de “direitistas”, de “reacionários”. Mais: alguém logo escreveria um artigo apontando a, como é mesmo?, “guinada à direita” do humor.
Walter Williams de novo: “A liberdade de expressão só é realmente posta à prova quando diante de pessoas que dizem coisas que consideramos absolutamente repulsivas”.
Por mim, o “Porta dos Fundos” segue fazendo o que vem fazendo, seja lá o que for. Não me interessa mais faz tempo. Quem não gostar que não veja. Eu continuo com São Paulo: “Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém. Tudo me é permitido, mas eu de nada (nem se ninguém) serei escravo”.Os rapazes do site têm o direito de ser escravos dos próprios preconceitos. Enquanto for um bom negócio, mudar por quê? Só não vale reclamar e acusar os cristãos de autoritários. Eles também têm o direito de dizer o que pensam e, se acharem que é o caso, de apresentar petições ao Poder Público. Trata-se de um dos pilares da democracia. Por Reinaldo Azevedo

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