sábado, 11 de janeiro de 2014

ARIEL SHARON (1928-2014)


O ferido Sharon ao lado do icônico Moshe Dayan, no canal de Suez na guerra de 1933
O ferido Sharon, ao lado do icônico Moshe Dayan, no canal de Suez na guerra de 1973
Jonathan Freedland escreveu com propriedade no jornal britânico The Guardian: Ariel Sharon passou os últimos oito anos no limbo, entre a vida e morte, depois do derrame de 4 de janeiro de 2006. A imoblidade e o estado de ambivalência não combinavam com este homem resoluto, de ação, do tudo ou nada e que gerava ódio ou admiração. Sharon era o açougueiro de Beirute, aquele que deu sinal verde para as milícias cristãs (os falangistas) massacrarem palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Shatila em 1982. Era também Arik, o rei de Israel.
Eu, soldado desde a infância do sionismo de esquerda, cresci com ódio de Sharon, embora ele fosse afilhado do meu herói, David Ben-Gurion, o pai da independência de Israel. Sharon é um dos últimos a partir da geração dos guerreiros da independência em 1948, combatente de ousadas campanhas militares, mas também de guerras sujas, de massacres de palestinos e patrono das colônias judaicas nos territórios ocupados, que deixaram de ter propósitos meramente estratégicos para se tornarem um delírio nacionalista e religioso.
Como outro integrante desta geração, Yitzhak Rabin (o primeiro-ministro assassinado por um extremista judeu de direita em 1995), Sharon fez a transição de soldado implacável para estadista, quem sabe até para profeta da paz. Meu ódio se transformou em perplexidade e mesmo admiração com esta guinada de Sharon. No essencial, ele nunca mudou: a defesa de Israel antes de tudo, mas com a madura, fria e honesta constatação de que o fardo da ocupação era muito pesado. Corajoso e implacável, Sharon, o primeiro-ministro, empreendeu a retirada unilateral da faixa de Gaza em 2005.
Sharon olhava para frente. Dizia-se que ele não parava no sinal vermelho. Sharon assumia os riscos sem hesitação. E este homem resoluto foi mais uma vez para frente (certa vez na guerra, cruzou o canal de Suez) quando reconheceu que a ocupação não poderia continuar. Quem mais tinha tanta credibilidade para dar esta guinada? A direitona israelense ficou com ódio de Sharon (o meu já tinha sido sufocado) e os palestinos e sua claque internacional também preferem ficar imobilizados na sua narrativa sobre o açougueiro, o assassino, o carrasco, mas Sharon deu a guinada por amor a seu país e ao seu povo. Só os judeus deveriam controlar o seu destino, mas não poderiam fazer isto controlando outro povo. O general construtor de assentamentos foi à luta para destruí-los. Sempre fazendo justiça ao apelido de “bulldozer”.
Sharon não era um hippie geopolítico. Seu curso de ação para o desengajamento nos territórios foi modesto. Ele topou o desmantelamento de todos os 21 assentamentos de Gaza, mas apenas de quatro na Cisjordânia. Mais adiante, quem sabe mais desmantelamentos. Mas, já foi um divisor de água em Israel. Falava-se até em guerra civil em 2005 (e não vamos esquecer que dez anos antes Rabin fora assassinado por um judeu), mas Sharon era um visionário com os pés no chão. Ele impediu que as coisas fossem para o espaço ou que o lobby dos colonos revertesse sua decisão histórica em Gaza. Os passos mais ousados rumos à paz, do lado israelense, foram dados por calejados generais como Rabin, Sharon (e também Ehud Barak).
O combatente que improvisava no campo de batalha (e também na política) passou a ver as coisas de forma menos dogmática, conforme diz David Landau que este mês publicará a biografia “Arik”. O militar que muitas vezes desacatava autoridades e descumpria ordens, rendeu-se à realidade e disparou para o centro. Sharon novamente se rebelou, abandonou o direitista partido Likud (do atual primeiro-ministro Benjamin Netanyahu) e fundou o Kadima, que em hebraico significa à frente. Sharon venceria facilmente as eleições quando foi derrotado pela derrame. Hoje, o Kadima é um partido anêmico, embora voz vigorosa a favor do processo de paz e integrante da coalizão de governo liderada por Netanyahu.
Um tarimbado jornalista israelense, Ben Caspit, definiu bem Sharon, o guerreiro-estadista. Ele concluiu que a força de Israel não estava no tamanho do seu território, mas na sua legitimidade, na sua coesão interna e na sua aliança com os EUA (mais difícil com a Europa). Para muita gente, Sharon se tornava uma voz que pregava no deserto, um profeta equivocado. Esta gente está equivocada. O resultado da retirada de Gaza foi o terror do Hamas e seus foguetes. Mas isto não invalida a visão estratégica de Sharon.
Os líderes palestinos que amadureçam como o general-estadista israelense. Na sua visão realista e coragem, Sharon ainda não foi acompanhado pelo outro lado. Será preciso muita paciência. A história do Oriente Médio não se mede por um punhado de anos. Hoje o cenário está desolador. Os palestinos têm líderes venais e Israel, medíocres como Netanyahu.
O Oriente Médio precisa de Mandelas ou pelo menos de bulldozers nativos como Ariel Sharon. Por Caio Blinder

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