sexta-feira, 17 de maio de 2013

A morte de Videla, a violência institucional e as mentiras que se beneficiam das comissões da verdade

Morreu o ex-ditador da Argentina Jorge Rafael Videla, que comandou o país entre 1976, ano do golpe militar, e 1983. Além da piedade de que todo ser humano, em alguma medida e em algum momento de sua trajetória, é merecedor, não há por que derramar uma lágrima por ele. Ainda que os militares tenham assumido o poder no país na esteira do caos provocado pelo governo de Isabelita Perón, não há como justificar a rotina de brutalidade e barbárie que se instalou no país sob o pretexto de restabelecer a ordem e combater os grupos comunistas — que promoviam, sim, o terrorismo no país. O jornalista e historiador argentino Ceferino Reato entrevistou Videla na prisão. O resultado está no livro “Disposición Final” (Sudamericana). Em maio de 2012, a 

Folha publicou uma excelente entrevista com o autor, feita por Sylvia Colombo. Ele chegou a ser alvo das patrulhas de esquerda por ter feito o trabalho que cabia a um jornalista fazer. Reato ajudou a elucidar, com as palavras de Videla, o horror do regime, mas também reconhece o desserviço que certa militância presta à verdade. Um deles diz respeito às supostas 30 mil pessoas assassinadas. A comissão instalada para cuidar do assunto, composta de inimigos da ditadura militar, chegou, no máximo, a 7.954, o que já é uma estupidez, mas corresponde a 27% do número propagandeado. Ora, a “verdade”, que já era cruel o suficiente, ao apelar à mentira, transforma-se em ideologia e desmerece os fatos,  Leiam trechos:

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Jorge Rafael Videla foi o mais cruel dos ditadores do último regime militar argentino (1976-1983). Presidente de 1976 a 1981, foi responsável pelos primeiros tempos de um aparato de repressão que matou de 7.000 a 30 mil pessoas, e que sequestrou em torno de 500 bebês — as estimativas variam. Videla foi julgado nos anos 80, durante a gestão de Raúl Alfonsín, e condenado à prisão perpétua. Cinco anos depois, recebeu um indulto do então presidente Carlos Menem. Em 1998, foi novamente condenado. Passou pouco mais de um mês na cadeia, logo sendo transferido para sua casa, onde passou a cumprir prisão domiciliar.
Em 2010, Videla voltou ao banco dos réus, já durante o governo de Cristina Kirchner, que tem se caracterizado por levar a julgamento quase todos os envolvidos na repressão dos anos 70. O general recebeu novamente a pena de prisão perpétua, mas, dessa vez, para ser cumprida em uma prisão comum. Desde então, está numa cela da penitenciária militar do Campo de Mayo. Em “Disposición Final” (Sudamericana), o jornalista e historiador Ceferino Reato, 51, colheu o mais importante depoimento de Videla desde os anos 70.
Numa entrevista exclusiva, realizada na prisão, o general diz a Reato que os desaparecidos foram “o preço que se teve de pagar para ganhar a guerra contra a subversão, o preço da vitória”. Além disso, admite pela primeira vez que houve roubo e apropriação de bebês por militares em larga escala. O livro de Reato levou a juíza Alicia Vence, que investiga crimes de lesa humanidade, a ordenar uma busca no apartamento em que Videla viveu, em Buenos Aires. A ideia era tentar recuperar algumas dessas listas. Foram recolhidos documentos, cartas e diários referentes aos anos de 1979 em diante. As evidências podem, agora, dar início a novo processo de investigação sobre o período.
Folha – Muitos de seus colegas jornalistas têm questionado você por ter feito esse livro. Por que?
Ceferino Reato - É incompreensível que jornalistas duvidem de que se deve entrevistar um personagem histórico. Mas, infelizmente, é um fato na Argentina. A maioria das pessoas aqui participa de um paradigma politicamente correto sobre os anos 70, segundo o qual há que se dar voz somente a personagens que têm a ver com as vítimas e com alguns ex-chefes da guerrilha. E jamais com os militares. Isso está muito instalado na sociedade. Por isso faço uma introdução tão longa no livro, justificando-me. Busquei, entre outras coisas, referências no próprio jornalismo progressista, onde temos o norte-americano Jon Lee Anderson, que entrevistou [o ditador chileno Augusto] Pinochet.
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Como foi a revelação deles sobre os supostos 7 mil mortos?
Videla diz que esse foi o preço a se pagar para ganhar o que considerava uma guerra à subversão. E sustenta que desaparecer com os corpos dos militantes mortos era a única alternativa, porque seria impossível levar tanta gente à Justiça, assim como promover fuzilamentos tão numerosos. Diz que a sociedade não toleraria. Dentro de sua lógica, era uma guerra justa, e não uma guerra suja.
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Outra revelação de Videla no livro é sobre o roubo de bebês, que foram adotados por famílias de militares.
Sim, Videla nega que tenha existido um plano sistemático e que tenham sido 500, como dizem as Avós da Praça de Maio, mas admite que a prática foi comum e em larga escala. Entregar os bebês para famílias de militares era visto por eles como uma solução humanitária.
O general fala de 7.000 desaparecidos, a lista da Conadep (Comissão Nacional sobre a Desaparição de Pessoas) diz que foram 7.954, as organizações de direitos humanos falam em 30 mil. Qual é mais próximo da realidade? Por que não se discute esse tema?
Os 30 mil mortos foram uma cifra útil num determinado momento, mas hoje não se sabe bem de onde surgiu. Há quem diga que foi uma criação de Hebe de Bonafini [líder das Mães da Praça de Maio]. O mais provável é que tenha sido criada e popularizada pelos exilados na Europa durante a ditadura. Foi importante para ajudar a dar publicidade ao horror que se cometia na Argentina. Mas hoje devemos questioná-lo, porque não há nada que sustente essa cifra. E não há uma lista de nomes e sobrenomes de tanta gente.
Contabilizar as famílias que buscam e reclamam os mortos não seria uma maneira?
Não é visto assim porque o governo e as associações de direitos humanos dizem que há muitas famílias que não reclamam porque não têm coragem. Mas o pior que pode nos acontecer é não saber exatamente quantos morreram e quais são suas histórias. Como pretendemos descobrir o que aconteceu com os desaparecidos se nunca soubermos quem foram?
Mas há uma lista de quem pediu indenização, não?
Sim, mas o governo não mostra, porque há muita gente que morreu antes da ditadura, durante a violência do começo dos anos 70 entre guerrilha e Estado. E a atual gestão considera que o horror começou com o golpe, em 1976. Reconhecer que teve início antes, em um governo democrático e peronista, seria uma derrota importante para a atual gestão. Os grupos de direitos humanos às vezes me fazem lembrar essas ONGs que dizem se ocupar da pobreza mas comemoram quanto mais pobres há. Para elas, quanto maior o horror, maior o orçamento. E isso é uma degeneração dos direitos humanos.
(…)
Por Reinaldo Azevedo

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