Os
dois terroristas que praticaram os atentados de Boston eram chechenos. Um está
morto, Tamerlan Tsarnev, e o outro, Dzhokhar Tsarnaev, foi preso. Só não vão
matar e machucar mais ninguém porque, enquanto os supostos poetas da paz se
encarregavam de criticar os “paranoicos e reacionários”, os paranoicos e
reacionários cuidavam dos sistemas de segurança que permitiram identificar,
prender ou matar facínoras como esses. Por que escrevo assim? Porque os
“progressistas”, nos EUA, no Brasil e em toda parte, já anteveem o que chamam
“histeria” da direita, o crescimento da xenofobia etc. Sim, leitor, pode
parecer incrível, mas o alvo desses bacanas são pessoas que não mataram
ninguém, que não feririam ninguém, que não molestaram ninguém. Há também quem
já anuncie — e isso não deixa de estar subjacente à fala de Barack Obama — que
não faz sentido relacionar os ataques ao fato de os dois serem muçulmanos.
Então ok. Podemos fazer de conta que eram budistas, católicos, protestantes
tradicionais, judeus, evangélicos, xintoístas. Afinal, como é sabido, volta e
meia, os crentes dessas religiões saem por aí explodindo bombas, praticando
atentados terroristas, matando inocentes em nome de sua causa, não é mesmo?
É impressionante! Tenta-se, desde já, cobrir a realidade com um véu,
suficientemente diáfano para que todos saibamos o que aconteceu, mas espesso o
bastante para tentar nos convencer a olhar para o outro lado. “Ah, mas eram
chechenos!” E daí? O terrorismo islâmico não é apanágio dos árabes, como sabem
o Afeganistão, o Paquistão, a Indonésia, a Caxemira… Aonde que quer a religião
tenha chegado, chegou junto a ideia do martírio e da “jihad”, vista não mais
como o esforço para não fugir do caminho da fé, mas como a restauração da
verdadeira religião — e isso supunha a violência. Mas por que dois
chechenos, defensores da independência de sua região de origem, atacam
americanos em vez de atacar os russos? Sabe-se lá… A cabeça de terroristas
opera com uma lógica muito particular. O que é estúpido é fazer de conta que a
Chechênia não é um dos celeiros mundiais do terrorismo islâmico, ainda que a
sua mão de obra seja recrutada especialmente para a luta local. O que é
ridículo é descartar de saída que mesmo chechenos possam se integrar a uma rede
maior do terror. Um dos irmãos deixou um depoimento dizendo que não
tinha amigos americanos e que não os compreendia. Tinha 26 anos e estudava
engenharia. O mais jovem, que foi preso, tem 19 e cursava o segundo ano de
medicina. Tinha até recebido um prêmio em dinheiro como incentivo a jovens
talentos. Os EUA haviam dado a ambos, enfim, a oportunidade de estudar, de
crescer, de se desenvolver. E por que, então, os ataques terroristas? Ao
ler a respeito dos dois, lembrei-me de Sayyid Qutb (1906-1966), o homem que
sucedeu Hasan al-Bana, o fundador, no comando da Irmandade Muçulmana. Qutb era
um fanático da violência. Formado em educação, foi enviado pelo governo egípcio
para conhecer os EUA: Nova York, Washington, Colorado e Califórnia. Ele odiou
tudo o que viu e só enxergou decadência — até o hábito de aparar a grama lhe
parecia prova cabal de futilidade. Se Al-Banna aceitava a violência para o
propósito de unir os muçulmanos num só califado, seu sucessor foi mais longe:
era preciso converter também, e pelos mesmos métodos, o mundo não islâmico. E
fazê-lo deveria ser tarefa de todo muçulmano. Para quem não entendeu,
tento ser ainda mais claro: é relevante, sim, saber se os irmãos estavam
ligados a uma rede de terror ou se atuaram por conta própria. Mas é mais
relevante ainda considerar que essa segunda hipótese pode ser ainda mais
aterradora porque apontaria para uma espécie de banalização do terror
religioso. Pior do que haver uma Al Qaeda ou congênere planejando grandes
atentados seria a explosão de bombas ser considerada uma forma de reza, ainda
que a iniciativa não estivesse conectada a um comando. É claro que essas
ocorrências terão reflexo no debate sobre a nova lei de imigração que está no
Senado, que conta com o apoio dos democratas e de boa parte dos republicanos. E
não há nada de errado que assim seja. Faz parte da política. Faz parte da
democracia. Estranho seria se os congressistas e os americanos fizessem de
conta que as bombas não explodiram, que elas não foram detonadas por dois
chechenos e que eles, afinal de contas, não eram muçulmanos. É preciso tomar
cuidado com as manifestações de xenofobia? Claro que sim! Mas também é preciso
tomar cuidado a imigração. “Qualquer americano pode fazer muito mais
estrago dando tiros numa escola primária.” É fato! Atiradores ou assassinos em
série, no entanto, não têm uma “causa” que se pretende coletiva nem estão
determinados a converter o mundo. Por Reinaldo Azevedo
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