Caros leitores e senhores deputados
federais,
não tenho memória de assistir a tamanho
espetáculo de manipulação, de mentiras orquestradas e de desinformação como o
que envolve o projeto do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), que melhora, e muito!,
a Lei Antidrogas no Brasil. Este post é longo, mas vai às minúcias da fraude em
curso. Veículos de comunicação, algumas lideranças políticas, um site de
petições… Toda essa gente se uniu, alguns por ideologia, outros por
desinformação e outros ainda por picaretagem, para produzir ruído em vez de
produzir informação. Vamos a uma tarefa um tanto longa, mas necessária. É
impressionante a força que tem, especialmente na imprensa, o lobby dos
defensores da descriminação das drogas, muito especialmente da maconha. Não
estranha quem sabe como e por quem são feitas as salsichas… Até aí, tudo bem!
As pessoas têm o direito de dizer o que bem entendem — quero-me entre os
defensores intransigentes da liberdade de opinião e de expressão. Mas ninguém
tem o direito de mentir, de distorcer, de manipular os fatos só para facilitar
a sua crítica. Aí é desonestidade intelectual das mais grosseiras. O deputado
Osmar Terra (PMDB-RS) apresentou o Projeto de Lei 7663/2010,
que muda a Lei 11.343,
conhecida como Lei Antidrogas. Os links estão aí. Noto que Osmar Terra passou a
apanhar ao mesmo tempo em que se escondia o texto dos leitores. O que propõe o
deputado?
– a definição clara das esferas de
competência de cada um dos três entes da federação: municípios, estados, união;
– endurece a pena para traficantes;
– distingue as drogas de maior risco
daquelas de menor risco;
– inclui as comunidades terapêuticas na
rede de atendimento público — ou o estado dispõe de uma rede de serviços?;
– define as circunstâncias das
internações voluntária, involuntária e compulsória.
É o que está lá. Sei que dá trabalho
ler o projeto. É preciso fazê-lo recorrendo à lei em vigor. É complicado. Teve
início, então, um formidável show de desinformação. Até o jornal O Globo fez a
respeito o editorial que
certamente entrará para a antologia dos mais equivocados de sua história,
forçando a mão e citando dados que esqueceram de acontecer. O último a
engrossar o coro fora do tom e dos fatos foi o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso. Vênia máxima ao grande político, certamente falou sem ler. Passou
adiante o peixe que lhe venderam embrulhado. Como a sua opinião sobre as drogas
não reflete o seu lado mais iluminado, o conjunto resultou em mais desinformação.
Os picaretas e vigaristas costumam pegar carona na onda dos equivocados. O site
de petições Avaaz, comandado por Pedro Abramovay — aquele rapaz que, quando no
governo, propôs que não se prendam pequenos traficantes —, mantém uma no ar com
a seguinte proposição (tudo em maiúsculas, no original): “DIGA NÃO AO PROJETO
DE LEI QUE VAI MANDAR USUÁRIOS DE DROGAS PARA A CADEIA”. Abramovay já deixou
claro que o Avaaz, no Brasil, tem lado e ideologia. Só prosperam as petições
que contam com a concordância dos “sócios”. Aí vale tudo! Inclusive, percebo
agora, a mentira mais descarada. Essa petição se refere ao projeto de Osmar
Terra. ATENÇÃO! É MENTIRA QUE O PROJETO DO DEPUTADO PROPONHA CADEIA PARA
USUÁRIOS DE DROGAS. Pior: a página que está no ar traz, como citação, um trecho
do editorial do Globo.
Mentiras formidáveis começaram a ser
atribuídas ao projeto:
– ele criaria um cadastro de usuários
de drogas. Não cria!
– ele mandaria para a cadeia os
usuários. Falso! Não manda!
– obrigaria diretores de escola a criar
um cadastro de alunos usuários. Mentira também.
– aumentaria a pena de usuários —
trata-se de um exagero ridículo, e direi por quê.
O texto já passou por todas as
comissões da Câmara, inclusive a de Constituição e Justiça, e está pronta para
ir a plenário. Boa parte do PT torce o nariz. FHC pediu para os tucanos
repensarem e coisa e tal. E o que propõe Osmar Terra?
O que é tráfico? O
que é consumo?
A palavra de ordem da militância em
favor da descriminação das drogas é a distinção clara, na lei — com definição
de quantidade da substância —, entre consumo é tráfico. Trata-se de uma trapaça
intelectual e de um passo em direção não à descriminação do consumo, mas à
legalização das drogas. Na base dessa proposição, está a avaliação bucéfala de
que, se a repressão, até agora, não acabou com o tráfico, que tal tentar o
contrário? Nem a epidemia do crack, com seus efeitos trágicos Brasil afora,
convenceu essa gente de que precisamos de menos drogas circulando, não de mais.
O projeto de lei de Osmar Terra continua a deixar a critério do juiz, pesadas
todas as circunstâncias, a avaliação. E, sim, continua a considerar crime o
consumo de drogas — SÓ QUE ESSE CONSUMIDOR NÃO SERÁ SUBMETIDO À PENA DE PRISÃO.
Os “bacanas” defendem que a lei estabeleça a quantidade do que é tráfico e do
que é consumo. A turma que elaborou a proposta aloprada do novo Código Penal,
que tramita no Senado, acha que, se o sujeito portar drogas para cinco dias,
isso não deve ser considerado tráfico. O deputado petista Paulo Teixeira (SP)
quer mais: 10 dias. Há viciados em crack que fumam até 10 pedras por dia. No
país de Teixeira, se alguém for surpreendido com 100 pedras, isso é coisa só de
consumidor, não de traficante. QUE DEPUTADO É FAVORÁVEL A ISSO? QUE MOSTREM A
CARA! Imaginem os nossos congressistas à volta de uma mesa a definir quantos
gramas de maconha seria “normal” consumir num dia para, então, estabelecer os
gramas de cinco ou dez dias… Deem uma única boa razão para que os traficantes
não se aproveitassem dessa janela e mandassem seus “vapores” sair por aí com a
quantidade “permitida”… O projeto de Terra não faz essa distinção — e, entendo,
nem deve. Seria a porta aberta para legalização do tráfico. Afinal, o deputado,
que é médico, elaborou um projeto para combater as drogas, não para
legalizá-las.
Manda usuário para
a cadeia?
Trata-se de uma mentira estúpida,
divulgada pelo site Avaaz e por outros que fazem a apologia da maconha. Em seu
estupefaciente editorial de dezembro do ano passado, afirma o Globo:
“Em qualquer lista dos mais equivocados
projetos em tramitação no Congresso, um, do deputado Osmar Terra (PMDBRS),
ganharia destaque. E com méritos, porque trata de aumentar o castigo penal do
usuário de drogas, na contramão da tendência correta de se descriminalizar o
usuário, tratando-o como uma questão de saúde pública e não de polícia.”
Em qualquer lista dos mais equivocados
editoriais do Globo, este ganha destaque, com méritos. Em primeiro lugar,
porque basta ler o texto (o link vai acima) para constatar que ele não faz
outra coisa a não ser tratar o viciado como uma questão de… saúde pública! Em
segundo lugar, em que consiste o “aumento do castigo penal do usuário”?
Explico.
O Artigo 28 da lei que está em vigência
estabelece a seguinte pena para quem for flagrado consumindo maconha ou
portando uma quantidade que o juiz não considera tráfico (prestem atenção!):
I – advertência sobre os efeitos das
drogas;
II – prestação de serviços à
comunidade;
III – medida educativa de
comparecimento a programa ou curso educativo.
Esses são os grandes sofrimentos a que
são submetidos os consumidores de substâncias ilícitas. No caso dos incisos II
e III, a obrigação deve ser cumprida por cinco meses. Havendo reincidência,
dez. A suposta fúria punitiva de Terra estende o primeiro período para seis
meses; o reincidente pode ser submetido à medida por pelo menos 12 meses,
podendo chegar a 24, com restrições a frequentar determinados lugares.
E isso é tudo.
Aumenta a pena do
traficante
O que o projeto de lei do deputado faz,
isto sim, é aumentar a pena do traficante. E cria ainda uma espécie de
hierarquia entre as drogas. As de maior potencial destrutivo podem ser um fator
de aumento da pena. Para que se entenda direito a sua proposta, é preciso
visitar os artigos 33 a 37 da atual lei, que me permito transcrever (NOTEM QUE
TODOS ELES DIZEM RESPEITO À AÇÃO DE TRAFICANTES, NÃO DE USUÁRIOS) — segue em
azul.
Art. 33. Importar, exportar,
remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda,
oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever,
ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão de
5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e
quinhentos) dias-multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre
quem:
I – importa, exporta, remete, produz,
fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito,
transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou
em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou
produto químico destinado à preparação de drogas;
II – semeia, cultiva ou faz a colheita,
sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de
plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III – utiliza local ou bem de qualquer
natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância,
ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o
tráfico ilícito de drogas.
§ 2o Induzir, instigar ou
auxiliar alguém ao uso indevido de droga:
Pena – detenção, de
1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.
§ 3o Oferecer droga,
eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para
juntos a consumirem:
Pena – detenção, de
6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e
quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.
§ 4o Nos delitos definidos no
caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois
terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente
seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas
nem integre organização criminosa. (Vide Resolução nº 5, de 2012)
Art. 34. Fabricar, adquirir,
utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer
título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário,
aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação,
produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de
3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois
mil) dias-multa.
Art. 35. Associarem-se duas ou
mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes
previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas
do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime
definido no art. 36 desta Lei.
Art. 36. Financiar ou custear a
prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta
Lei:
Pena – reclusão, de
8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000
(quatro mil) dias-multa.
Art. 37. Colaborar, como
informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de
qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena – reclusão, de
2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos)
dias-multa.
Voltei
Muito bem. O Artigo 40 dessa lei estabelece quando as penas acima definidas podem ser acrescidas de um sexto a até dois terços (são os chamados fatores agravantes). Vejam se vocês discordam de alguma:
Muito bem. O Artigo 40 dessa lei estabelece quando as penas acima definidas podem ser acrescidas de um sexto a até dois terços (são os chamados fatores agravantes). Vejam se vocês discordam de alguma:
I – a natureza, a procedência da
substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a
transnacionalidade do delito;
II – o agente praticar o crime
prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder
familiar, guarda ou vigilância;
III – a infração tiver sido cometida
nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou
hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais,
recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de
recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de
serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de
unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
IV – o crime tiver sido praticado com
violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de
intimidação difusa ou coletiva;
V – caracterizado o tráfico entre
Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
VI – sua prática envolver ou visar a
atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída
ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;
VII – o agente financiar ou custear a
prática do crime.
Osmar Terra, esse homem malvado,
acrescentou aos sete incisos acima mais dois. A pena também seria agravada
quando:
VIII – o crime envolve drogas de alto
poder de causar dependência, de acordo com a classificação prevista na alínea
“c” do inciso I, do parágrafo único, do art. 1º desta Lei; e
IX – o crime envolve a mistura de
drogas como forma de aumentar a capacidade de causar dependência.”
Terra é mesmo um homem mau!!!
O cadastro único
dos usuários
Até eu cheguei a recear que houvesse
mesmo na lei a proposta de criação de um cadastro único de usuários de drogas.
Se houvesse, seria, obviamente, contra. Mas isso não está lá. É conversa mole.
É papo furado. Contaram esse negócio para FHC, e ele acreditou. Ligou para
deputados tucanos para fazer pressão.
Cadastro? Vamos ver o que vai no texto
(em azul):
“§ 4º Todas as internações e altas de
que trata esta Lei deverão ser registradas no Sistema Nacional de Informações
sobre Drogas às quais terão acesso o Ministério Público, Conselhos de Políticas
sobre Drogas e outros órgãos de fiscalização, na forma do regulamento.
§ 5º É garantido o sigilo das informações
disponíveis no sistema e o acesso permitido apenas aos cadastrados e àqueles
autorizados para o trato dessas informações, cuja inobservância fica sujeita ao
disposto no Artigo 39-A desta lei”
ISSO É CADASTRO DE USUÁRIOS?
Ora, tenham a santa paciência!
Reconhecendo-se que o estado tem a obrigação de tratar o dependente,
reconhecendo-se que o programa precisa de acompanhamento, reconhecendo-se que é
preciso avaliar se as medidas estão ou não adequadas, o que se pretende? Eu não
gosto, deixo claro, é dos tais “outros órgãos de fiscalização”. Quais órgãos? Quer
dizer que devemos fazer uma política pública à matroca? Os bacanas que defendem
o “uso medicinal” da maconha não querem ter até carteirinha? Não se trata de
criar “cadastro de usuários”, mas de uma lista, então, de doentes. Não é esse o
entendimento firmado sobre o assunto? Quer dizer que o estado pode ter listados
os pacientes de câncer, de tuberculose, de hanseníase, mas não os das drogas? A
gritaria trai má consciência e fraude intelectual: no fundo, essa gente acha
que “ser drogado” é um direito, e o estado tem a obrigação de arcar
permanentemente com os custos do tratamento, mas “sem controle”…
Internações
E há a grita também porque o projeto de lei disciplina, no que faz muito bem, as internações. Reproduzo o texto:
E há a grita também porque o projeto de lei disciplina, no que faz muito bem, as internações. Reproduzo o texto:
“Art. 23-A A internação de usuário ou
dependente de drogas obedecerá ao seguinte:
I – será realizada por médico
devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina (CRM) do Estado onde se
localize o estabelecimento no qual se dará a internação e com base na avaliação
da equipe técnica;
II – ocorrerá em uma das seguintes
situações:
a) internação voluntária: aquela que é
consentida pela pessoa a ser internada;
b) internação involuntária: aquela que
se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
c) internação compulsória: aquela
determinada pela Justiça.
§ 1º A internação voluntária:
I – deve ser precedida da elaboração de
documento que formalize, no momento da admissão, a vontade da pessoa que optou
por esse regime de tratamento; e
II – seu término dar-se-á por
determinação do médico responsável ou por solicitação escrita da pessoa que
deseja interromper o tratamento.
§ 2º A internação involuntária:
I – deve ser precedida da elaboração de
documento que formalize, no momento da admissão, a vontade da pessoa que
solicita a internação; e
II – seu término dar-se-á por
determinação do médico responsável ou por solicitação escrita de familiar, ou
responsável legal.
§ 3º A internação compulsória é
determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente.
Comento
A internação compulsória já é possível na atual legislação. O texto não inova nesse particular. Em seu editorial de dezembro, escreve o Globo, num trecho notável que nega o que afirma:
A internação compulsória já é possível na atual legislação. O texto não inova nesse particular. Em seu editorial de dezembro, escreve o Globo, num trecho notável que nega o que afirma:
“está provado que o sucesso em
internações compulsórias ocorre apenas em 2% a 3% dos casos. Há situações em
que não existe alternativa, e a coação serve para proteger o próprio drogado.
Mas não pode ser a primeira e única alternativa. Portugal, um dos mais
avançados na Europa na descriminalização, constata a queda no consumo de
drogas.”
O projeto de Terra, obviamente, trata
das situações em que não há alternativa. Sei que isso dispensa o jornal de
apresentar, então, uma alternativa, mas deveria dizer o que há de errado com o
projeto do deputado nesse particular. Ainda tratarei da grita contra as
internações involuntárias, uma das faces mais perversas do suposto humanismo
dos que querem descriminar ou legalizar as drogas. Há um indisfarçável traço de
classe nessa história. Os pobres não têm como descansar, de vez em quando,
em clínicas de bacanas. A alternativa é a sarjeta. Terra fez um projeto
que integra a rede de tratamento a viciados no sistema público de saúde. Ora,
se não for isso, será o quê? A turma do miolo mole da “antipsiquiatria”
conseguiu acabar com as instituições públicas para internais doentes assim,
quando o certo seria humanizá-las. Reitero que voltarei a esse particular em
outros textos.
Caminhando para a
conclusão
Eis aí. Essas são as grandes maldades
do texto de Osmar Terra, que está sendo combatido com unhas, dentes e mentiras.
É mentira, também, que o texto queira obrigar diretores de escola a denunciar
alunos consumidores. Alguém sugeriu que os estabelecimentos de ensino fossem
obrigadas a denunciar o tráfico em suas dependências ou algo assim — o que,
parece-me, é obrigação de qualquer um, mas deve ficar fora dessa lei. O texto
de Terra está sendo tratado com óbvio preconceito e má vontade por aqueles que
não concordam com ele — ou porque acham que o certo é descriminalizar, talvez
legalizar, ou porque se oponham às internações. Que apontem, então, um caminho.
Lá no Ministério da Justiça, parece, discute-se a possibilidade de oferecer maconha
a viciados em crack, numa suposta estratégia de redução de danos… É um jeito de
ver o mundo… Encerro lembrando mais um trecho do editorial do Globo: “Portugal,
um dos mais avançados na Europa na descriminalização, constata a queda no
consumo de drogas.” Seria bom para a tese se fosse
verdade — além, claro!, de ser uma revolução na lógica. Pela primeira vez na
história da humanidade, ao se facilitar enormemente a circulação de uma
determinada substância, haveria queda da exposição das pessoas à dita- cuja. Os números de Portugal desmentem
a afirmação, não eu. De resto, ainda que verdade fosse, seria uma mentira: a
parte continental de Portugal, com o mar a oeste e ao sul, tem uma costa de
1.230 km apenas; ao norte e ao leste, um único vizinho: a Espanha. Banânia tem
9.230 km de litoral a serem vigiados e faz fronteira com nove países. Quatro
deles são produtores de cocaína: Colômbia, Venezuela, Peru e Bolívia. E o
Paraguai é origem de parte considerável na maconha que circula no Brasil. A
população de Portugal inteiro é menor do que a da cidade de São Paulo. Evoque-se,
então, em nome da responsabilidade e da razoabilidade, um único país com
características similares às do Brasil que tenha descriminado o consumo de
drogas, e aí começaremos a conversar. O editorial do Globo, num dado momento,
chega até a ter laivos de antiamericanismo: “A paquidérmica ONU, influenciada pelos Estados Unidos, defensores
da militarização do problema da droga, apesar da legalização em alguns estados
americanos, formalmente não se moveu.”
Meio tarde para enveredar por esse
caminho, não?
Que os deputados votem com
responsabilidade e sem temer a patrulha. E que votem no texto, não no que dizem
estar no texto. Por Reinaldo Azevedo
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