Em depoimento à Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, o
ex-delegado Cláudio Guerra afirmou que existe um grupo formado por pessoas que
participaram da repressão durante a ditadura militar (1964-1985) e que hoje
atuaria na área de segurança privada e espionagem. Segundo ele, o grupo ainda
está em atividade. Chamado pelo ex-delegado de "Irmandade", o grupo
seria formado por ex-integrantes das Forças Armadas, da Polícia Civil e de
órgãos da ditadura, como o extinto SNI (Serviço Nacional de Informações), setor
de espionagem do regime. Guerra atuou no SNI de 1973 a 1985 e afirma ter
colaborado com a repressão praticando execuções de militantes que lutavam
contra o regime. Ele nega, porém, ter praticado tortura. O depoimento foi
gravado em Cariacica (ES) e exibido hoje em sessão na Câmara Municipal de São
Paulo. Os membros da "Irmandade", segundo Guerra trocam favores
entre si e ainda têm influência em decisões de alguns órgãos do governo. O
ex-delegado não detalhou, contudo, nomes ou organismos que estariam sob
influência do grupo. "O que nós fazíamos no passado para o governo, nós
vamos fazer por conta própria", teriam dito os membros da
"Irmandade" quando começaram a se organizar, segundo Guerra. Ele
próprio afirma ter recebido, até 2005, ajuda financeira do grupo para se
sustentar. A Comissão da Verdade da Câmara planeja trazer o ex-agente do
SNI para São Paulo. Guerra diz que quer se encontrar com três pessoas que
teriam participado da repressão para tentar convencê-las a prestar depoimento,
mas que só divulgará seus nomes após conversar pessoalmente com eles.
"Creio que elas vão prestar um grande serviço. São pessoas
conhecidas", afirma. No vídeo, Guerra reafirma sua versão para fatos já narrados em seu livro
"Memórias de uma Guerra Suja". Na publicação, ele afirma ter sido
responsável por transportar corpos de vítimas da ditadura da chamada Casa da
Morte, em Petrópolis (RJ), para serem incinerados em fornos de uma usina de
cana-de-açúcar em Campos dos Goytacazes (RJ). As incinerações começaram a
ser feitas a partir de 1974, porque, segundo Guerra, "o negócio de
enterrar as vítimas em valas clandestinas não estava dando certo".
Em sua atuação em São Paulo, Guerra afirma no depoimento que praticou três execuções
e que foi responsável pela explosão de uma bomba no prédio do jornal "O
Estado de S. Paulo". Na época, o ex-delegado disse que não sabia quem
eram as vítimas, e que só descobriu os nomes depois, em pesquisas para seu
livro. "Saíamos sem saber quem era, sem saber o porquê. Só sabíamos a
missão. Tem que chegar atirando e sair do local. Eles diziam que eram pessoas
de alta periculosidade, treinadas em Cuba”. "Foi errado? Foi, mas nós fizemos. Nós acreditávamos no que estávamos
fazendo", avalia Guerra, hoje pastor evangélico da Assembleia de Deus. Esta
foi a primeira vez que a Comissão Municipal da Verdade de São Paulo ouviu
depoimento de ex-integrante do regime militar. Até então, apenas vítimas,
parentes e testemunhas haviam sido interrogados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário