sexta-feira, 26 de abril de 2013

Dos delitos e das penas. Ou: Os nefelibatas do direito precisam voltar a se apaixonar pelo “humano” e saber que bandido não é justiceiro social


Há tempos não se tinha notícia de tamanha barbaridade como a ocorrida em São Bernardo, no ABC paulista (ver post anterior). Bandidos invadiram o consultório da dentista Cinthya Magaly Moutinho de Souza. Roubaram o seu cartão de banco. Como havia apenas R$ 30 na conta, jogaram álcool no seu corpo e puseram fogo. Dadas as informações que existem até agora, Jônatas, um dos assassinos, que usava o Audi da mãe no assalto, não parece ter o perfil idealizado do “bom criminoso”, do “bandido vítima das condições sociais perversas”, do “coitadinho” que foi empurrado para o crime pela carência e pela miséria. Isso não existe. Isso é uma invenção da má consciência esquerdopata. Jônatas não é, enfim, um exemplar da baixa sociologia de manual. Não haverá — e, ainda que fosse possível, não seria bom — um policial para cada cidadão comum. Não obstante, os nefelibatas da segurança pública continuam a dar suas receitas. Na Folha de hoje, por exemplo, Samira Bueno, “socióloga e secretária-executiva da ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública”, escreve um artigo sobre o tema. Afirma (em vermelho):
“(…) Não podemos incorrer no erro de responder ao aumento da violência com o recrudescimento da política de segurança, como a redução da maioridade penal que voltou ao debate público. Uma política de segurança eficiente se faz com o investimento na produção e transparência de informações, aperfeiçoamento das ações de inteligência, valorização dos profissionais de segurança pública, mecanismos de controle robustos e diminuição da circulação de armas.”
Não tenho a menor ideia do que seja “recrudescimento da segurança pública”. Parece que quer dizer “endurecimento das penas”. Doutora Samira acha que não resolve e tem a receita na ponta da língua. Apliquemos o seu modelo ao caso em espécie, a Jônatas. Ela quer:
- “produção e transparência de informações”:
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo é das poucas no país que divulgam mensalmente os dados sobre violência. Com isso, só consegue reportagens negativas na imprensa. Nesse caso, quem é mais transparente apanha mais. Quem esconde os números é protegido. Mas a transparência de dados já existe. Como ela poderia evitar um caso como o de São Bernardo? Não sei. Quem tem de explicar é a especialista. Ela pede mais.
- “aperfeiçoamento das ações de inteligência”.
Não me diga! É como recomendar a uma pessoa que se alimenta mal que opte por alimentos saudáveis. Isso não chega nem a ser bom senso, já é clichê. Que “inteligência” teria conseguido impedir o tal Jônatas de sair de casa no Audi da mãe para matar queimada uma dentista? Seria o caso de ouvi-la.
- “Valorização dos profissionais de segurança pública”.
Sem dúvida, eu apoio a medida. Se cada policial em São Paulo recebesse R$ 30 mil mensais, Jônatas continuaria a botar fogo em pessoas.
- “mecanismos de controle robustos”.
Não sei direito o que é, mas imagino que se refira a controle das Polícias. Apoio também. A questão é saber quem controla os Jônatas.
- “diminuição da circulação de armas”.
Sim, é necessário. Atenção, doutora Samira! Em 2011, a PM de São Paulo apreendeu 12 mil armas ilegais, que são as que matam. Não só isso: realizou 35 milhões de intervenções policiais, 12 milhões de abordagens, 310 mil resgates e remoções de feridos e 128 mil prisões em flagrante (89 mil adultos e 39 mil “adolescentes infratores”); apreendemos 70 toneladas de drogas, recuperou 60 mil veículos roubados e furtados. De janeiro a junho do ano passado, a população carcerária do estado cresceu de 180 mil para 190 mil presos, o que representa 40% de todos os presos do Brasil.
E é por isso — a despeito desses crimes bárbaros e do aumento dos casos de latrocínio no estado, conforme está estampados nos jornais e alardeado na Internet — que São Paulo é uma das unidade da federação mais seguras do país. A taxa de homicídios por 100 mil habitantes é inferior à metade da do Brasil. As ações sugeridas por doutora Samira certamente estão em curso. E é provável que mais precise ser feito, sempre tendo em mente a impossibilidade de se ter um policial para cada cidadão — ainda bem! É evidente que o “recrudescimento das penas”, como diz a doutora, não é a correção de todos os males. Mas não é menos evidente que uma vida tem de valer mais do que vem valendo no Brasil, tenha o assassino mais de 18 anos ou menos. Com toda a estúpida crueldade de Jônatas, se e quando for preso, dificilmente pegará a pena máxima: 30 anos. Mas digamos que assim seja. O Artigo 112 da Lei de Execução Penal garante a progressão da pena — passagem para um regime menos rigoroso — depois de cumprida um sexto da condenação, desde que o preso tenha bom comportamento etc e tal. Se condenado a 30 anos (corre o risco de não ser), há a possibilidade de esse patriota e humanista passar para o regime semiaberto depois de cinco anos… O regime semiaberto, no papel ao menos, ainda é fechado, saibam. A vigilância é um pouco mais relaxada, e há a permissão para deixar o presídio por algumas horas em situações excepcionais — estudar por exemplo. Como Banânia se esqueceu de construir estabelecimentos com esse perfil, a passagem para o regime semiaberto costuma ser sinônimo de liberdade. Digamos que ele seja condenado a 60 anos! Terá direito ao semiaberto depois de 10. A cada três dias de trabalho, pode reduzir um da pena. No Brasil, a pena mínima para homicídio simples é de seis anos; para o qualificado, de 12. Não dá. A vida humana precisa passar por um processo de “ressacralização” no Brasil. A palavra pareceu religiosa demais aos agnósticos e ateus? Tudo bem! Eu troco. A vida humana precisa passar por uma processo de “re-humanização”. Fica bom assim, com a tautologia gritando a sua evidência? “Endurecimento das penas não combate a violência”, gritam os defensores da jabuticaba penal brasileira. Em primeiro lugar, não sabemos. Sabemos o que é ter 50 mil homicídios por ano com as leis que estão aí. Os nefelibatas dizem que é tudo culpa da pobreza, como se estivéssemos diante de uma manifestação da luta de classes. Mentira! A maioria das vítimas é pobre. Países com condições sociais muito piores do que as do Brasil têm índices de violência muito menores. Em segundo lugar, é preciso apostar, sim, no efeito didático das penas — não só para quem já delinquiu. “Ah, o Reinaldo autoritário quer penas exemplares…” Alto lá! Não se trata de usar um inocente como bode expiatório, mas de punir com rigor os culpados para que outros tentados a delinquir saibam que o risco é grande. Os nossos nefelibatas desconsideram que a pena deve ter também um caráter dissuasório. No dia 4 deste mês, foi instalada uma comissão especial de juristas para propor ao Senado a revisão da Lei de Execução Penal. Vamos ver. O grupo criado para rever o Código Penal produziu uma peça infame. É aquele texto que, na definição da pena, considera que abandonar um cachorro é mais grave do que abandonar uma criança. É aquele texto que define a quantidade de droga que caracteriza apenas consumo: o suficiente para cinco dias. Na prática, é a legalização do tráfico. É aquele texto que legaliza o aborto, violando abertamente a Constituição. Nem vi quem compõe a comissão de revisão da Lei de Execução Penal. Espero que o grupo seja mais responsável.A sociedade, diante de 50 mil homicídios por ano, pergunta aos doutores: quanto vale a vida humana? Por Reinaldo Azevedo

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