sábado, 6 de abril de 2013

A imprensa promove uma verdadeira caça a Feliciano, que é presa fácil. Já Genoino e João Paulo são mais serelepes. Ou: Eu lhe conto uma historinha pessoal sobre um chefe rigoroso


Título de uma chamada na homepage da VEJA.com e também o da reportagem a que ele remete fazem um retrato preciso do momento: “Feliciano antecipa depoimento e escapa da imprensa”. O verbo “escapar”, no caso, é perfeito porque, de fato, se está diante de uma caçada. Amplos setores da imprensa, por razões que tenho debatido aqui, caçam Feliciano com o propósito de cassar o seu mandato.
Leiam o que vai na VEJA.com. Volto em seguida.
O depoimento do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta-feira foi antecipado em uma hora, sem que a imprensa soubesse. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, acusado de estelionato, falou por cerca de meia hora a um juiz que representava o ministro Ricardo Lewandowski, relator do processo. Feliciano iniciou seu depoimento por volta  de 13h30. A assessoria do parlamentar afirma que ele chegou mais cedo ao Supremo, antes das 13h, e que por acaso o promotor do caso e o juiz já estavam disponíveis, o que permitiu a antecipação do depoimento. Na véspera, o relator havia determinado que a audiência se daria a portas fechadas para evitar a presença de manifestantes e jornalistas. O deputado é acusado de não comparecer a dois cultos após receber 13.300 reais de cachê. A denúncia foi feita em 2009 pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul. Ele nega as
irregularidades. “Foi um desacordo comercial e o valor já foi devolvido. Confiamos no Supremo”, diz o advogado Rafael Novaes. Agora, o processo contra o deputado entrará em sua fase final. (…)
Voltei
Escrevi um longo texto sobre a caça às bruxas promovida pela imprensa. Em muitos aspectos, Feliciano é uma presa fácil. Já José Genoino e João Paulo Cunha, deputados do PT condenados pelo STF, são membros da Comissão de Constituição e Justiça. Para eles, nem beijo na boca nem escarro, para lembrar Augusto dos Anjos. São mais serelepes. Seus valores, digamos, mais gerais, coincidem com os do jornalismo tornado militância. Assim, que importa que tenham sido condenados por corrupção ativa e formação de quadrilha (Genoino) e corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato (João Paulo)? O que importa é que são, afinal, favoráveis ao casamento gay, certo?, e a mais alguns itens da pauta considerada “progressista”. Feliciano vira presa fácil, sim. Ele mexe com os piores preconceitos de muitos jornalistas, que ainda vomitam a besteira de que a religião é o ópio do povo. Marx levou muito gente a acreditar que a história tem direção e sentido definidos, e isso a muitos pareceu razoável. Já acreditar em Deus lhes soa coisa de gente atrasada… Não é que as redações estejam lotadas de marxistas, o que suporia apego à teoria e algumas horas queimando as pestanas com livros — ainda que em versão eletrônica. Dispensam-se até mesmo os saberes acumulados pelas esquerdas ao longo dos anos. Tudo o que interessa é fazer justiça com o próprio teclado: “Quem é o bonzinho da história? Ah, é Fulano? Então tá”. E se parte para o
esmagamento dos “maus”. Conto os fatos, os milagres, mas omitirei os respectivos nomes dos santos. Eu exercia um cargo de chefia numa redação. Um jornalista fez uma reportagem sobre um grupo religioso bastante sectário, extremista mesmo, que havia passado por um racha. Já lá se vão uns 20 anos. Li o texto, pareceu-me ok, tudo devidamente ponderado, todos os lados ouvidos, nada de preconceito embutido contra esse ou aquele. A reportagem tinha, no entanto, um quadro ilustrativo com uma espécie de síntese do pensamento da tal organização. O meu assistente jogou na página. Eu não o tinha lido. Ocorre que havia lá, com efeito, um erro de informação. Nem sei se eu teria percebido se tivesse lido com antecedência. A direção da tal organização acionou a chefia. Não era nada de grave, mas o grupo alegava que se tratava de preconceito. O comando da redação começou a pegar no meu pé, exigindo explicações: “Como isso veio parar aqui? Quero as justificativas do repórter”. Ocorre que o dito-cujo, um ótimo profissional, havia entrado em férias. Estava em algum lugar da… Capadócia! Vinte anos! Falamos da era pré-e-mail. Lá vou eu acionar família, o diabo a quatro, para tentar achar o cara. Nada! Não houve dia em que o patrão não cobrasse: “Cadê a resposta?” A impaciência já começava a se voltar contra mim, suspeito de incompetência por não conseguir achar o repórter. As pessoas envolvidas talvez se lembrem e sabem que falo a verdade. Como eu estava na chefia da editoria e como alguma resposta precisava ser dada, fiz o óbvio: “Eu estava no comando e publiquei; mereço a punição, e a gente resolve isso”. Não era heroísmo babaca, não! É que entendo assim as coisas. Não servia. O patrão queria a explicação do responsável. Ainda hoje, acho que se tratou de um excesso, de um exagero, em razão de uma questão que era irrelevante. Mas prefiro mil vezes aquele rigor ao que vai hoje em dia: “Prendam os suspeitos de sempre”. Estava muito claro que estávamos lá para buscar a máxima objetividade possível nas matérias informativas, não “para fazer justiça”. Essa não é a tarefa de jornalista. Essa é uma tarefa da sociedade, por meio de seus canais de representação e dos Poderes constituídos. Qualquer um tem o direito de achar Feliciano, Schopenhauer, Reinaldo Azevedo ou Machado de Assis um bando de idiotas. Quando se tem a tarefa de passar adiante uma informação, é preciso fazer um esforço brutal para se despir dos juízos de valor e se ater aos fatos.  É assim que aprendi. É assim que deve ser. “Olhem que fala…”  “Olhem que fala! É o cara que adora expelir regras (usam outro verbo por aí), que opina sobre tudo, que chama Lula de ‘apedeuta’”. Sim, sou eu mesmo! Faço uma página escancaradamente opinativa. Ninguém cai aqui por acidente. Não mais. Ou vem com a recomendação de quem gosta ou com a de quem odeia — raramente se chega aqui movido pela neutralidade nem-nem. Milhares de leitores deste blog vem em busca de uma opinião, da minha — nem que seja para me desqualificar. É do jogo. Nunca precisei atribuir a alguém que reprovo o que ele não disse para combatê-lo. Gosto de fazer “vermelhos-e-azuis” para que o leitor tenha acesso àquilo que contesto. Raramente, só em coisas sem importância, recorro ao discurso indireto: “Fulano disse que…” Prefiro pegar as aspas, a literalidade, com o devido contexto, para, então, dizer o que penso. Se gostam ou não, se acham a minha crítica justa ou não, aí é outro papo. Já escrevi uma dezena de vezes que Feliciano não seria meu candidato a presidir comissão nenhuma. Ele chegou aonde chegou em razão das feitiçarias eleitoreiras do petismo. Nada me liga a Feliciano. Mas tudo me liga à defesa do estado democrático e de direito. O que se tenta fazer ao arrancar o deputado da comissão é golpe contra o Parlamento. Lastimo que haja parlamentares empenhados em operar essa baixaria, inclusive do PPS, partido de oposição que se perdeu nessa história; que não está reconhecendo a natureza do jogo. Agora já se fala abertamente em resolver a questão cassando o mandato de Feliciano por quebra de decoro. O simples flerte com essa possibilidade é um escândalo. Quero discordar de Feliciano com ele podendo exercer as prerrogativas que lhe foram conferidas pela Constituição e pelo Regimento da Câmara. Jornalista que defende a sua cassação por delito de opinião, por mais que despreze o seu ponto de vista (essa é outra história), está oferecendo a própria cabeça à guilhotina. Hoje, punir um jornalista por pensar isso e aquilo é difícil, embora não impossível. Mas pode ser mais fácil. Na sociedade americana, a que levou mais longe a liberdade de expressão, esse debate não seria nem mesmo possível. É evidente que grupos se manifestam contra a opinião de políticos. Aconteceu não faz tempo, quando um cretino fez uma afirmação estúpida sobre estupro. Mas ninguém vai lá meter o pé no Capitólio, sapatear sobre a mesa de uma comissão ou tentar cassar um mandato parlamentar
porque a opinião expressa foi considerada incorreta ou desinformada. O jornalismo que flerta com esse tipo de coisa perdeu as referências e também a vergonha na cara.

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